DO OUTRO LADO DA RUA (16) – ÁGUIA ENCANTADA
Eram aproximadamente três horas da tarde, quando decidi visitar dona Chiquinha da casa de fundos, do outro lado da rua. Quando entrei, ela foi logo pegando o ramo de alecrim para aquele ritual costumeiro, o benzimento que tão bem faz, à todos que a procuram.
Estava tranquila a boa velhinha, pois como disse, hoje não era dia de benzimento, apenas me benzeu como agradecimento por minha atenção constante, me convidando a ir à cozinha tomar o café da tarde, com seus eternos bolinhos de chuva.
O papo fluía gostoso naquela tarde morna e tranquila, onde as ideias conduziam à uma reflexão relaxante. A boa velhinha está talvez, em um de seus dias mais abençoados, porque vejo em seus olhos e no seu timbre de voz, uma doçura que transmite paz. Sua voz me leva à um mundo místico, sou conduzida naquela letargia à outra dimensão, quando sua narrativa toma proporções fantásticas. Em seu linguajar caipira, vou decifrando suas palavras à meu modo. Ela ouviu essa história do próprio feitor da fazenda Engenho Novo.
A águia, em tons de branco e marrom, linda e brilhante como um raio de luz, sacode as asas e desce em um vertiginoso voo, por dentro do cinza nublado do céu, como se aquele fosse seu derradeiro voo. Em sua jornada, avista a clareira da mata e para lá se lança, antes que o vento que sopra junto com um clarão de relâmpago, traga as águas que vão lavar as mágoas do sofrido feitor.
O feitor Januário que está ali na clareira, olhando o horizonte, como não se olha pra nada, como se o horizonte lá não estivesse. Seus pensamentos o levam à uma escrava que conhecera há muitos anos atrás. Conheceu Juventina quando fora adquirir escravos no leilão do mercado, pois seu Porfírio o encarregara de comprar algumas cabeças. Era linda a danada, uma mulata cor de canela que fazia os homens lançarem olhares de cobiça. Neste dia todos os feitores a queriam comprar, seus dentes eram tão alvos que pareciam pérolas brilhando naquela boca carnuda. Mas seu olhar não se desgrudava do feitor Januário que era um belo moço em seus 35 anos. Foram lançadas várias ofertas e cada vez mais alta para arrematar a moça, Januário já estava quase a desistir pois o dinheiro que o coronel Porfírio designara, seria também para comprar outros escravos. Ele dera o último lance, esperava que o cobrissem e já ia saindo quando, o leiloeiro deu como ganho aquele lance. Viu-se no rosto da moça a alegria por aquele desfecho e também o feitor deixava transparecer a satisfação por tão valiosa aquisição.
Como se tivessem sido designados um para o outro pela mão divina, Januário e Juventina se apaixonaram tão perdidamente que não houve quem demovesse aquele amor da face da terra. Tanto que, um escravo também se engraçou pela moça, a queria a todo custo e em sua ignorante ambição, armou uma armadilha para acabar com a vida do feitor; armadilhas para pegar onça brava não tem escapatória quando é engatilhada, mata sua presa na hora. Só que, como diz o ditado, o feitiço virou contra o feiticeiro, quem caiu na armadilha foi a linda Juventina, vindo a morrer antes mesmo de ter vivido um dia sequer com seu amado, o feitor Januário.
E, estando o feitor ali na clareira, sua atenção é despertada pelo voo rasante da águia que num clarão de luz pousa no chão ao seu lado. Eis que, numa visão translúcida a águia se transforma na belíssima escrava Juventina. Estes encontros tornaram-se constantes pois, como não puderam viver o amor que lhes havia sido designado durante a vida terrena, o vivem ali agora, naquela clareira.
O olhar da minha doce velhinha se ilumina e tem proporções de algo divino ao encerrar tão comovente relato. Saio dali com a alma leve, imaginando se, aqueles personagens não tivessem se reencontrado para viver seu grande amor, eu não estaria neste momento narrando esta história, relembrada com tanta emoção por minha querida amiga, dona Chiquinha.
Eram aproximadamente três horas da tarde, quando decidi visitar dona Chiquinha da casa de fundos, do outro lado da rua. Quando entrei, ela foi logo pegando o ramo de alecrim para aquele ritual costumeiro, o benzimento que tão bem faz, à todos que a procuram.
Estava tranquila a boa velhinha, pois como disse, hoje não era dia de benzimento, apenas me benzeu como agradecimento por minha atenção constante, me convidando a ir à cozinha tomar o café da tarde, com seus eternos bolinhos de chuva.
O papo fluía gostoso naquela tarde morna e tranquila, onde as ideias conduziam à uma reflexão relaxante. A boa velhinha está talvez, em um de seus dias mais abençoados, porque vejo em seus olhos e no seu timbre de voz, uma doçura que transmite paz. Sua voz me leva à um mundo místico, sou conduzida naquela letargia à outra dimensão, quando sua narrativa toma proporções fantásticas. Em seu linguajar caipira, vou decifrando suas palavras à meu modo. Ela ouviu essa história do próprio feitor da fazenda Engenho Novo.
A águia, em tons de branco e marrom, linda e brilhante como um raio de luz, sacode as asas e desce em um vertiginoso voo, por dentro do cinza nublado do céu, como se aquele fosse seu derradeiro voo. Em sua jornada, avista a clareira da mata e para lá se lança, antes que o vento que sopra junto com um clarão de relâmpago, traga as águas que vão lavar as mágoas do sofrido feitor.
O feitor Januário que está ali na clareira, olhando o horizonte, como não se olha pra nada, como se o horizonte lá não estivesse. Seus pensamentos o levam à uma escrava que conhecera há muitos anos atrás. Conheceu Juventina quando fora adquirir escravos no leilão do mercado, pois seu Porfírio o encarregara de comprar algumas cabeças. Era linda a danada, uma mulata cor de canela que fazia os homens lançarem olhares de cobiça. Neste dia todos os feitores a queriam comprar, seus dentes eram tão alvos que pareciam pérolas brilhando naquela boca carnuda. Mas seu olhar não se desgrudava do feitor Januário que era um belo moço em seus 35 anos. Foram lançadas várias ofertas e cada vez mais alta para arrematar a moça, Januário já estava quase a desistir pois o dinheiro que o coronel Porfírio designara, seria também para comprar outros escravos. Ele dera o último lance, esperava que o cobrissem e já ia saindo quando, o leiloeiro deu como ganho aquele lance. Viu-se no rosto da moça a alegria por aquele desfecho e também o feitor deixava transparecer a satisfação por tão valiosa aquisição.
Como se tivessem sido designados um para o outro pela mão divina, Januário e Juventina se apaixonaram tão perdidamente que não houve quem demovesse aquele amor da face da terra. Tanto que, um escravo também se engraçou pela moça, a queria a todo custo e em sua ignorante ambição, armou uma armadilha para acabar com a vida do feitor; armadilhas para pegar onça brava não tem escapatória quando é engatilhada, mata sua presa na hora. Só que, como diz o ditado, o feitiço virou contra o feiticeiro, quem caiu na armadilha foi a linda Juventina, vindo a morrer antes mesmo de ter vivido um dia sequer com seu amado, o feitor Januário.
E, estando o feitor ali na clareira, sua atenção é despertada pelo voo rasante da águia que num clarão de luz pousa no chão ao seu lado. Eis que, numa visão translúcida a águia se transforma na belíssima escrava Juventina. Estes encontros tornaram-se constantes pois, como não puderam viver o amor que lhes havia sido designado durante a vida terrena, o vivem ali agora, naquela clareira.
O olhar da minha doce velhinha se ilumina e tem proporções de algo divino ao encerrar tão comovente relato. Saio dali com a alma leve, imaginando se, aqueles personagens não tivessem se reencontrado para viver seu grande amor, eu não estaria neste momento narrando esta história, relembrada com tanta emoção por minha querida amiga, dona Chiquinha.