O Cheiro Dele - Parte 1

Todos já estavam caminhando por suas salas em direção à saída. Alguns de meus amigos ainda arrumavam suas coisas, outros somente me esperavam. Cruzei as pernas, ajeitei o cabelo e chequei a maquiagem.

— Flor, vamos?

— Ainda não, espere, a qualquer momento ele vai aparecer.

— Não posso esperar amiga, tenho que ir.

Fiquei sentada sozinha em uma das mesas do campus, vendo de longe Carolina e os outros irem embora, apressados.

Era noite e uma garoa fininha começava a cair. Já fazia algum tempo desde que esses pensamentos vinham em minha mente e eu tentava ao máximo me controlar, pensar em coisas boas, mas nem sempre era possível. Mais forte que a dor de um amor não correspondido é o vazio de um amor inexistente. Preencher esse vazio era difícil. Nas paredes de meu coração ainda restavam marcas que o tempo não tinha conseguido apagar, sinais e avisos para que eu não repetisse os mesmo erros do passado.

A chuva de repente aumentou e a sombrinha não deu conta. Peguei a bolsa e caminhei em direção à biblioteca. Antes de entrar ouvi a voz dele, meu coração disparou. Parei antes da entrada, respirei e de novo chequei minha roupa, tudo parecia normal.

Ele estava debruçado no balcão conversando com a estagiária. Mesmo aqui, agora, nesse fragmento de segundo, sua beleza não passou despercebida. Seu cabelo preto, liso, cuidadosamente penteado, adornava seu rosto de homem. Suas mãos estavam fechadas em punho, ele mordia o canto da boca carnuda. Seus olhos fixos no decote da jovem.

Fiquei em dúvida se entrava ou se ia embora, ele não tinha notado minha presença. Permaneci na entrada, insegura, esperando a chuva passar. A garota mexeu no computador e digitou algumas coisas. Quando se virou, ele desviou o olhar e se endireitou, ele era mais alto do que havia reparado na última vez.

— Então é isso, esse fica para segunda, e esses dois só para sexta-feira que vem. – ela disse entregando-lhe os livros.

— Posso ficar com seu telefone, só para o caso de eu precisar renovar... Sabe come é né! – Ele não era meu namorado, não era meu amor e nem amigo. Contudo, não pude evitar sentir ciúmes.

Não demorou muito para que ficasse irritada. Caminhei na chuva sem me preocupar em abrir a droga da sombrinha, não fazia diferença. Fui até a saída, pisando alto, cheguei até as catracas, peguei o cartão, passei uma, duas, três vezes, e a máquina dava erro. De repente, observei o cartão, estava todo molhado. Olhei para os lados para me certificar que ninguém tinha me visto molhar a máquina, passei o objeto em minha calça e tentei em outra catraca, deu certo.

Enquanto o guardava na bolsa, ele passou por mim. Desci as escadas e o fitei de longe, algumas vezes ele seguia em direção a minha rua, que era sem saída, e simplesmente desaparecia. Fui andando lentamente, ele já estava distante, era inútil correr na chuva. Meus cabelos estavam molhados e gotejando, alguns carros passaram por mim rapidamente. Atravessei a rua devagar, estava deserta, quando ia abrir o portão de casa o farol de um carro se acendeu a alguns metros.

A luz sobre a chuva me cegou por uns instantes, depois disso o motorista tentou ligá-lo algumas vezes, parecia estar com problemas. Ainda com os faróis ligados a porta se abriu, o dono do automóvel veio andando até mim, o farol desenhou sua cintura e seus braços fortes, era ele.

— Oi, você mora aqui? – ele perguntou, e não me deixou responder. – Meu carro está com problemas, morro na cidade vizinha, conhece alguma oficina?

Meu coração novamente deu sinal de vida, pulou desesperado em meu peito.

Segurei-me no portão, descompassada. Havia imaginado esse momento por tantas vezes, a hora em que ele iria falar comigo, nossa primeira conversa, e eu nem sabia seu nome.

— Sim e não, também não moro aqui e não conheço muita coisa.—disse sem jeito, ainda não tinha esquecido o modo como ele olhara para a menina.

— Droga! – ele disse. – Tenho um compromisso importante.

Só agora, debaixo da chuva, pude compreender como ele era. Sua voz macia e agradável. Mesmo zangado, ele ainda era perfeito, pelo menos para mim. A raiva que estava sentindo dele se desfez.

— Você quer entrar? – Sabia que era errado convidá-lo para entrar no prédio, o que ele iria pensar de mim? Ainda mais que morava sozinha, ele, com certeza, iria achar que eu era uma vadia, mas agora já tinha feito o convite. – Tenho um catálogo telefônico, você pode procurar alguma oficina vinte e quatro horas.

— Sim, é melhor mesmo.

Abri o portão e nos entramos. Subimos alguns degraus até chegarmos ao apartamento, era o 302. Não olhei para ele durante todo o percurso, estava nervosa. A chave riscou a maçaneta, com muito custo consegui encaixá-la e abrir, minhas mãos estavam trêmulas.

Tateei a parede no escuro e acendi a luz, virei-me para ele.

— Você mora sozinha?

— Sim... Entre.

Ele passou por mim e se sentou em uma das cadeiras. Fiquei em dúvida sobre a porta, deixá-la aberta ou fechada? Aberta ele poderia interpretar que eu estava com medo dele, fechada ele chegaria à conclusão de que eu estava à vontade com sua presença e que era uma garota fácil. Na dúvida, a deixei apenas encostada.

Ainda de costas, senti que ele me observava. Tinha a impressão de que tinham se passado horas, mas eram apenas segundos. Fechei os olhos, respirei profundamente. Seu perfume invadiu minha casa e entrou em meu sistema, arrepiando cada parte de meu corpo. Era um perfume forte, excitante, me passava segurança.

— Acho que a gente nem foi apresentado. Meu nome é Flora, mas meus amigos me chamam de Flor. – ele veio até mim e beijou meu rosto.

— Meu nome é Bruno, prazer. – disse ainda em meu ouvido, dessa vez tinha certeza que meu coração ia explodir.

Sem graça, fui até a mesinha, abri a gaveta e puxei a lista telefônica debaixo de algumas revistas. Entreguei em suas mãos e fui até a cozinha.

— Você quer beber alguma coisa? Água, suco?

— Não vou querer nada, não quero abusar.

Não respondi. Bebi em uma golada a água que estava na caneca e voltei para ele.

— Nossa, estou toda molhada, vou me trocar enquanto você procura, pode usar o telefone, há minutos ilimitados para fixo!

Corri até o quarto, fechei a porta. Peguei uma toalha e me enxuguei. Coloquei uma blusa preta e um jeans velho, calcei uma rasteirinha e voltei para a sala. Ele estava falando no telefone. Entreguei a ele uma toalha para que se secasse. Ele ao mesmo tempo em que falava, passou-a em seus cabelos, no pescoço e em seu rosto.

Não estava prestando atenção em nenhuma palavra que ele dizia. Por fim ele desligou o telefone.

— Consegui! – disse num sorriso – Eles trabalhavam aqui perto acredita? Já estão a caminho. Muito obrigado pela ajuda e pela confiança.

Ele levantou e foi até a porta e a abriu até o canto, fui atrás dele, atordoada, quando ele se virou para falar comigo, bati nele. Levantei a cabeça e abri a boca para pedir desculpas, mas parei quando encontrei seu olhar. Seus olhos eram de um negro tão profundo e tão misterioso que perdi o controle. Tudo que pude fazer foi contemplar... Ficamos nós dois, ali, na sala, olhando um para o outro, parados. Ele quebrou o silêncio.

— Bom, tenho que ir, obrigado de novo, Flor. – Deu-me outro beijo no rosto.

Ele saiu e desceu as escadas. A sensação de seus lábios ainda restava em minha face, toquei minha bochecha, me belisquei de leve, era real. Bruno, agora já sabia seu nome, finalmente, tinha me chamado de Flor, quer dizer que éramos amigos?

Tranquei a porta e me equilibrei. Na cadeira em que ele estava sentado repousava sua toalha. Era idiotice fazer isso, ainda assim a vontade me corroia por dentro. Apaguei as luzes, peguei-a na cadeira e a pressionei contra o nariz. Seu cheiro ainda estava lá, era mais forte, de seu pescoço, sua nuca. Suspirei e fui em direção ao meu quarto, usei a mesma toalha para secar os cabelos, e a joguei na porta. Deitei na cama feliz e desperta, quem disse que consegui dormir? De fundo, o barulho da chuva caindo dava vida aos meus desejos mais ocultos, que após algum tempo se transformaram em doces sonhos.

Diogo Andrade
Enviado por Diogo Andrade em 26/07/2012
Reeditado em 26/07/2012
Código do texto: T3798312
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