ESTRADA DIFERENTE
“FESTIVAL DE BANDAS UNDERGROUNDS”
Patrícia leu na entrada da arena, na verdade o estacionamento de um grande supermercado. Não estava nada tonta, mas louca para estar, vendo-se assim com sua saia jeans, meia calça de teia, cabelo pintado de várias cores, pircieng no nariz, camisa preta com uma caveira e nome de uma banda “foda”. Estava com amigas. Ela era moreninha, as outras amigas assim um pouco pálidas, trajadas quase da mesma maneira. Uma delas namorava um roqueiro, de cabelos negros cacheados, que veio por trás com pretensão de assustá-las, mas os olhos de Patrícia só visionavam o palco ali armado, com uma banda cheia de cabeludos: quatro, o vocalista tocava guitarra, fazia um som gutural, com uma calça camuflada, calçando butes e uma camisa preta com estampa de banda heavy metal. Era magro, dali ela podia perceber que ele era alto, mas os cabelos cobriam todo rosto dele, quase se via mais a boca. E ela queria chegar até a “garganta”, ali na turma do gogo. Aquela era a banda DEVASTAÇÃO, uma das suas favoritas no cenário underground. Mas, curioso ela nunca conseguira ver a cara do vocalista que também tocava guitarra, mesmo no pôster, na contra capa dos CDs que ela comprava. Sempre aquele monte de cabelos tapando o rosto.
Ah, ela agitava as mãos, aceitava a latinha de cerveja que alguma amiga lhe passava, mas sem tirar os olhos do palco, daquele rapaz misterioso cujos cabelos de tão longos e desgrenhados cobriam todo rosto. E acotovelando-se entre a multidão que pulava e vibrava ao som gutural e trash da banda, ela ia tentando chegar até a “garganta” para ficar pertinho da sua banda favorita.
Sabia que os caras eram de Minas Gerais e vinham ao Rio para prestigiar o festival de underground. Mas ah, o nome dele Ugor, será que era nome de verdade dele, ou apenas nome artístico? Quantas vezes não cismou, ajoelhada na sua beliche, admirando o pôster sombrio, num cenário de uma floresta escura, aquele rosto coberto de cabelos, mas que ela podia desvendar o queixinho saliente. Por que ele teimava em ocultar o rosto naqueles cabelos. Ugor, tinha cabimento nome mais estranho.
Ele é sinistrão – dizia uma de suas amigas, sentando a vontade no almofadão – O Ugor, acho que o nome dele é este mesmo.
Patrícia cismava, cismava, mesmo sonhava com o Ugor, que ele vinha assim, um peito magro – que ela viu numa revista ele sem camisa- e aquele véu de cabelos claros e desgrenhados cobrindo-lhe o rosto, apenas aparecia à boca e o queixo. Ele vinha por cima dela, com as mãos pesadas, grandes, tal qual ela podia enxergar ali no palco, mas não era tão grandes ali no palco quanto era no sonho, no sonho que sempre se repetia.
Ele deu um berro gutural mais alto, a galera delirou, e Patrícia olhou-o fixamente, ah queria tanto. Nem acreditou quando ouviu o papo no meio da rodinha que os caras do DEVASTAÇÃO estavam ali num canto junto ao palco de papo com a galera e os fãs, e comentavam “puxa os caras são bem humildes mesmo”, “Gente finas”. E Patrícia correu para o meio da rodinha – enquanto outra banda entrava em palco – e perguntou onde estavam os rapazes do DEVASTAÇÃO? Onde? E um dos meninos apontou a direção, ali num quiosquinho quase rente ao palco, e Patrícia viu então, não todos os quatro integrantes, mas apenas aquele, o Ugor, reconhecível de longe pelos seus cabelos longos desgrenhados ocultando o rosto, mesmo só desvendando a boca para beber da cerveja da latinha, com um jeito assim meio rude de virá-la a boca. Patrícia suspirou ainda mais forte, com o coração acelerado, tremendo, pensando o que podia dizer ao Ugor?
Chegou perto dele, e ele parecia destacado dos outros que estavam cercados por uma galerinha. Ela sorriu, e pareceu ver o sorriso dele apenas pelo queixo e uma parte da boca.
_ Ugor, posso te dar um abraço?
Ele aproximou-se desengonçado, muito magro, um pouco alto, assim a abraçou, suado. Patrícia apertou-o no abraço, encostou a cabeça sobre seu ombro, e deixou-se chorar de emoção.
Ele tomou o rosto dela entre a s mãos, e disse:
_ Que isto não precisa chorar. Eu não sou nenhum ídolo do rock como Robert Plant, Axel Rose – e riu para a delicia dela.
Patrícia enxugando o rimel negro, que descera de seus olhos pelas lagrimas, com as pontas dos dedos, foi dizendo:
_ Desculpa, estou sendo idiota. Mas é que parece sonho te conhecer – e nem se tocava que não vira o rosto todo, apenas o queixo e os lábios.
Ele a convidou para dar um passeio, assim ombro a ombro, pela arena. Ela emocionou-se, mas conteve-se para não envergonha-lo parecendo “tiete”, pois sabia que era a coisa que os headbangers mais odiavam.
_ Esta gostando da galera daqui? Perguntou, afinal tomando coragem.
_ Para C... – respondeu numa voz forte – estou mesmo aqui no Rio. Eu e meus camaradinhas de banda. Estamos na casa de uma tia do baterista, o Flavio.
Sim, Flavio Serrado, ela sabia, o meio feioso de dentes trepados, e ela gostaria de indagar primeiramente se ele se chamava Ugor mesmo.
_ Sim, me chamo Ugor, esse é meu nome mesmo – disse parando junto com ela, assim frente a frente os dois, os cabelos desgrenhados ainda cobrindo grande parte do rosto. Estavam longe do palco, mesmo da platéia, e ouviam dali o som d e uma banda underground meio punk.
Patrícia abaixou o semblante, vendo-o assim frente a frente com ela.
_ Sou um cara simples guria, muito simples. O que gosto mesmo é “atitude” rock n roll.
Ela se emocionou, levantou o rosto, considerando interrogar-se o que aquela frase dizia entrelinhas.
_ você já vai?
_ Bom, não, eu quero assistir outras bandas.
_ E. sua namorada?
Ele riu, ela viu os lábios, o cicio, o queixo, mas aquele rosto... Como ele agüentava?
_ Você nunca mostra o rosto?
_ Por que quer ver meu rosto?
Ela viu-o tão sedutor cruzando os braços sobre o peito em cima da estampa onde estava escrito o nome da banda que ele fazia propaganda.
A mãe e a avó essa hora esperavam-na, assistindo a novela, inconformadas com essa mania de Patrícia, como diziam, de ir a esses shows, bandas de rock. Luanda, a mãe, já andava vasculhando as gavetas dela procurando drogas, mas achou preservativos.
_ Isto a vovó não gostaria de ver.
Então Patrícia respondeu-o:
_ Eu poderia ver?
Ele virou-se, chamou um ambulante que passou vendendo cerveja, comprou uma para ele e outra para ela. Patrícia nem pode acreditar que ele estava até pagando cerveja para ela.
_ Obrigada.
E ficou um silencio entre os dois, apenas o som da banda no palco se fazia ouvir dali.
O estalinhos da lata se abrindo, e ambos beberam, mas ele assim virando-se todo, e ela quase pode ver-lhe o rosto, o coração chegou a bater mais forte, ritmadas com bateria trash que se ouvia dali.
Ele aproximou-se mais, amassou a lata de cerveja vazia, arremessou-a ate um cesto ali próximo e então a puxando para um canto da arena quase deserto, disse:
_ Desvenda você mesmo a cortina dos meus cabelos desgrenhados.
O tom de voz um pouco gutural em que ele falara, deixara-a arrepiada, e com mãos tremulas, largando a lata de cerveja, ela descortinou aqueles longos cabelos daquele rosto, vendo então, com semblante admirado, um belo rapaz, de rosto longo, um queixo um pouco proeminente, mas belo, com lindos olhos castanho mel.
_ Você... É lindo...
Ele riu, escondendo o rosto enrubescido naquela barba um pouco bagunçada que ele curtia. Ela amou acariciar o seu rosto por barbear, mesmo o abraçou, como ele permitisse, encostando a cabeça sobre seu ombro, ele tomou-a num abraço também, a afagando pelas espáduas, com mãos tão carinhosas, que ela se sentiu em leve flutuação, e apenas o som que vinha do palco parecia embalá-los, mas deixá-los com um desejo de se eclipsarem dentro daquele som tão heavy metal cuja orquestra trabalhava-se em instrumentos tão bem trabalhados como se fosse o novo “wagneriano” modo de musicar o amor.
Rodney Aragão