Estranha forma de vida

Para 'Joseph'

Costumava me surpeender nos seus pequenos atos. Ultimamente, te disse, te amaria mais se pudesse curar toda a dor do mundo com o seu sorriso. - E você pode, você sabe. Lembro de quando a médica me deu o laudo, e eu tive de ficar confinado naquele quarto de hospital. Você não queria isso para mim, ou para você. Talvez eu possa pensar que, toda essa situação se tornaria um peso maior, e você teria de cuidar de mim. Logo você que sempre foi só, buscando alguém que pudesse juntar tudo que você deixou para trás, e que quando ela terminasse de juntar toda a sua bagunça, você não estivesse mais lá... - Então lembro que descutimos, que eu tinha de estar todas as horas deitado, e confiante, e só. Você me disse que nunca iria estar lá, comigo, com a minha doença, com o meu corpo. Que você não doaria seu tempo e sua desposição a algo que estaria certamente errado. Que eu seria forte se não estivesse lá. Então eu recolhi tudo o que poderia e fui direto e só para o leito daquele quarto onde continha alguns tuberculosos e pessoas que estariam cercados de familiares. Na minha frente, havia um rapaz, que muito provavelmente tinha a minha idade. Estava na sua cidade, com sua família, e a mulher que o amáva com todas as forças que eu já pude te amar algum dia. E eu estava só. Fechei os olhos, e talvez por conta do medicamento, por conta de todas aquelas agulhas que se fundiam com as minhas veias, eu tenha me cansado um pouco e cochilado. Quando eu abri os olhos lá estava você ao meu lado. Por um momento eu pensei que você só estava com medo e que você queria me proteger, e por isso, talvez, tenha gritado para que eu não voltasse para ser depositado ao leito. Não foi. Acredito que você tenha sentido o peso das palavras das pessoas, que esse medo de você me deixar só, seria pelo fato de todas as pessoas te recriminarem. Se você soubesse disso concordaria. Você sempre sentiu medo, porque tinha raiva de todas as pessoas que me faziam mal. E você sentia medod e não poder me proteger naquele momento frágil, porque eu não tinha ninguém além de você. Você não conseguia passar horas ao meu lado, porque sentia medo de que eu pudesse ficar toda a minha vida por lá, e você não poderia cuidar de alguém que não fosse você. Então você se recolhia dizendo que me amava, dizendo que preferia que eu descansasse, e eu dormia todo o tempo, porque você quase nunca estava lá. Quando eu abria os olhos e te via ao meu lado, você sorria e dizia: Continue descansando, pode dormir mais um pouco, eu vou estar aqui. - Por mais que eu soubesse que você ficaria por mais alguns segundo, eu queria aproveitar todo o momento que estivesse ao seu lado, e com os olhos cansados, eu dizia: Não consigo mais dormir, não estou cansado! Você, então ficava a metade do tempo que ficaria se eu voltasse a dormir.

Todas as manhãs vinham enfermeiras que trocavam as agulhas, os medicamentos e me vinham espetar mais com "agulhas de bebês", assim elas dizia. Em nenhuma dessas aplicações você estava lá. Nunca em oito dias eu havia emagrecido tanto. Eu não podia comer, e sua raiva aumentava, por causa disso e de outras situações que me faziam sofrer. Eu não me importava, eu só queria você por perto. Esses oito dias nós nunca brigamos. Você tentava cuidar de mim, e fazia planos. Eu me arrastava pelos corredores e iamos para a garagem do hospital fumar alguns cigarros e falar mal dos enfermeiros que tanto você odiava, porque me faziam sofrer. Você sempre me fez sorrir, porque você sabia me fazer sorrir. Eu lembro de como você falava que técnicas em enfermagens são pessoas sem futuro. Lembro muito bem de uma enfermeira, a enfermeira chefe que você tanto admirava. Ela tinha o cabelo loiro longo, um loiro esbranquiçado e uma tatuagem de fada no pé. Por baixo do loiro dela, haviam camadas pretas, e você achava isso muito bonito. Ela era bem educada. Nós criamos muitas amizades com as pessoas que conhecemos naquele hospital, e você era rude, mas muito gentil, porque você não queria ser o centro das atenções naquele momento, e queria me dar toda a atenção, sua, possível.

Conseguimos uma troca com a médica que estava de plantão: Eu iria de doze em doze horas tomar as enjeções, se ela me deixasse voltar para sua casa. Então assim foi cumprido. Sua mãe não ia mais me ver no hospital, seu pai não se preocupava mais comigo, seu pai foi muito legal apesar da forma como é. Seu irmão se arrependeu de algumas coisas e se transformou em alguém mais prestativo. E eu podia dormir ao seu lado todas as noites. Eu não tinha mais medo das pessoas que passavam mal, eu podia comer escondido, eu passaria todo o tempo contigo, e teria sentimentos com os quais não tive, porque todo aquele medicamento tomava uma grande parte do que eu sentia, fora você. Sempre pensava em você. Lembra de uma mulher numa das noites que tentou se matar com remédios porque o namorado a largou? Ainda penso muito nela, porque eu não entendia. Eu a recriminei mentalmente. Pensei: mais que tola, essa mulher é uma idiota. Agora entendo. Eu já entendia, mas entendo muito mais. Aquela parte nunca me sai do pensamento. Ligando as coisas... Não quero chegar ao ponto que ela chegou.

Você já cansado, então dois dias depois, descobri que você me traia. Era domingo, certamente era. Peguei nosso celular, porque tinhamos um celular em conjunto - lembra? -, e tinha algumas mensagens estranhas. Lembro que desconfiei do remetende, porque em todas as suas traições, você colocava o nome de alguém que nunca poderia existir. Eu liguei e ouvi uma voz que perguntava se você já tinha se livrado de mim. Você se arrependeu muito, porque disse que me amava com todas as forças, mas você disse também que não dava mais, que tinha apenas dezesseis anos, e que não poderia aguentar tudo o que se passava. Eu chorei por horas e quebrei o celular. Eu liguei para minha mãe e disse que me arrependia de tudo, que queria voltar. Você gritava ao meu lado dizendo que se eu fizesse ela deixar você voltar comigo para a casa, nós voltávamos. Eu me senti usado, como sempre me senti com seu verdadeiro 'eu'. E algumas coisas deixaram de vale a pena, como os oito dias no hospital, toda aquela raiva que você sentia dos técnicos em enfermagem, das injeções, do meu estado, de como você queria cuidar de mim. Tudo isso se transformou e, pontos de interrogações... Que horas depois morreram quando eu voltei para casa.

Yuri Santos
Enviado por Yuri Santos em 24/07/2012
Reeditado em 23/09/2012
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