Asa Quebrada
O meu maior defeito e talvez uma das minhas poucas qualidades fosse sempre estar distraída olhando pra cima, olhando o céu... Na minha pequenez, nunca aceitei bem o fato de ter a minha asa quebrada e mesmo assim, ignorando esse detalhe, sempre tentei voar... Até que um dia, eu cansei. Entendi-me imperfeita, com uma deficiência: a asa quebrada...
Definiria minha vida como sendo um salto suicida em busca de um sonho... Na beira do abismo, me lancei por diversas vezes com a vã esperança de sentir o vento batendo no meu rosto, de poder olhar pra baixo e me sentir grande, de me sentir livre... Ah, a minha vida! Uma constante queda livre... O maior problema é que, de tanta ânsia e inúmeras tentativas de voar, acabei desaprendendo a caminhar e de que o chão era, sem sombra de dúvidas, o lugar mais seguro a se ficar...
Aprendi da pior maneira que nem todos os sonhos são feitos para sonhar e que nem tudo, por mais intensa que seja sua alma, se pode realizar... Tudo que agora me resta é olhar pela janela e esperar... Acostumar-me apenas com o fato de ter que reaprender a caminhar, passo-a-passo... Como pude me esquecer? O chão sempre foi mais seguro...
Ainda olho para o céu, todos os dias... Vejo aquelas nuvens todas, imagino desenhos, imagino que elas sejam feitas de algodão doce... Imagino-me passeando por entre elas, imagino e sinto o vento acariciando o meu rosto e bagunçando meus cabelos... Imagino e continuo imaginando... Talvez por toda a vida...
Às vezes, enquanto olho o céu, vejo outras aves voando e me percebo pensando: “Ah, como eu queria estar lá... voando... voando com eles... Qual será o segredo? Como será que eles fazem? Como conseguem voar tão lindamente?”... Então percebo que eles têm a asa perfeita... Não são como eu, que tenho a asa quebrada...
Minha asa quebrou quando meu coração foi estilhaçado por um amor... Coitado! Foi despetalado assim como uma flor, uma margarida na brincadeira de “bem-me-quer, mal-me-quer”... Todo meu coração se desfez tal qual dente-de-leão ao vento... Havia me esquecido dele, do meu coração...
Na anatomia, o coração nada tem a ver com a asa, pois, na realidade, elas nem entram na anatomia... Mas o que a anatomia entende de corações partidos e de asas quebradas? Enfim, todos sabem que o coração é o que guia a asa, estão direta e intrinsecamente ligados; se o coração não está bem, a asa não funciona isso é fato! Todo mundo sabe disso! A anatomia nada sabe sobre isso... Mas o coração tem seus caprichos e nem sempre faz questão de abrir mão de seus gostos... Nem sempre ele entende o quanto é importante voar... Ele só sabe bater e apanhar... Durante algum tempo, (um bom tempo!), o meu só soube apanhar... Também pudera! Só soube se entregar a quem não sabia cuidar de asa... Nem todo mundo sabe cuidar de um coração! Algumas pessoas não entendem que quando se diz: “eu te amo!” de verdade, sinceramente, além do coração apaixonado, ganham também a outra asa que lhe falta... É porque todos temos apenas uma asa e quando encontramos o amor, a outra pessoa, que também tem só uma asa, completa nossa alma e quando se abraçam se tornam pássaros e conseguem voar! Para algumas pessoas, quando entregamos nosso coração, nos abnegamos do sonho de voar... Quando estamos com esse outro alguém, esquecemos-nos dessa vontade de voar... Mas daí não é amor de verdade... Amor é dar asas para voar...
Quando olho minha asa, a vejo toda partida, dilacerada, toda maltratada, ela reflete o estado do meu coração... Tenho que cuidar dessa asa, mas eu não alcanço... Eu não sei cuidar sozinha... E acho que não tem mais como remendar... Esse é o grande “x” da questão: nunca conseguimos consertar nossa própria asa, porque não a alcançamos... Sempre precisamos de outro para isso... Outro coração que seja capaz de cuidar dia-após-dia até que a asa esteja boa, e daí, saber como te abraçar te aninhar junto ao peito e te abrigar direitinho no coração para que possam, assim, voar...
Tem pessoas que pensam que o antídoto é outro amor, como no ditado que diz: “dor de amor com outro amor se cura!” Mas não é isso! O antídoto é saber superar mágoas, saber curar a ferida da asa amada... Mas se vier outro amor? Nem sempre estamos preparados para isso! Particularmente, no meu caso, essa asa de que eu cuido levou todo meu amor, empreguei todo remédio na asa dele... Não é como algumas coisas na vida, que quanto mais se pratica, mais se aprende... É diferente... A gente acaba se tornando amargo, triste toda vez que a asa que cuidou com tanto zelo, com tanto carinho, com tanto amor não sabe cuidar da sua asa, não sabe cuidar do seu amor... Aos poucos, vai acabando seu remédio, o amor, e você acaba desesperançoso, desacreditado e desaprende como amar, desaprende a como consertar asas... Acaba por se acostumar a ter uma asa só, uma asa quebrada... Daí acostuma-se a andar de novo... Todo mundo tem que aprender a andar, é importante, mas andar se faz sozinho... Voar se faz a dois e é mais legal! As pessoas não escolhem caminhar, geralmente é quando elas cansaram de tentar voar e de se machucar... Nem sempre a outra asa encaixa perfeitamente... Mas sempre cativa nossos corações, acabam por levar muito dele e deixar de si, em lembranças, dores, lágrimas, sofrimentos... E é assim, toda vez que um coração leva sua asa pra longe de nós... Aos poucos levam a alegria, o antídoto, a esperança, a vontade de voar... É quando paramos de olhar pra cima, porque o coração está tão machucado que você tem que andar encurvado, olhando para o chão, para proteger o coração, trancafiá-lo... É... Assim fica mais fácil, nessa posição é como se o coração não existisse e, portanto, não dói mais...
É quase um pedido de socorro...
Tem mais aves no céu voando hoje... Talvez por ser final de semana. Eles gostam muito de voar no final de semana... O céu tá bonito! Tudo parece tão calmo! Talvez pela harmonia que deixa tudo tão agradável aos olhos...
E se eu tentasse mais uma vez? Só mais uma vez? Será que eu consigo? Se eu ao menos tivesse como consertar minha asa...
Acho que uma palavra que me define é a perseverança! É tamanha que é quase uma teimosia, beirando a estupidez, confesso...
Estou com saudades da minha asa... Não essa que tá quebrada... A outra... A que tem meu coração... Ah! Como ela ficou linda! Como encaixou perfeitamente com a minha... Pensei que ia dar tudo certo, mas não... O coração da minha outra asa estava muito pesado e por isso não conseguimos voar... Mas sempre tivemos esperança... Formamos um pássaro lindo, capaz de grandes vôos... Mas... Ele tem outra asa... Mas não é uma asa bonita, é atrofiada, feia, velha... Não formam um pássaro bonito, em minha opinião... Na opinião de muita gente, na verdade... Pássaros ou não, todos concordamos... Por conta dessa outra asa, ele também não pode voar... Essa outra asa, por conta dessa atrofia, aprendeu a manipular corações... Ela sabe comandar o coração da minha asa... Quando um coração não sabe por onde caminhar, o que escolher, qualquer cérebro pode, muito bem, enganá-lo e fazer acreditar que é amor o que é apenas conveniência... Amor... Mas te digo não, não é amor, meu querido! Amor é sentimento tão lindo e grande que não cabe dois em um coração... O coração fica pesado e por isso não consegue voar... Quando o coração é pesado, pode-se apenas dar alguns pulinhos e talvez, para os mais desavisados, alguns falhos rasantes... Quando o amor não é verdadeiro, leve, tranqüilo, cuidadoso também não se consegue voar... O coração tem que se sentir livre com o outro para poder voar... Assim como os passarinhos: quando eles nascem, que ainda são filhotes, tem que deixar no ninho, quentinho, cuidar, alimentar, proteger, cativar para que cresçam saudáveis, para que as asas se desenvolvam belas e viçosas... Quando ficam maduros, deve-se abrir a gaiola, para que faça seu primeiro vôo... Ele vai sair desajeitadamente do ninho, caminhar com passos indecisos até atravessar a gaiola e ficar na pontinha, bem na pontinha... Como todo mundo, vai olhar pra baixo, para ter uma idéia do risco que corre... Nesse momento, o cuidador tem que estar seguro e confiante, demonstrar que tudo vai dar certo, porque ele está ali, para apoiar, ajudar e se necessário, levantar do chão e cuidar... Tem que mostrar que ele acredita... Depois de olhar para o chão, ele vai olhar diretamente nos olhos do cuidador, como se pedisse segurança, apoio... O cuidador lhe sorri e ele sabe o que tem que fazer, é o instinto... Todos nascem com as instruções de como voar... Então ele abre as asas, olha embevecido suas penas, e salta... Pode ser que caia algumas vezes, mas o cuidador está ali, para ajudá-lo... Mas depois, ele faz seu primeiro vôo... E vai voando cada vez mais longe, olhando de cima as paisagens, vendo a vida por outro ângulo... Lá de cima, tudo deve ser mais bonito... E ele voa, por tudo que é parte... Aprende coisas novas, novas descobertas sobre si... E ele vai voar longe... Ao cuidador, que observa orgulhoso, resta a confiança do seu trabalho e a certeza de que, não importa quão longe seu pássaro pode ir, a saudade fará com que ele sempre volte... Ele vai sempre voar livremente, mas sempre vai saber onde voltar... É como o ponto de referência, um lar... Assim é o amor verdadeiro, ele não aprisiona, ele liberta... Com a certeza de que seu amor vai saber voltar... Amor é um pássaro... Precisa de tudo isso que falei aí...
Eu tenho certeza de que minha asa vai voltar... Eu sei o que eu cultivei... E juntos, abraçados e felizes vamos finalmente voar!
Vamos voar juntos pelo mundo... Faremos descobertas juntos, conheceremos outros lugares, outras paisagens, outros sabores, outros ventos... Vamos conquistar o mundo! Vamos ter outro mundo, um mundo que construiremos para nós!
Voar com o vento... Voar com o meu amor... Vou saber cuidar direitinho... Planejar tudo e cuidar de todos os detalhes... Tenho tudo pronto na minha cabeça...
Mas...
A realidade é que ainda estou sentada frente a minha janela, olhando o céu, vendo os outros pássaros voarem...
O que ainda me resta são lembranças e planos, saudades e recordações, uma lágrima e uma asa quebrada...