A estória de Rest e Ever

Essa estória se passa numa pequena vila do Himalaia conhecida como Cotrid. Esta vila era muito afastada de outras, rodeada de montanhas, o que protegia os moradores de maiores predadores e povos inimigos. Muitos forasteiros vinham de fora conhecer. Muitos eram atraídos por uma das lendas locais e arriscavam suas vidas para escalar a montanha mais alta, conhecida como “Monte dos desejos”, diz a lenda que quem gritar um desejo do seu cume, terá ele realizado, pois está mais próximo do ouvido do criador e assim Ele pode ouvir melhor. Esta lenda é contada de geração em geração e todos em Cotrid conhecem.

Nesta vila haviam dois amigos de infância inseparáveis: o garoto Rest e a linda garota Ever. Eles eram amigos desde quando nasceram, os pais dos dois eram grandes amigos, companheiros de caça. As duas crianças andavam sempre juntas, aprontavam juntas e muitas vezes também eram castigadas juntas.

Os dois cresceram e viraram dois adolescentes... Ever virou uma linda morena de olhos verdes, lábios carnudos e corpo de belas curvas. Rest não era feio, porém sofria dos problemas da adolescência, cresceu muito depressa, e tinha problemas com espinhas. Mesmo assim nunca se separavam. Rest era muito tímido e por esse motivo estava sempre sozinho, não tinha muito jeito com as garotas, já Ever, sempre muito cobiçada pelos rapazes da vila e também pelos forasteiros que vinham conhecer as montanhas próximas, sempre tinha algum namorico. Ever não sabia é que Rest a amava desde a infância e nunca teve coragem de dizer, com medo de estragar a amizade deles.

Certo dia Ever brigou com seu namorado que a havia traído. A garota estava muito triste, andava de cabeça baixa, chutando pedras, chorava muito. Rest foi até ela, sabia que a amiga precisava dele, lhe deu um abraço e ofereceu o ombro pra ela chorar, os dois ficaram ali sentados um bom tempo, abraçados. O único som que se ouvia era o vento passando entre as montanhas. Não precisava dizer nada sabia que nesta hora o silêncio é a melhor palavra.

- Rest, – foi Ever quem quebrou o silêncio – obrigado por estar sempre aqui quando eu preciso.

Um sussurro saído dos lábios da garota que aos poucos parava de chorar com sua cabeça pousada sobre o peito forte do rapaz.

Rest olhou para baixo e seus olhos encontraram com os da garota, olhos verdes rodeados por um vermelho cheio de lágrimas,

Ela esboçou um sorriso.

- É engraçado, mas sempre que olho nos seus olhos sinto como se você quisesse me dizer algo. – De alguma forma ela sabia que ele precisava dizer algo e não sabia como.

Ele meio sem jeito respondeu:

- Porque você diz isso?

Desta vez a garota ficou séria.

- Minha mãe sempre disse que os olhos dizem o que os lábios não conseguem, nunca consegui entender isso direito, mas quando olho nos teus olhos vejo que algo está escondido neles. Não é algo ruim, mas é algo que não consegue sair. E entendo o que minha mãe quer dizer.

Foi quando Rest reuniu toda a coragem que existia em seu peito olhou nos olhos intimidadores da garota e deixou que o coração usasse os lábios para dizer aquilo que aprisionava por anos alfinetando por dentro, destruindo sua alma.

- Ever, faz muito tempo que quero te dizer isso, mas nunca tive coragem antes.

- Falando assim você me assusta – exclamou a garota.

- Por favor, não interrompa isso é muito mais difícil do que eu pensava. – Suplicou o rapaz.

- Ever, o que eu guardo aqui dentro – ele pôs a mão sobre o peito – por todos estes anos e nunca consegui dizer antes é que... – seu olhar se modificou parecia que um grande peso saia de dentro deles, um leve brilho surgiu em sua íris – eu te amo.

Por um momento, que para ele pareceu uma eternidade, o mundo parou. O vento parou de soprar entre as montanhas, o longo cabelo escuro de Ever parou de balançar, a lágrima que caía do olho da garota parou de escorrer pelo seu rosto bem delineado. A fumaça que saía da chaminé das casas parou de se mover. Os lobos ao longe pararam de uivar. O silêncio imperava.

Ever viu o brilho nos olhos de Rest, viu o peso que saia de dentro do rapaz, porém não acreditava no que ouvia como pode depois de tantos anos o garoto, que era como um irmão para ela, declarar que a amava.

- Rest, eu vejo a sinceridade em seus olhos e não poderia escolher outro rapaz melhor...

- Mas... – o rapaz interrompeu, sabia que existia um “mas” na resposta de sua amada.

-..., mas nós somos como irmãos. Amo você como se fosse um irmão, o irmão mais velho que eu nunca tive.

O que a garota não sabia é que tentando não machucar o coração do amigo disse as palavras que mais machucam um enamorado: “como um irmão”.

O rapaz levantou-se e saiu correndo sem rumo em direção as montanhas. Ever não podia fazer nada, a não ser gritar.

- Rest, Rest volte, por favor. Vamos conversar.

Mas o garoto já estava longe e não podia ouvir os gritos da amiga. Rest correu sem direção até que não agüentava mais suas pernas doendo e sua garganta ardendo de sede. Quando deu por si estava ao pé do “Monte dos desejos”. Foi quando teve a idéia que acabou por mudar a vida de todos naquele vilarejo.

Quando chegou em casa, Rest, foi para o quarto e chorou muito até que dormiu sobre suas lágrimas, durante o sono sonhou que chegava ao topo do “Monte dos desejos” e conversava com o criador.

- Meu filho, você foi muito corajoso em chegar até aqui. Por que você se arriscou tanto? – o criador perguntava em uma voz macia e apaziguadora.

- Senhor, é por causa da Ever eu a amo e gostaria que ela me amasse. Por isso vim aqui próximo ao senhor para lhe pedir o amor de minha amada Ever.

- Você acha que vale a pena tudo isso? Você poderia ter morrido antes de chegar aqui, estamos na época das avalanches.

No sonho Rest fechou os olhos e imaginou os olhos de sua linda Ever. Abriu novamente os olhos e disse ao criador.

- Vale qualquer coisa.

Antes de o sol nascer Rest saiu de casa sem dizer pra ninguém o que faria. Levava apenas uma pequena bolsa com frutas, um pouco de carne e algumas peles para se abrigar do frio durante a noite. Foi em direção a montanha. Foi visto apenas por um caçador que acampava ao pé do monte.

A primeira parte do caminho não foi tão difícil conhecia algumas trilhas que ajudavam na subida, o tempo todo pensava em quando voltasse e encontrasse com Ever novamente. Durante a noite fez uma pequena cabana e uma fogueira para se abrigar do frio.

Enquanto isso em Cotrid a mãe do rapaz não o encontrava e começou a procurar desesperada pelo filho em todos os lugares possíveis. Foi à casa de Ever falar com a garota, pois os dois estavam sempre juntos, ela deveria saber de algo. Ever estava muito triste, pior do que no dia anterior apavorou-se que Rest ainda não havia voltado e contou à mãe do rapaz o que acontecera na tarde passada.

Na manhã seguinte Rest acordou comeu um pedaço de carne algumas frutas e continuou sua escalada, estava chegando a uma das partes mais difíceis do caminho, não a mais difícil, mas uma das piores. Chegou à uma grande parede de gelo, não havia solução teria que escalar. Com grande esforço foi escalando até que conseguiu vencer a parede e continuou por um caminho muito íngreme que levava a região das avalanches, não era uma parte difícil de passar, porém era a mais perigosa de todas.

Em Cotrid um grupo de busca foi organizado para procurar o rapaz. O caçador que acampava ao pé do monte ficou sabendo do rapaz perdido e disse que viu um rapaz indo escalar o monte na manhã anterior. A mãe de Rest confirmou a descrição do rapaz e o grupo preparou-se para escalar atrás do rapaz.

Ever entendeu qual era a intenção de Rest em escalar o monte e sentiu-se muito triste por ser a culpada desta feita. Abraçou a mãe do rapaz e começou a chorar. A mulher sem entender apenas afagava o cabelo da garota e dizia que tudo iria acabar bem.

Caía uma nevasca fraca quando o grupo preparava-se para continuar. A caminho do pé do monte viram algo que chocou a todos.

Rest continuava passando pela região das avalanches, uma nevasca fraca caía sobre ele. Sentia frio. Ouviu uma voz em sua mente:

- Você acha que vale a pena tudo isso?

Pegou o colar de Ever que levava consigo, olhou para ele, fechou os olhos, lembrou alguns momentos que passaram juntos, suas pernas tremiam era como se a montanha sentisse o mesmo e tremia junto. Sussurrou para o vento:

- Vale qualquer coisa.

Foram as últimas palavras pronunciadas pelo rapaz.

Na vila todos viram a avalanche que corria solta por toda parte baixa da montanha. Não havia como o rapaz ter escapado ele não teria ido muito longe com apenas um dia de escalada. Todos sabiam que a avalanche o havia alcançado.

Alguns meses se passaram.

Ever andava pelo mundo apenas por andar, sobre seus ombros a culpa da morte do amigo, não conseguia tirar esse peso da consciência e nem a culpa do coração. O tempo passava e Ever sentia cada vez mais falta do amigo, sentia que não podia viver sem ele.

Na véspera do aniversário da tragédia Ever estava em casa deitada sobre algumas peles pensando em tudo que passaram juntos, achou no fundo de uma caixa o colar que Rest havia lhe dado de presente, lembrava o que aconteceu naquele dia.

Os dois eram muito jovens ainda. Brincavam próximo as montanhas quando acharam a ossada de algum animal morto. Ela ficou com nojo e disse que era algo muito horrível. Resolveram voltar para casa. No outro dia Rest a surpreendeu com um lindo colar de ossos e disse uma frase que ela nunca mais esqueceria: “até a coisa mais horrível se for cuidada com muito amor e carinho, se torna um lindo tesouro”.

Chorou muito lembrando isso e começou a pensar como seria se Rest e ela tivessem ficado juntos. Pensou no futuro viu os dois morando juntos com um casal de filhos. Desejou aquilo pra ela. Notou que amava Rest e não sabia. Queria ele de volta queria consertar aquilo. Ele não podia estar morto, estava errado.

Decidiu que cumpriria a missão de seu amor, escalaria a montanha para do alto pedir ao criador que nada daquilo tivesse acontecido, que queria seu verdadeiro amor de volta.

Naquela noite Ever teve um sonho parecido com o que Rest teve um ano antes. Estava sentada no topo do monte e conversava com o criador.

- O que uma garota tão frágil como você quer num lugar como esse Ever? – a voz do criador acalmava o seu coração fragilizado.

- Como você sabe meu nome? – espantou-se a garota.

- Eu sei tudo Ever.

- Então o senhor sabe que não sou tão frágil.

- Sim eu sei. E sei também o que você quer aqui.

A garota acordou antes do astro amarelo e partiu em direção à montanha, deixando para trás um bilhete para seus pais contando tudo o que aconteceu.

O primeiro dia foi fácil, Rest e ela brincavam por aquelas trilhas quando crianças. A noite sentiu solidão no acampamento improvisado. Adormeceu.

Sonhou com Rest.

- Ever, por favor, volte é muito perigoso.

- Não posso voltar Rest, eu te amo e quero você do meu lado.

- Ever olha o que aconteceu comigo, você deve voltar.

- Eu não vou voltar, prefiro morrer congelada do que viver sem você.

- Volte. Volte. Volte...

Ela acordou. Levantou acampamento comeu algumas frutas e continuou. Chegava a região das avalanches quando viu algo brilhando no chão. Abaixou-se e pegou o colar que havia dado de presente a Rest depois do dia que ele lhe deu o colar de ossos. Era um colar de pedras que ela havia catado próximo ao grande rio. Agarrava os dois colares na mesma mão, se não podia ficar junto com seu amor pelo menos os colares dos dois estariam juntos. Fechou os olhos e rezou.

Na vila uma equipe de buscas organizadas pelo pai de Ever e pelo pai de Rest partia em direção ao morro. No ano passado os dois estavam caçando e não puderam partir em busca do rapaz. Este ano não iam deixar que a tragédia se repetisse e iriam atrás da garota até o inferno se preciso fosse.

Uma grande avalanche escorreu por toda a grande montanha e os olhos encheram-se de lágrimas. As mães dos dois adolescentes abraçavam-se e choravam. Os dois pais seguiram andando em direção da montanha. Os outros aldeões tentaram impedi-los.

- Aonde vocês vão? Estão loucos? Não viram a avalanche?

- Sim nós vimos a avalanche. – disse o pai de Rest – Mas nós vamos buscar nossos filhos nem que seja na casa de Hades.

Algum tempo depois os dois caçadores chegaram à região das avalanches. Encontraram o corpo dos dois jovens quase próximos um do outro. Era incrível como depois de um ano o corpo de Rest estava tão conservado. Era a magia da montanha.

Os dois adolescentes foram enterrados juntos ao pé da montanha. E todos naquela região e regiões vizinhas conhecem sua triste história.

Até hoje muitos forasteiros ainda vão escalar a montanha, mas a maioria não conhece sua lenda. Nem a origem de seu nome.

E os aldeões mais antigos acreditam que os dois amantes ainda vivem juntos na montanha que em homenagem aos dois recebeu seu nome Everest