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                                                              A FRUTA PROIBIDA


Ela fazia de propósito. Sentava-se sempre numa das carteiras da frente. A saia curta, insuficiente, deixava à mostra o triângulo da calcinha, às vezes branca, ou azul, ou vermelha, ou preta, até de bolinhas coloridas, entre as coxas. Mostrou-me quase toda a sua coleção. O meu olhar passeava lento, massageando as pernas daquela aluna. Eu me perdia. Divagava por segundos. A classe se entreolhava e me acordava do “branco” que me tomava. - Professor! E daí...!? - Daí...? Daí...? Ah!... Bem! Daí é que... Não me livrei da indiscrição de um aluno me interpelando, no w.c., se eu andava amnésico. Passei a usar óculos escuros, para me esconder da vigilância dos meus discípulos. Justifiquei. A luz do dia dava muita luminosidade ao ambiente. A sala sempre estava cheia. Quase ninguém faltava, pra minha satisfação. Havia interesse da turma pela matéria que eu lecionava: História Contemporânea. E, por incrível que pareça, Ariana se incluía entre os bons alunos. No intervalo das aulas, na sala dos professores, os colegas me achariam ridículo se pudessem ler o meu pensamento, a minha fixação, não só nas pernas torneadas, como no corpo inteiro da loura Ariana. Não sei por quê o nome? Mas, que era original, era sim, como mostravam os seus longos cabelos, não oxigenados, e o corpo isento de silicone. Parecia uma alemãzinha. Tinha Friedrich no sobrenome. Conferi na listagem dos alunos. Depois me revelou que descendia de alemães. Os avós paternos se fixaram em Pomerode*, logo que chegaram ao Brasil em 1940. Fugiram, por certo, das perseguições nazistas. Deviam ser judeus. Não procurei saber. Ela desconhecia a política antissemita de Hitler, sem dúvida. E eu não chegaria à irreverência de esclarecer; de falar dos campos de concentração; da eliminação de milhões de ciganos, homossexuais e judeus, tendo quase certeza da sua origem. Seu pai, moço ainda, preferiu viver em Blumenau. Batalhou como garçom e terminou casando com a filha da dona do restaurante em que trabalhava. - Dizem que eu sou a cara da minha mãe. Só sei que ela ainda é muita bonita. Você acredita que, quando ela era assim da minha idade, participou algumas vezes dos desfiles da Oktoberfest? Acreditei. Ariana, para isso, era tímida. Revelou-me. E também que os avós maternos tinham sangue germânico. Parecia-me adulta em tudo, menos nas atitudes e na maneira de se sentar na carteira. Aquilo mexia comigo. Afinal, não sou gay, pô! Estou vivinho da silva! E, como falam por aí, a fruta proibida é mais saborosa. Os seus olhos verdes me fitavam como um desafio. Era um chamamento. Julguei-me assediado. E vaidoso, confesso, preterindo tantos garotões boa-pinta, dali do colégio, e mesmo da sala de aula. Mas, eu não podia ceder um palmo. A minha conduta tinha que ser de bom moço, do gentleman comedido, do educador exemplar. O meu nome não podia ficar em jogo, na mão da molecada, daqueles irreverentes ginasianos. E se a direção do colégio tomasse conhecimento? Pelo amor de Deus! Eu ia pro bé-lé-léo, sem dó e piedade. Adeus contrato. O emprego ia pras cucuias, detonava, ia pelos ares. E logo quando, com aquela política filha da puta, estávamos amargando, só Deus sabe como, de dificuldades em todas as áreas de atividades profissionais, seria uma “gelada”. E o meu “eleitorado” em casa: minha mulher e minha filha? O assédio não partia de mim. Eu estava na minha. Quieto. A iniciativa partia da adolescente, daquela menina com idade de ser minha filha, e que, há bem pouco, devia ter comemorado os seus quinze anos, dançando com o orgulhoso pai a valsa das debutantes. Mas, eu podia cair num ardil. Se fosse agora, podia ser envolvido em crime de assédio sexual, já aprovado no Congresso. Seria até um estuprador involuntário, quem sabe? Era a palavra dela, de uma jovem indefesa contra a de um sujeito maduro, bastante vivido. Eu perderia, com certeza. O diabo, dizem, aparece em figura de gente. E aquele “diabinho” estava ali, na minha frente, me tentando todos os dias. Talvez, nem fosse a sua intenção. Não seriam os incitamentos naturais da adolescência? Quem sabe? E eu imaginando barbaridades... Já estávamos quase no meio do ano letivo. As provocações não paravam. Rasguei vários recadinhos presos em paleta do limpador do para-brisa do meu carro. A nenhum dei resposta. No começo, só pedia carona. Depois foi mais longe. “... Será que você é impotente? Foi operado de próstata?“... “ Por quê não me leva a um motel? Eu dou um jeito. Decida-se...” E outras meninices. As minhas supostas “barbaridades” evidenciavam-se. Não vi outra alternativa, senão entender-me com a direção do colégio e mudar-me para o turno da noite. Livrei-me em parte. Ela transferiu-se para o curso noturno. Mas não encontrou vaga na minha sala, pra meu sossego. O que se passava comigo já era motivo de interrogações da minha mulher. As nossas transas, antes fervorosas, estavam sem graça, da minha parte, claro. Uma ou mais noites cheguei a broxar. As lágrimas de Andréa me tocaram. Eu a amava. E adulterava em pensamento. Desejava morder a fruta proibida de um “paraíso” que me levaria a consequências desastrosas... Era como aquela história da Bíblia. Adão não se conteve diante do corpo escultural de Eva. A primeira mulher, imagino, teria que ser mesmo dotada de predicados físicos excepcionais para atrair, assim, o homem. Ariana era também tentadora, e deve ser ainda, nos seus vinte e poucos anos, agora. E o diabo, metamorfoseado, forneceu todo veneno, o cio necessário que inebriou o primeiro homem. Ariana, como a serpente, também me seduzia; aguçava-me o instinto de macho. Era uma pestinha fogosa, que via em mim, sei lá! Talvez, um cara vivido, responsável, diferente dos pirralhos coleguinhas, que, na sua linguagem, só queriam “ficar”. Pensava que se completaria comigo nos seus anseios. - O que é “ficar”, na linguagem de vocês? Eu quis saber. Ela me explicou uma noite, quando me surpreendeu no pátio do estacionamento do colégio, sentando-se ao meu lado, no banco do passageiro do meu carro. Havia duas maneiras de ficar. Pra uns, era um namorinho despretensioso, de pouca monta, sem futuro, de poucos dias, ou até mesmo de uma noite, quando podiam “rolar” certas intimidades, que culminariam numa “transa”. Isso, geralmente, acontecia no automóvel. Não havia grana para pagar motel. Com camisinhas, pelo menos, se preveniam de doenças e gravidez. Desses preservativos ninguém se descuidava, nem as garotas. Deu-me conhecimento. - Já estou cheia dessa história de ficar, sabe Adriano? Esses namoradinhos babacas, que eu arranjo, só querem comer pipoca no cinema, ou hambúrguer com milkshake no Mc Donald´s. Deu uma parada. Suspirou fundo, olhando-me nos olhos e balançando a cabeça, como se lastimando, e continuou. - Não sabem fazer outra coisa, a não ser uns beijinhos bestas, aguados, uns abraços sem graça, e ponto. Eles gostam mesmo é de encher a barriga de bagulho. - Eu, hein! Rejeitava Ariana, que procurava manter as suas formas evitando massas e fazendo musculação. Falou-me. - No meu tempo de adolescente não havia isso; essa coisa de ficar. É um modo de namorar muito estranho. Concluí. Não lhe faltavam “cantadas” na rua e, principalmente, nos shoppings, que eram a sua “praia”, disse. Mas não se deixava levar. - Muitas das minhas colegas, e amigas mesmo, já deixaram de ser “moças” há muito tempo, sabe? Deixar de ser “moça” é.... - Eu sei! Não precisa explicar. Interrompi. Achei estranha a expressão, usada ainda, ser moça ou não ser moça. Pensei que não se falasse mais nisso, com a liberdade sexual que existe hoje entre os jovens. - E... por quê você ainda é... “moça” ? Fiquei curioso. Ela não titubeou. - Simplesmente porque não encontrei um cara legal que eu gostasse de verdade; um cara adulto, experiente, responsável assim como você, sabe? Encarou-me, quase sem pestanejar. Queria uma resposta. Senti no brilho dos seus olhos verdes. Calei-me por uns segundos, fitando, não só os seus olhos, mas tudo que compunha o seu rosto, que acariciei com as duas mãos. - É... Você vai encontrar muito breve. E fiquei na minha. Era convencida dos seus predicados físicos. Quando não usava minissaia, mostrava as curvas perfeitas do corpo metido numa calça jeans esticadíssima, que eu não sabia como conseguia vesti-la, de tão justa. Os seios pequenos e duros, sem proteção de sutiã, por trás da blusa de tecido muito fino, revelavam uma perfeição. Acho que somente Eva tivesse dotes mais perfeitos. - Boa noite, Ariana! Forcei a barra para que deixasse o automóvel. Mas não fez menção de sair. De blusa de tom cinza e calça escura, justíssima também, que lhe propiciava mais mobilidade nas pernas do que com a minissaia, ajeitou-se no banco, livre já dos sapatos, de exagerados saltos altos e do casaco preto de couro, e procurou olhar-me de frente, olho no olho. Agarrou com a mão direita o meu braço esquerdo que se apoiava no volante. Era quase um abraço. - Só este insosso “boa noite”, Adriano? Interrogou-me com um discreto e suplicante sorriso, como me convidando a tê-la nos meus braços. Aquela noite de maio estava bem fria. E eu não sou de ferro. E quem seria? Pus de lado os conceitos e preconceitos e apertei-a forte nos braços, e senti seus lábios rubros contra os meus, num beijo prolongado, como de despedida. Afastei para trás o encosto do meu banco e procurei trazê-la para mais junto de mim, aquecendo-nos mutuamente. Enquanto nos beijávamos com sofreguidão, minha mão, levemente, escorregava pelo espaço entre dois botões de sua blusa em busca dos seus seios. Ela ofegava descompassadamente, apertando-me o pescoço com a mão direita, cravando as unhas na minha pele. Enquanto eu dedilhava os mamilos enrijecidos, implorou que a fizesse mulher ali mesmo. Era um dos seus desejos perder a virgindade dentro de um automóvel, sussurrou no meu ouvido. Não acreditei. Num esforço sobre-humano, contive-me e afastei-a bruscamente. Lembrei-me, naquele momento, de Letícia, minha filha. - Não, Ariana! Não! Não posso! Não devo! Largou-se abruptamente dos meus braços. Desceu do carro apressada. E sumiu naquela noite fria. Até hoje. Logo depois, mudei-me para Florianópolis. Nunca mais esqueci a sua revolta: - Seu bicha! Seu veado! Seu fresco! Seu filho da p...! Não completou.

(*) Pomerode (SC), onde é grande a concentração de imigrantes alemães.



 
Pablo Calvo
Enviado por Pablo Calvo em 03/07/2012
Código do texto: T3758810
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