Spectare- um conto de paixão
Na plateia do auditório ela olhou para trás e seus olhos se encontraram com mais dois, como que se por acaso tivessem se percebido ao mesmo tempo. Ele sorriu com os olhos e ela reservou o súbito desejo.
Era um olhar capaz de fazer com que ela se afundasse; impressionantemente atrativos e irresistivelmente prejudiciais. Eram aveludados, sem fundo, dois buracos negros que a tragaram por três segundos. Voltou sem pressa a atenção para frente do palco, mas o espetáculo não mais interessava. Pensou, ou melhor, sentiu que suas vontades começavam a comichar dentro do peito, o que a não deixou ficar parada. Olhou mais uma vez, sem discrição, para as seis fileiras que os distanciavam, voltou-se para o palco, inquieta, suspirou e saiu. Como se as roupas a sufocassem, foi se desfazendo de peça por peça. Cachecol, luvas e casaco faziam uma trilha pelo estacionamento onde havia ido parar. Não tinha chaves de carro nem o que fazer ali. Estava escuro, com apenas alguns pontos de luz nos pilares, mas não parou para pensar aonde iria. Viu ao longe uma luz azul e seguiu em direção a ela. Era uma porta de um quarto de serviços e lá dentro havia um banheiro com azulejos azuis e uma luz branca muito fraca que balançava no teto. Ainda dava para ouvir a orquestra que contrastava com alguns ruídos de sua cabeça. Desceu um pequeno degrau e se percebeu em um boxe de banheiro. Havia um ralo enferrujado e um cano no teto que pingava vagarosamente. Encostou-se em um canto, em pé. Desceu o olhar para o próprio corpo, a respiração ofegante, alguns fios de cabelo colados no suor da face. Percebeu-se quase apenas com a meia calça preta. Os botões do vestido estavam abertos até a altura da cintura, seus braços abertos se apoiavam um de cada lado contra os azulejos. Foi aos poucos se apertando contra a parede. Tinha o decote amplamente exposto. Não ouviu passos, não ouviu quando a porta abrira e também não ouviu apagarem a luz. A última lembrança era dele, em frente à porta do boxe olhando-a de baixo para cima, até chegar aos olhos que sobressaíam debaixo do cabelo. Ele estava com o terno desabotoado, a gravata borboleta frouxa, os cabelos castanhos despenteados e com os olhos prontos para atacar. E atacou. Era ele, que tinha a alma no nome e o infinito no olhar.