Noite fria

Elba já estava bêbada. Bebia pouco, assim, duas taças de vinho eram suficientes para embriagá-la.

Aquela noite era especial.

Em dois anos de casamento, finalmente o marido viajava e a deixava sozinha. Provavelmente ela seria traída durante a viagem, mas já o era quando ele estava na cidade e procurava prostitutas no horário de almoço. "Uma mulher não espera fidelidade, espera discrição" dizia um adágio machista que ela ouvira na TV.

Com os meses de casados, chegaram a um acordo tácito: ele se preocuparia em ser discreto e ela não se preocuparia com as traições dele. Estava muito preocupada com seus projetos pessoais: a escola, as feiras de livros, seu primeiro livro. Tinha um vago medo de contrair uma doença do marido, mas, como todas as mulheres despedaçadas e submissas, mentia para si mesma que o marido se protegia. Não seria de espantar se em alguns anos ela descobrisse um câncer de útero, a doença mais machista e egoísta que pode haver, pois é transmitida pelo rato homem e ele mesmo não sofre com ela, a mulher é que é amputada.

Mas aquela era uma noite especial.

Elba, a mulher submissa do século XXI, a mulher culta, escritora publicada em revistas de literatura e com seu primeiro livro às vésperas do lançamento, conseguira driblar o marido. Dias antes de ele viajar, forjou uma falha no telefone doméstico e fê-lo pensar que só poderia falar com ela pelo celular até a operadora consertar a linha fixa. Assim, ele viajou e ela também. Ele não saberia que ela passaria duas noites fora. Se algum parente viesse vigiá-la, alegaria enxaqueca, era mesmo dessas que se escondiam em casa e dispensavam as visitas.

Ele foi para o Sul e ela para uma cidade próxima, nas serras goianas, onde estava ocorrendo um festival cultural de inverno.

Ali estava ela, depois de tantas traições que despedaçaram sua auto-estima e a deixaram incapaz de desejar outros homens.

Naquela noite ela se sentia especial. Viajara sozinha, parecia-lhe uma aventura de criança que resolve acampar no quintal, mas uma aventura.

Seus cabelos negros e ondulados estavam amarrados em um coque preso por uma fivela que imitava uma pequena flor natural, discreta, mas notável e de bom gosto. Vestia um vestido negro e, para aplacar o frio, vestia meia-calça e enrolava-se em um xale de lã tingida de vermelho.

Assistia a um show de dança flamenca. O espetáculo era ao ar livre e os espectadores estavam sentados em cadeiras dispostas em círculo ao redor dos dançarinos. Havia uma fogueira próxima para aquecê-los.

Veio-lhe à memória o tempo em que morava com uma tia e, sozinha nas noites frias, dormia ao som de Gipsy Kings fantasiando estar em um baile como aquele. Imaginava-se em uma festa cigana à noite e ao ar livre. Excitava-se evocando a ideia de ser seduzida por um homem másculo e gentil, que a convidaria para dançar. Ela não ia além em sua imaginação, não se permitia fantasiar além disso. Naquela época, não cogitava sobre como seria o sexo, preferia o romantismo etéreo. Trazia para si, com o máximo de realismo, a atmosfera fria do lugar aquecida pela fogueira. Imaginava o cheiro da bebida e da comida, os gritos alegres dos circunstantes.

"Djobi, djobá, cada día yo te quiero más, djobi djobi, djobi djobá..."

E ela, em sua imaginação, dançava e era feliz. Feliz como era naquela