A NOITE DE SÃO JOÃO E SEUS ENCANTOS

Através das ondulosas colinas que circundam a cidade dos sonhos, a noite de São João assume uma característica mágica de uma festa de congraçamento e encanto, trazendo ao presente causos historiados em folhetinescos cantares narrando amores surgidos ou consumados em recordações passadas. Enquanto mais interiorizadas as festas juninas, distantes das beiras de praia, maior a emoção domina a gente, as cenas de usos e costumes, episódicos cavaleiros medievais que surgem pelas sombras dos milharais, donzelas lindas, tão lindas que parecem deusas do Olimpo, sentadas em carroças rangentes carregadas por bois, o herói da noite, guapo cavaleiro que, com certeza, será o mais desejado pelas donzelas, vindo do alto sertão, misterioso e viril, abrilhantando os festejos que começam, cheios de um virginal encanto, que sempre fica gravado em nossa memória.

A boca da noite passou, agora já é noite fechada! Fechada noite junina, noite que nunca termina porque fica gravada na memória do rapaz, na memória da menina, na memória de toda a gente... Fogos, balões e forró, uma fartura danada, com o luar do sertão combinada, aquela noite diferente que une o passado e o presente, aumentando a saudade da gente. É uma noite especial, a mais brasileira de todas as noites, é uma alegria total.

As matas verdejantes, o verde da caatinga, chovera antes, rastejantes o brilho da lua cheia e o pisca pisca dos pirilampos, tudo está prateado naquele recanto de festa.

Prá lá do festivo evento, bem além das quebradas do vento, um ou outro mugido do gado que dorme, é enorme a celestial abóbada que se abre, o brilho das estrelas, os olhos se dilatam mais e mais, no doce deleite de uma aragem fresca, leve, trazendo uma musica triste e dolente, uma voz que acompanha o ritmo de uma gaita, filtrando-se dentre a verde folhagem em flor.

A quadrilha domina a praça onde reina a graça de uma animada festa. Rosinha que sempre amou Lourenço, que sempre amou outra, e mais outra e mais todas as moças, menos ela, mesmo bela a atenção do rapaz jamais se voltara para ela. Naquela noite, a graça e leveza do destino, a cumulou de beleza, Rosinha, da festa foi eleita rainha. Em meio a tantos abraços, a rapaziada em peso quis dançar com ela. Lourenço, contagiado pelo clima do momento, foi o último a cortejar Rosinha, e, pelo olhor de ambos, isso vai terminar em casamento.

Enquanto isso, em outra parte da rua, umas vozes cantantes, cheias de mocidade e frescura, gritam alto numa sonoridade tamanha:

-Viva São João, viva São Pedro! Vamos dançar um forró de lascar até a gente cansar!

E um João, dentre todos os Joãos nordestinos, jovem franco, feliz, na alegria da sua alma plena de luz, entra numa casa festiva, um licor de maracujá lhe é servido entre a algazarra dos companheiros e os entusiastas ali presentes. O dono da casa faz o som alardear um forró da pesada, o clima esquenta, é Luiz Gonzaga quem canta.

- E a cachaça, João, e a cachaça? - ecoam as vozes repetitivas.

E João bebe a cachaça para descontrair. A algazarra cresce, o forró entorpece, os vivas, as aclamações, as fogueiras acesas, os corações embrasados, a empolgação recrudesce na alma daqueles jovens, as meninas aparecem, os foguetes explodem no céu estrelado, busca-pés são soltos pelas ruas afora provocando um alvoroço extremado, a correria sem rumo, em meio a muito riso e galhofada, a troça é armada.

Mas a noite de São João é muito mais: ela cresce em encanto e enlevo.

Fogueiras crepitantes se multiplicam em chamas, livres e cantantes, em frente às casas de toda a gente, iluminando-as. Em volta às fogueiras, rapazes e moças sonhadoras, amizades são seladas, amores são firmados, compadres e comadres são criados, milho assado na brasa, promessas cumpridas são agradecidas ao santo da noite e outras tantas promessas são pedidas. Velhos de cócoras, outros tantos sentados em redor à fogueira contam às crianças da redondeza histórias e causos, lendas e assombrações, e, espreguiçando-se, esfregam as mãos, um ou outro cantarola sem pejo uma cantiga de antanho, pode ser cantiga de roda, fazendo isto, pode ser que consiga alegrar-se mais na festa, em eco repinicado, misteriosamente, a saudade amada se manifesta.

Em ruas mais afastadas são novenas que se sucedem nos lares festeiros - velhas novenas, suas cantilenas, melodiosos cantares, tradição antiga trazida de uma portuguesa civilização, perdidas no sonambulismo dos antigos povoadores deste gigante Brasil. Na sala da humilde casa, ao centro de um altar armado com caixas e caixotes, uma colcha de renda branca cobre tudo, resplandecente de velas acesas, jarras de barro cheias de flores, São João Batista, imberbe, seu rosto gordinho aparece, um ar de doce amigo, de um quadro de simples moldura, abraçado ao Cordeiro Infante, ambos olham para a gente com seus olhos pequenos e afáveis, plenos de amor nos transmitem paz fé.

E, depois da novena cantada em monótona melodia, o sanfoneiro aparece, o arrasta pé cresce, é muita dança e gingado, é xaxado e forró com força, são requebros e bamboleios quentes da raça morena do agreste. Pela noite a dentro, esperando a madrugada que vem, sarapatel e arroz, guizado de galinha, à cabidela também, canjica e pamonha, requeijão e quentão, são tantas as iguarias que deixa o freguêz sem ação.

Em meio a tanto reboliço, na cadência sem enguiço, tem tempo de tirar a sorte, qual será o destino ou norte, de quem, na água em uma bacia, refletida imagem à luz da fogueira, lhe ditará a sina? Morte ligeira ou tardia? Casamento à vista ou amargurada solidão? Se o ensejo do momento realizará o tão sonhado desejo desejado? Este é um precioso acontecimento: a bacia com água marca o momento mais interessante da noite, os que se aventuram ver a própria imagem refletida na água são dominados por um contentamento e uma felicidade incontida, um sopro de juventude fortalece a velhice e consola de esperança aos demais participantes em suas crendices.

No fim de tanta festança, satisfeita está a pança de boa comida, muita dança e contradança, em frenético galopar, o tocador mais prá lá do que prá cá, a festa termina, todo mundo volta para casa, tardios em noite insone, vem vindo o belo amanhecer, neste intervalo vê-se ainda um estrelado céu sem lua, madrugando a região, a barra do amanhecer vai chegar...

Tudo é silêncio, nenhum ruído de sanfona ou de prazer se escuta, as ruas dormem.

Apenas, distanciado de tudo, um ou outro foguete tardio se ouve, tão distante espocou que até ajuda a aprofundar o sono feliz daquela gente que dorme. Deve ser um foguete de madrugador tardio que, à todo custo quer dizer ao mundo que ele também existe, promovendo aquele brilhante estalar no ar, aumentando a saudade da gente.

Rosinha, a bela rainha, depois de tanto beijar e ser beijada, dorme feliz, sonha com Lourenço, o seu príncipe amado. São João atendeu a seu pedido. Logo, logo, ela vai com Lourenço casar...

Carlos Lira

clira
Enviado por clira em 23/06/2012
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