Uma noite em teus braços (capítulo dois)
CAPÍTULO DOIS
Do outro lado da cidade alguém despertava com uma sensação de ter vivido uma aventura no deserto de Hoggar, há muito tempo não tinha essa sensação de plenitude na alma. Adonai despertou consciente que tinha feito amor sem reservas e sem cuidados com uma total desconhecida, ele sabia que ao virar daria de topa com essa mulher e teria que encara-la, mas pensar nas emoções animou seu coração, quando girou deparou-se com o vazio, ficou incrédulo, não poderia ter imaginado a situação, ele se levantou da cama confuso, nem um rastro da criatura.
— Não acredito nisso.
Foi para a sala e nada, tudo quieto. Então retornou e ao caminhar pode perceber a essência dela no ar, sorriu, “jamais vou esquecer essa fragrância” sentou-se na beira da cama olhando o vazio, enquanto acariciava o lençol no desejo incontido de sentir seu calor, o perfume estava impregnado, ele aspirou a ponto de sentir excitado, decidiu tomar uma chuveirada quando levantou e percebeu entre os lençóis uma pequena peça branca de renda inusitada, ele sorriu e pegou aquela pequena calcinha, fechou os olhos e sentiu as emoções da noite anterior, dirigiu-se a uma gaveta onde havia uma pequena caixa, então ele guardou a pequena peça, “quem sabe um dia eu a devolvo”.
Mas isso só seria possível depois que soubesse quem era a sósia de Tin-Hinan por hora deveria se contentar em tomar um banho. Em baixo do chuveiro ele pensava no evento, “que loucura a minha, como trago uma mulher pra minha cama sem mesmo saber o nome, e por que ela foi embora sem ao menos se despedir, pra que esse mistério”. A água gelada escorria em seu corpo, mas não apagava as marcas daquela mulher. Saiu do banho decidido a procurá-la, porém o que ele encontrou parado no meio do quarto foi seu empregado, um velho tuaregue.
—Bom dia Menino Adonai.
Ele sorriu ao ouvir a voz do velho Moussa enquanto pensava no grande tempo que o velho amigo havia sido designado a tomar-lhe conta, desde a infância no deserto quando seu pai lhe confiou à segurança e a educação enquanto vivesse, o velho Moussa permanecia, mesmo com Adonai lhe dizendo que deveria descansar ou mesmo voltar para casa, o Velho Moussa permanecia dizendo que havia feito uma promessa e iria cumpri-la até o final de seus dias.
— Meu caro Moussa, bom dia.
Respondeu com um sorriso límpido no rosto, demonstrando ao velho guardião que estava relaxado e feliz.
—Suas roupas já estão prontas. Sua lista de compromissos pra hoje está bem extensa seu helicóptero já está aguardando para levá-lo a Austin.
—Ótimo. Vou querer apenas café preto.
—Já estará sendo servido. Vou pegar seu computador portátil. Enquanto ele falava Adonai se dirigiu para o interior do quarto olhou em direção à cama e pensou nos momento que viveu com aquela quase desconhecida. “Como seria acordar ao lado dela? Pensou” e arrumando sua camisa no interior da calça lembrou-se do quanto selvagem foi ao ser descamisado por ela, e do quanto foi sexy ao debruçar sobre aquele corpo colado ao seu.
Dirigiu-se ao corredor em direção ao salão de jantar onde uma imensa mesa estava posta, com todas as iguarias para agradar ao paladar, porém depois de ter experimentado aquela boca nenhuma iguaria seria tão boa quanto ela. Contornou a mesa e pegou apenas a xícara de café e dirigiu-se para a janela olhou a imensidão daquele céu, era de um azul profundo, os raios do sol surgiam em tom alaranjado no horizonte, ainda estava pensando nisso quando o velho Moussa pigarreou a suas costas, ele se virou e olhou para o velho amigo.
—Diga velho Moussa, o que você quer.
—Menino Adonai parece descansado. Vejo que está com um brilho diferente no olhar.
Adonai sorriu e olhou para o velho e pensou no quanto ele estava curioso.
—Velho Moussa, não me diga que está ficando mexeriqueiro?
—Claro que não senhor. Estou apenas fazendo uma observação. O senhor nunca trás ninguém para fazer visitas.
—Sim. Entendo muito bem o que você quer me dizer. Mas vá se acostumando, acho que vou trazer essa visita mais vezes.
O velho sorriu de volta para o patrão e prosseguiu na sua formalidade.
—Já fiz contato com heliporto. Gostaria de lhe informar que o mercado ainda se encontra nervoso. O senhor precisa estar atento com os concorrentes chineses.
—É. Estive olhando os índices. Quantos aos concorrentes, digamos que às vezes, é necessário colocar pequenos tubarões dentro de um aquário, para deixar os cações mais vivos na hora de pescá-los. Então velho Moussa, não fique preocupado estou atento aos meus concorrentes.
—Acredito que o senhor volte hoje?
—Gostaria muito, mas creio que não será possível, devo viajar para o Brasil, há um lote de pedras oriundas de Minas gerais que estou realmente interessado em possuir.
—Sim. Ouvi dizer que o Brasil tem gemas maravilhosas. Mas quero lembrá-lo do festival, precisamos nos aportar com antecedência no deserto para a organização.
—Não me esqueci, porém este ano não vou participar. Você será meu substituto. Estou muito preocupado com os conflitos que há em torno de toda a região, acho que este ano o festival precisa ser fechado para os turistas, do jeito que a coisa tá, todos nós corremos perigo. Mais um detalhe, refleti muito sobre a reunião do arrollan , não vou aceitar ser o novo líder. O velho tuaregue ouviu em silêncio, sentiu um pesar muito grande.
—Senhor, o que fez desistir de ser o mais novo Amenokal?
—Minha vida; meus valores; estou abdicando, por que sinto que já não faço parte daquela vida nômade, pôr que sei que ao aceitar tamanha honra terei que definitivamente cortar meus laços com o ocidente, coisa que não desejo, por que tenho Leila que vive aqui, minha única parenta viva, apesar de ter muito respeito pelo o povo de meus ancestrais, não vou correr risco de ser assassinado em qualquer duna de Hoggar. Vou continuar ajudando a todos, mas é só isso. Há muito tempo deixei de viver a vida como um Tuaregue, nem meu pai ficou por lá muito tempo, ele saiu e procurou meios de vencer toda aquela miséria.
—Se o Senhor Karin estivesse por aqui suas decisões seriam diferentes.
—Talvez você tenha razão. Mas ele já não está conosco, e eu sou dono das minhas decisões, como a que vou resolver dentro de alguns dias, uma com o cheiro bem agradável e de voz sedutora e incrivelmente quente.
Deu um sorrisinho e o velho Moussa percebeu que a tal pendência deveria ser a mulher que esteve com ele ali no apartamento.
Adonai se dirigiu para o elevador e olhando para o velho amigo lhe perguntou:
—Você sabe me dizer por que houve interrupção da energia esta noite? Os geradores não acionaram automaticamente como de costume.
—Vou verificar o que houve.
—Faça-o. E fechou a porta do elevador, ao invés de ir para a garagem onde seus homens já estavam lhe aguardando, desceu no saguão e caminhou a passos rápidos encontrando com o recepcionista que levou um susto no meio do corredor com paredes de vidro.
—Senhor Adonai, o senhor por aqui?
—Sim. Por que a surpresa? Perguntou com ar sério, mas sem ser rude.
—Nenhum Senhor! É incomum vê-lo por aqui. Vou avisar seus homens.
—Estou aguardando.
Adonai olhou para o recepcionista e o analisou depois lhe perguntou casualmente.
—Então aconteceu alguma coisa estranha por aqui nesta noite?
—Não senhor. Exceto pela linda garota que desceu por volta das quatro e meia da manhã, chamei o taxi para ela.
—Linda garota? Você a conhece?
—Acho que já a vi com a senhorita Ismail algumas vezes no Riverwalk.
—No Riverwalk com a senhorita Ismail? Você tem certeza disso?
—Sim. É impossível não observá-las.
Os homens estacionaram a limusine na frente do prédio e entraram no hall, então Adonai olhou para aqueles homens de preto e pensou que era uma das coisas que mais odiava, mas já estava nessa rotina há anos. Seguiu em direção à porta de vidro e os demais seguranças o acompanharam. Seu motorista abriu a porta da limusine, enquanto os demais o seguiam em outros carros. Lendo um jornal seu pensamento voltou naquela linda beldade, então não tinha sido impressão ele realmente viu sua meia irmã na companhia dela, eram amigas. Isso seria mais fácil que tirar doce de criança. Sorriu pensando na metáfora. O telefone lhe tirou do devaneio. Viu que a ligação era de Austin. Ao olhar o número ele levantou uma sobrancelha, não conhecia aquele número.
—Sim. Sou eu mesmo. O conheço. Onde? Hospital. Ok. Estarei ai. Cuide para que ele seja bem atendido.
Depois daquela noite maravilhosa, Kamilah preferiu tentar esquecer aquele momento louco de intensa luxuria, porém tinha que dar explicações para a amiga e Leila não iria aceitar qualquer explicação, estava descendo as escadas da biblioteca quando um “Jeep” vermelho parou bem na sua frente, com um sorriso pálido Kamilah olhou para a amiga.
— Que surpresa boa! Estava pensando em te ligar.
Leila olhou para ela com desconfiança e respondeu:
—Você sabe que dia é hoje? Você tem ideia de quantas ligações minha você não retornou?
Kamilah sentiu uma ponta de remorso, e então tentou amenizar sua culpa.
—Leila não fique chateada comigo, sinto muito, eu realmente não sei te dizer por que agi assim, mas confesso, estou confusa e envergonhada.
Leila a olhou e percebeu que havia acontecido alguma coisa que mexeu profundamente com a amiga.
— Vamos entre no carro, precisamos de um drink.
—Você tem razão. Assim podemos conversar. Concluiu Kamilah com um alivio na voz.
Entraram em um pequeno bar no Plaza Ciel ao lado de Green Lantern, onde quase todo fim de tarde pequenos empresários e funcionários do centro comercial se encontravam para terminar o dia com um drink. Sentaram-se a mesa em frente a uma grande janela onde dava pra se ver os últimos raios solares se esgotando atrás das densas nuvens no deserto distante. Leila olhou para as cores daqueles últimos raios solares e suspirou.
—Lindo, não é mesmo?
—Sim, acho que não tem entardecer mais lindo que San Antônio...
Um garçom se aproximou da mesa e lhes estendeu a carta de drinks, ambas pediram um copo de água e em seguida decidiram por um sazerac, um coquetel a base de absinto, angustura, uísque e limão.
Depois que o garçom se afastou Leila olhou para Kamilah como que analisando a amiga, ela sabia muito bem com quem ela tinha passado a noite, mas a preocupação dela estava na amiga, não no meio irmão.
—Então pode começar me contar, por que você sumiu e ficou todo esse tempo sem me dar notícias.
—Nossa! Ainda estou assimilando os últimos acontecimentos, foi tão inusitado, tão fantasioso e sem noção a que eu mesma custo acreditar.
—Não me deixe curiosa, preciso que você me conte o que houve. Quem foi o homem que lhe tirou do bar sem ao menos falar um até logo.
—Então esse é dos problemas, eu não sei quem ele é.
Leila olhou para ela com pena e pensou “isso é típico dele”. Mas posso lhe dizer que foi uma noite que vou guardar no meu coração para o resto de minha vida.
—Só isso. Não acredito. Fale-me mais, porque você não me ligou?
—Eu saí da casa dele no meio da noite, peguei um taxi e fui pra casa, confesso que dormi quase o dia todo, acordei no final da tarde, então achei melhor tentar entender essa aventura para depois ligar pra você. Jamais imaginei viver um momento tão intenso como vivi, mas culpa vem me atormentando desde então, transamos sem nenhum cuidado, me entreguei a ele sem cerimônia e isso está tirando meu sossego, na altura do campeonato ele deve achar que eu não passo de uma devassa, estou morrendo de vergonha.
—Pelo profeta! Você está me dizendo que não se protegeu? Mas o que levou você a perder o controle assim? Eu não sei o que dizer para te confortar.
Leila balbuciou olhando para Kamilah quase sem cor na sua frente.
—Ele me levou até a casa dele para mostrar um quadro de uma princesa, a semelhança entre nós duas é notória... A química entre nós foi muito forte, desde o primeiro momento no bar, foi impossível controlar, quando dei por mim já estava me perdendo naqueles braços e me rendendo aos beijos ardentes daquele estranho.
—Sim. Sem proteção alguma, você já parou pra pensar nas consequências?
“Meu Deus! Vou esfolar Adonai na primeira oportunidade” pensou no irmão.
— Então? Ele fez contato?
—Não. Acredito que não nos veremos mais. Pode apostar foi só aquela noite. Homens como ele não perde tempo duas vezes com a mesma mulher. Agora se caso eu ficar grávida, ainda não pensei sobre o assunto, mas não sou nenhuma criança, vou assumir a maternidade da mesma forma que me entreguei a ele.
— Vamos pensar positivo e olhar para o lado bom da coisa. Leila falou tentando não pensar na possibilidade.
—Como assim? Perguntou Kamilah.
—Existe um ditado que diz o seguinte: “contra o destino, não adianta cautela” . Mesmo que você tivesse o controle da situação se isso estava escrito, de nada adiantaria se esforçar. O destino pode dar inúmeras voltas como um rio, mas ele chegará até a foz por que é assim que tem que ser.
Kamilah ouviu as palavras da amiga e tentou entender o que ela estava lhe dizendo, meio confusa ela falou:
—Leila, você está falando como ele, através de enigmas, só falta-me dizer que sou a reencarnação da tal princesa e que o príncipe de um deserto distante veio me resgatar para um harém perdido nas areias escaldantes do Saara.
— Deixa de ser fantasiosa e melodramática. Não quis dizer isso, mas se tiver escrito por que não?
—Acho melhor você tomar seu sazerac, porque ele deve estar esquentando. Kamilah falou entre meios sorrisos, de repente ela viu que alguém não tirava os olhos delas.
— Leila não vire agora, mas já tem um tempinho que alguém está nos espreitando, você tem ideia de quem seja?
Leila sentiu um arrepio na nuca, aquela sensação já lhe era peculiar. Sem precisar virar para ver quem era já sabia; somente um homem tinha esse poder, um homem que gostaria que estivesse bem longe dali; Nicholas Shandar.
Leila virou-se lentamente e deparou-se com um par de olhos escuros como seus cabelos negros, ela viu a sombra de um sorriso naquela boca, que só ela sabia a intensidade dos beijos que ele poderia fornecer. Olhou diretamente para os olhos profundos e virou-se como se nada tivesse por ali, ela sabia muito bem como controlar seus sentimentos diante dos outros, fora criada para guardar pra si suas emoções. Então sorriu e disse pra Kamilah:
—Não tenho ideia de quem seja. Mas continuando nosso assunto, você tem intensão de procurar o misterioso novamente?
—Claro que não! Kamilah respondeu depressa demais, dando a impressão que o seu desejo era bem diferente.
Leila a olhou desconfiada.
—Bem, quero dizer... Se de repente encontrá-lo de novo, vou ser mais cautelosa, mas não vou sair por ai procurando um desconhecido, já chega o que fiz, tenho medo de pensar o que pode me acontecer.
—Mas você não estava sozinha, ele tão responsável quanto, e tenho certeza, que ele deveria saber o que estava fazendo...
—Leila, pra ser sincera tudo foi tão bom, ele foi maravilhoso...
—Me poupe dos detalhes, só de ver sua cara já imagino... Ela fez uma careta de desagrado, em seguida chamou o garçom, pedindo outro sazerac.
Kamilah voltou a olhar para o homem que as observavam, aos poucos foi se lembrando, ele era o mesmo cara que havia visto discutindo com Leila há anos atrás, alto, cabelos negros, pele morena como um mouro, porém ele mais lembrava um cigano, apesar de estar vestido socialmente, aquelas pulseiras e os anéis denunciavam suas origens. Leila estava curiosa com a presença dele ali, mas não iria ceder, a conversa que tiveram há três anos tinha sido definitiva. Então não tinha por que ficar curiosa, mas ele mexia com seus sentidos, ela o percebia a quilômetros, como um radar... Seu coração havia se fechado, ela não iria permitir que ele invadisse seu sossego novamente, não!
—Então? Vamos pra casa? Kamilah perguntou de repente.
—Sim. Vamos.
—Você tem certeza que não quer falar sobre o cara que está nos observando? Kamilah voltou a lhe perguntar.
—Não tenho nada pra falar sobre ele, não agora.
Antes de saírem, Kamilah pediu licença e foi ao toalete, Leila ficou sozinha na mesa, tremendo e implorando para que ele não se aproximasse, mas sua nuca se arrepiou ao ouvir a voz grave ao seu ouvido:
— Minha pequena flor do deserto, seus hábitos nunca mudam?
Ela virou-se e deu-se com seus lábios próximos aos seus, ficou petrificada, porém se controlou. E respondeu altiva como sempre:
—Caro Nicholas, perdeu alguma coisa por aqui? Ou seu sócio delegou algum serviço penoso pra você?
Ele sorriu, ela sempre ficava na defensiva quando estava com medo.
—Ele pediu para agilizar umas pendências. Respondeu em tom sarcástico.
Ela o olhou preocupada.
—Pra você ter se deslocado pra cá, alguma coisa grave aconteceu.
—Não. Ele está em Austin, está acompanhando aquele afilhado dele em uma clinica. Estou aqui por acaso. Falou sem emoção na voz. O que deixou Leila ainda mais preocupada.
—Afilhado? Arqueou uma das sobrancelhas, tentando buscar na mente quem era. Acho que sei de quem se trata. Ao encontrá-lo diga a ele que preciso vê-lo.
—Agendarei um horário minha flor, porque ele tem andado bem ocupado por esses dias. Falou dando de ombros e olhando-a nos olhos, ela desviou o olhar, então ele percebeu que ela ainda estava magoada com ele.
—Deixei de ser sua flor há anos atrás. Finalizou com amargura.
Ele levantou a cabeça e viu Kamilah voltando, então a pegou pelo queixo e disse suavemente:
—Pra mim não. Você nunca deixou de ser minha flor. Sempre será uma kalanit selvagem do deserto.
Ela o olhou profundamente e viu que o olhar dele estava tão distante quanto os dela, ela sabia que aquilo era uma promessa. Então ele saiu sem olhar para trás, Kamilah se aproximou a tempo de ver os olhos da amiga marejados de lágrimas.
—Aconteceu alguma coisa? Kamilah perguntou olhando para a amiga.
—Nada que mereça comentários. Respondeu friamente.
Depois daquele evento no bar Kamilah ficou sem ver a amiga por dias, ela estava em sua sala compenetrada no seu serviço, fazendo uns fichamentos para organizar os livros mais antigos, quando seu chefe entrou na sala, ela não viu a expressão de tara do homem ao olha-la, “sentada assim atrás destes óculos, não tem nada haver com a gata selvagem que desfilava no “Tavernas scotch-Bar” ”. Pensou com uma vontade louca de possuir aquela beldade. “Tenho que criar coragem” “essa mulher tem que ser minha, por bem ou por mal, não importa, vou pega-la de qualquer jeito”. Pensava enquanto encostava a porta e lhe cumprimentava.
—Bom dia senhorita Thompson.
Kamilah levantou o olhar e deparou com James Craing lhe observando com se a despisse.
— Senhor Craing, bom dia.
—Vejo que continua catalogando as obras. Disse enquanto olhava alguns exemplares em cima da mesa.
—Sim, mas já estou terminando, faltam apenas às obras doadas recentemente.
— Essas obras são um completo deleite, vieram do Sul do Marrocos. O nosso doador deve passar aqui para vê-las, elas pertenceram a sua família. Dolores me disse que você queria me ver.
— Sim. Estou com um livro aqui que não está registrado. Ele deve ter sido esquecido ou quem sabe alguém o perdeu por aqui.
—Deixe-me ver.
Ele olhou o livro e o reconheceu imediatamente.
—Realmente esse livro não faz parte do acervo. Ele pertence a um conhecido, devo ter deixado em cima do balcão, na semana passada. Vou levá-lo para minha sala. Respondeu sem cerimônia, ela olhou para ele com curiosidade, então lhe perguntou quase que duvidando:
—Adonai é seu conhecido?
—Sim, o dono do livro, um dos nossos maiores investidores, é ele quem tem financiado certos projetos na fundação. Ajudando-nos a formar nossa coleção de pedras preciosas do mundo. Falou com total entusiasmo.
Craing a olhou e percebeu que ela estava bem curiosa em saber sobre Adonai. Ele ficou entre matar a curiosidade ou pega-la de jeito para experimentar aqueles lábios, que provavelmente seriam deliciosos...
—Você às vezes me intriga muito.
—Ora por quê?
—Raramente você pergunta sobre as pessoas que nos visitam, de repente, um livro lhe desperta o interesse, estranho, não acha?
—Aonde você quer chegar com este comentário irrelevante?
—Não é um simples comentário, é algo que estou vendo em seus olhos. O nome exótico de Adonai lhe chamou a atenção, não é?
—Não.
Respondeu irritada com a constatação dele. Em meio a uma risadinha sarcástica, ele olhou ao redor e se posicionou bem na frente dela, olhando para dentro do decote de sua blusa branca. Falou com muita malícia.
—Às vezes fico imaginando o que tem debaixo desses tecidos, você é muito linda.
Ela arrepiou o corpo inteiro, e olhou para ele com nojo.
—Você está me faltando com o respeito.
Respondeu a Craing ainda mais irritada, ele a olhou bem nos olhos e depois para a boca dela, então pegou uma das mãos dela e deu um beijo soltando em seguida bem na direção de sua ereção.
—Não estou faltando com respeito, estou apenas te elogiando senhorita Thompson, não é minha intensão faltar com respeito a alguém tão especial. Ao soltar-lhe a mão, ela sentiu esbarrar no membro rijo dentro da calça, ela retirou depressa tentando evitar o contato, mas foi impossível.
—Saia daqui, antes que eu lhe mostre o que é faltar com o respeito.
—Por que vocês tem essa mania irritante. Pode gritar se quiser, eu não tenho culpa de você me provocar.
Respondeu enquanto se dirigia para porta, antes de abri-la ainda olhou para trás e sorriu.
—Quanto mais difícil, mais gostosa. Vai valer a pena esperar para te levar para minha toca.
Ela não pensou duas vezes, passou a mão em um dos livros que estava em sua mesa e jogou contra ele, acertou em cheio bem na testa. Ele abafou um palavrão. —Sua cadela...
Ele saiu da sala, nervoso, e foi para o banheiro, enquanto resmungava sem parar. Kamilah levantou-se e foi pegar o livro no chão, ficou remoendo de ódio: — Arrogante presunçoso... Quem ele pensa que é? Enquanto desabafava, concluiu que cedo ou mais tarde, provavelmente ele iria tentar de novo, era só uma questão de tempo.
Horas mais tarde, ela já estava terminando o trabalho, quando ele retornou novamente em sua sala, ela levantou os olhos e viu a cara amarrada dele.
—O que foi dessa vez? Perguntou irritada.
Ele a olhou e em poucas palavras assinalou a sentença dela no seu ambiente de trabalho.
—Acho que você não compreendeu, se você cooperar comigo, você poderá ter inúmeras vantagens aqui dentro, mas se você continuar a fazer esse joguinho idiota, de mulher virtuosa. Terei que dificultar sua vida também. Pense nisso.
Em silêncio ela ouviu o que ele disse, suavemente ela colocou a caneta sobre a mesa retirou os óculos e levantou-se indo na direção da porta, parou diante dele e respondeu quase como um sussurro:
—Isso não é um jogo. Você é um ser nojento, faça o que quiser. Você pode tentar, mas não me intimida, jamais irá me tocar, me demita se achar conveniente, não tenho medo de você e não tenho preguiça para trabalhar.
Logo em seguida, ela pegou a bolsa e saiu empurrando-o contra a parede, ele lançou-lhe um olhar de zombaria, estava adorando a situação.
—Veremos se você vai dar conta. Logo, logo você vai estar sentadinha aqui no colinho do papai, e vai pedir para eu ser bem bonzinho com você.
Ele respondeu com menosprezo, ela viu o brilho no olhar dele e sabia que não seria fácil. Saiu apressadamente para a porta precisava respirar. No pátio do estacionamento, ela caminhou até o carro, ainda tremia, quando colocou a chave na ignição, dirigiu sentido a Market Square, ela se acalmava sempre que se dirigia ao velho mercado de artesanato mexicano, ao se misturar aos imigrantes e turistas, ela tinha a sensação de ser completamente desconhecida. Sentou-se em uma das mesinhas de um café e ficou observando o movimento de vai e vem das pessoas, por um momento desligou de tudo e sua cabeça ficou vazia.
Ao longe ouvia o barulho dos carros nervosos, cada qual com sua pressa, cada qual com seus problemas. Respirou fundo e pensou na noite de prazer que viveu com o desconhecido, ela sentiu um comichão ventre abaixo como se tivesse novamente nos braços dele, seu sangue ferveu, os bicos dos seios enrijeceram, que poder era aquele? Como podia ficar excitada só de pensar nas carícias dele, aquilo era novidade para ela, jamais imaginava que isso pudesse acontecer, e de repente, ela desejou vê-lo novamente, onde ele estaria? O que deveria estar fazendo? Eram perguntas que a assombravam de vez em quando. Piscou suavemente a fim de apagar a desagradável sensação que teve no trabalho. Então voltou a pensar em seu chefe, até aquele momento não acreditava que ele tivesse sido tão crápula a ponto de assediá-la. Mas ela ia coloca-lo no lugar, era só uma questão de oportunidade. Passado o estresse, ela resolveu ligar para Leila, porém o telefone não atendia. Deixou apenas um recado na secretária eletrônica.
Depois de um pesadelo horrível com Rick e seu amante misterioso, Kamilah acordou quase que em choque, no sonho ele a acusava, ela sem entender nada pedia socorro para Rick, em seguida seu chefe a estava sufocando com um beijo, ela estava molhada de suor ao abrir os olhos, então se levantou e se dirigiu para a cozinha. Já passava das quatro da manhã, colocou uma água para esquentar, enquanto foi ao banheiro esvaziar sua bexiga, mais tarde sentada de frente para sua janela ficou vendo os primeiros raios solares que rasgavam o céu de “San Antonio” lembrou-lhe das manhãs no rancho da tia Sabina, provavelmente naquele mesmo horário sua tia já deveria estar de pé, sentiu saudades.
Ela chegou à biblioteca um pouco antes do horário de costume, encontrou com Dolores no saguão junto com José, o vigia, eles a receberão com um sorriso caloroso, ela lhes cumprimentou, e subiu as escadas em direção a sua sala, ao abri-la quase desmaiou de susto, a mesa dela estava abarrotada de livros, ela entrou e com a mão na cintura engoliu um bolo que se formava em sua garganta. “Se ele pensa que irá me intimidar, está perdendo o tempo.” Pensou enquanto ligava o computador. Respirou fundo, e sentou-se diante daquela pilha de livros.
—Bom dia senhorita Thompson.
Craing surgiu na porta. — vejo que já começou seu trabalho, espero que até ao final da semana você já tenha catalogado todos esses livros. Craing falou zombeteiramente. —Mas se você mudar de ideia, talvez eu peça pra Dolores lhe ajudar. Ela o olhou em silêncio, enquanto ele fechava a porta.
“Não acredito que vou ter que lidar com esse idiota.” “só me faltava essa, assédio em pleno serviço”. A mente de Kamilah estava povoada de resmungos, já estava ficando sem ar, quando saiu da sala para colocar alguns livros no carrinho, para serem colocados nas prateleiras. Caminhando no corredor passou pela sala de Craing, a porta estava semiaberta, ouviu que ele estava acompanhado de alguém, estavam rindo, Craing com certeza estava rasgando seda com algum dos investidores da fundação.
—Vejo que o trabalho por aqui está em pleno vapor. Como estão indo, os preparativos para a criação do museu natural? Alguém perguntava a Craing, Kamilah prestava atenção na conversa, ela diminuiu os passos, e fez uma pequena parada perto da porta. Enquanto conversavam Kamilah pegou-se comparando o timbre de voz do visitante com o homem que dormiu com ela naquela noite, “Essa voz... é parecida com a voz do... epa! Ele está aqui! Preciso sair daqui, antes que me vejam.” Kamilah acelerou os passos pelo corredor e saiu porta a fora com a intensão de não voltar até à tarde.
De repente, ele aspirou uma fragrância, impregnando todo o ar, automaticamente ele se levantou indo em direção à porta, Craing o olhou curioso, ele voltou para o homem a sua frente e sorriu:
—Havia alguém por aqui.
—Pelo perfume só pode ser a senhorita Thompson.
—Senhorita Thompson?
—Sim. Uma das funcionárias da fundação, ela é corresponsável pelo projeto do museu natural, uma mulher muito dinâmica e sensível, porém é uma gata arredia, não dá mole pra ninguém, mas que dentro em breve espero que esteja ronronando para mim.
Adonai o olhou furtivamente, não gostou do tom de voz de Craing, achou bem desagradável ouvir a forma como ele descreveu a funcionária.
—Corresponsável? Pensei que você fosse o criador intelectual do projeto.
—Pra ser sincero, tive uma ajuda imprescindível dela, ela fez os ajustes necessários e também dinamizou os custos, então achei prudente deixá-la como corresponsável.
—Entendo. E onde ela está? Quero conhecê-la.
—Vou chamá-la.
Através do interfone Craing falou com sua secretária:
— Dolores traga-nos um café e peça para a senhorita Thompson vir aqui.
—Um instante senhor Craing.
Dolores respondeu prontamente, cinco minutos depois batia na porta do seu chefe. Dolores era uma descendente de mexicanos, de estatura baixa, e um pouco roliça, ela tinha uma semelhança inconfundível com seus antepassados, de cabelos negros e de estatura baixa, ela mais parecia um estereótipo nativo.
—Aqui está o café senhor. Ele a olhou como que indagando.
—Obrigado. Onde está a Senhorita Thompson?
—Kamilah... Então, o senhor conhece nossa Kamilah... Começou gaguejando, como se quisesse ganhar tempo para improvisar uma desculpa. —ela foi solicitada para ir até a Catedral de San Fernando, para averiguar algumas cerâmicas encontradas pelos monges. A cor fugiu do rosto dele, e Adonai viu que ele desgostou totalmente com aquela notícia.
—e ela saiu sem me avisar? Ela não tem nada haver com o setor de pesquisa, Dolores não estou entendendo.
—Só estou retransmitindo o recado, com licença. Dolores respondeu a ele e saiu imediatamente da sala, a fim de evitar mais perguntas.
—Veja só, não lhe disse que ela é arredia. Craing falou para Adonai, ele ouviu aquilo, mas sua cabeça estava trabalhando em outros pontos.
—Não diria arredia, mas uma pessoa com iniciativa. Ponderou-o para Craing.
—Olhando por este ângulo, você está coberto de razão, mas precisava ter me dado uma satisfação, afinal ela ainda não tem autonomia para sair quando bem entender, deveria ter me avisado.
Adonai sorriu para ele e continuou.
— O que é isso Craing, até parece que a atitude da moça foi para lhe afrontar.
—Não! Em absoluto, não estou pensando nisso. Mas essa moça tem o dom de me irritar. Às vezes me pego com pensamentos bem furtivos em relação a ela.
—Do tipo: agarrando-a pelos cabelos e a levando para uma caverna? Ele perguntou com ironia. Achava um desperdício homens sem bom senso, e o homem sentado bem na sua frente, provavelmente não tinha nenhum.
Craing deu uma sonora gargalhada: — É uma boa ideia, não tinha pensado nisso, mas não é bem isso que eu pretendo. Ela precisa ser conquistada. Ser dominada.
— Eu prefiro deixar as coisas acontecerem naturalmente, bem se sabe que o vento contra pode levar um barco à frente, mas se você não souber manejar as velas de nada adianta lutar.
Adonai falou levantando-se e indo em direção a uma estante de livros, continuou casualmente. —Me fale sobre ela.
—Ela está conosco há quase três anos, foi indicada pela Senhorita Al-Ismail.
Adonai arqueou uma sobrancelha, como que surpreso pela revelação. Craing não percebeu, continuou a falar como um rádio.
—Foi Al-Ismail quem a indicou?
—Sim. Elas são amigas quase que inseparáveis, onde se vê uma, encontra-se a outra. Possui um currículo invejável, veio da Universidade de Austin, foi muito elogiada por alguns conhecidos meus de lá, então quando há vi, foi impossível não querer contratá-la, ela tem um sorriso contagiante, é impossível não querer afogar naqueles profundos olhos verdes. Na medida em que Craing ia falando, Adonai foi construindo a imagem daquela mulher na mente, surpreso percebeu que Kamilah Thompson era a mulher que ele seduziu algumas noites atrás. A voz de Craing estava longe, sua mente ligou a fragrância ao cheiro que ficou dias perturbando seu sossego, “não adianta correr do que está escrito” ele pensou.
—Adonai? Você está me ouvindo? Craing perguntou em voz alta para trazer Adonai de volta.
—Hã... Desculpa-me Craing, eu estou te ouvindo, pode continuar.
—Estou vendo. O que houve?
Perguntou curioso.
—Nada. Quero ver o projeto da organização do museu.
Trocou de assunto imediatamente. Craing achou aquilo tão estranho, mas não questionou.
— aqui estão, estamos apenas lhe aguardando para a finalização de alguns detalhes.
— Vou ao Brasil buscar algumas gemas que comprei de um fornecedor do estado de Minas Gerais. Estou pensando na Semana do Festival de Artes, o que você acha? Perguntou Adonai.
—Excelente. A cidade vai estar cheia de turistas, com certeza será um sucesso. Vou providenciar para que tudo esteja ok.
—Meu assessor deverá estar por aqui, ele deverá estar à frente.
—Mas você estará aqui na inauguração? Perguntou Craing.
—Se for da vontade do “destino” sim. Sou um homem do mundo, por isso, prefiro deixar as coisas acontecerem.
—Preciso ir. Adonai se levantou e pegou na mão de seu curador, este prontamente a estendeu, sabendo que aquelas mãos o levariam a aquisição de alguns bens que ele já estava de olho algum tempo.
—A propósito Craing, você tem a ficha de sua funcionária pra eu ver?
—Sim. Você quer ver agora?
—Se for possível.
Craing foi até ao arquivo e pegou a ficha de Kamilah e entregou para Adonai, ele abriu o envelope devagar e viu com surpresa uma versão mais conservadora, mais austera, mais profissional da mulher daquela noite. Era ela mesma. Não tinha mais dúvidas. Ele leu seus dados e com curiosidade percebeu que ela também esteve na mesma universidade que seu afilhado, fazendo o mesmo curso.
— Imaginei que ela fosse daqui, mas estou vendo que ela é Portland, por acaso é no Oregon?
—Sim, mas sempre viveu no Texas, segundo ela veio pra cá ainda na infância e foi criada com uma tia até ir para a universidade e seguir seu caminho, ela não é de falar muito sobre si, em se tratando dela, pouco fala.
—Então você pegou essas informações...
Foi cortado antes de concluir a frase.
— Durante a entrevista para contratá-la.
— Entendo.
Pensou mais um pouco, e decidido olhou para Craing e disse:
— É o seguinte Craing, quero que essa jovem se junte a equipe para dar andamento na organização da amostra em novembro. Tudo bem?
—Você é quem manda. Eu apenas executo suas ordens.
Craing respondeu meio frustrado, quase furioso, ele percebeu o interesse de Adonai em Kamilah, só não entendeu o que era, já que ele quase não ficava em San Antonio, “o que seria?” Perguntou-se intimamente.
Adonai se despediu e saiu. No carro pediu para o chofer passar no endereço de Kamilah. Ficou parado por um tempo, mas não a procurou. Decidiu ligar para a meia irmã, porém deu fora de área. Então deu sinal ao motorista para ir em direção ao seu apartamento.
—Leila, vamos almoçar? Preciso te ver. Kamilah estava ansiosa ao falar ao telefone.
—Te espero no La Margarita. Não esperou nem pela resposta e já foi desligando o telefone.
O La Margarita era um restaurante muito confortável localizado as margens do Riverwalk, próximo ao setor comercial de San Antonio e também aos museus, o La Margarita tinha aquela característica meio latina, meio americana que encantava a todos os frequentadores, principalmente os trabalhadores das imediações e os turistas.
Leila desligou o telefone e olhou no relógio, já era quase meio dia, não estava com fome, mas ia ao encontro da amiga, “o que será que houve que a deixou tão nervosa?” Perguntou-se intimamente.
Kamilah chegou ao restaurante e procurou a mesa de costume, enquanto sentava-se, olhou para o rio, as barcas estavam subindo, outras descendo, era assim o dia inteiro, os turistas gostavam de admirar a arquitetura ao longo do rio. Dez minutos mais tarde Leila adentrava no restaurante, com uma aparência séria, ela passou pelas mesas sem olhar os clientes então avistou Kamilah no canto da sala olhando para a janela. O rosto estava pálido, Leila ficou preocupada, mas chegou sorrindo, Kamilah olhou para ela quase em lágrimas.
—Meu Deus! O que te aconteceu? Por que você está assim? Leila perguntou assustada.
—Que bom te ver. Só você para me dar conforto. Kamilah tocou lhe as mãos. Leila percebeu que elas estavam frias.
—Me diga querida, o que está te afligindo?
Kamilah começou a lhe contar os últimos acontecimentos, falou sobre tudo inclusive de ter ouvido a voz de Adonai. Leila ouviu em silêncio toda a narrativa, sem manifestar nenhuma emoção, era só ouvido, porque naquele momento era o que Kamilah precisava. Quando terminou já não estava tão nervosa quanto no inicio, então Leila raspou a garganta e falou.
—Meu bem, acho que você está precisando descansar, desde que fomos à inauguração daquele bar, você anda nos cascos.
—Já pensei nisso, porém agora preciso me organizar novamente, desde aquela noite, sinto como se tivesse entorpecida.
—Não será que é pelo fato de você ter se entregado com tanta facilidade a um desconhecido? Leila perguntou — Talvez isso seja o que lhe está consumindo, concluiu.
—Não. O que está feito está feito, não adianta ficar remoendo por algo que já passou, apesar de ter me incomodado um pouco, já não estou pensando mais, tenho que levar em conta que o que aconteceu por mais incrível que tenha sido foi natural...
— Em relação ao Craing, acho que posso te ajudar, ele é tão empregado quanto você, basta um telefonema. Você não precisa temê-lo, ele é só pressão.
—Não estou preocupada com ele.
—Então o que te incomoda?
—Ainda não sei, mas acho que estou grávida.
Leila ficou muda, não soube por quanto tempo, mas foi difícil assimilar aquela informação. Kamilah viu o quanto à notícia a chocou.
—Por favor, diga alguma coisa. Não me olhe assim.
—Não. Eu... Eu... Você tem certeza? Foi o que Leila conseguiu proferir.
—Ainda não. Vou fazer um exame para confirmar.
—Você precisa encontrar com ele novamente e lhe contar o que aconteceu. Leila falou depressa.
—Você ficou louca? Como vou encontrar com um estranho e lhe dizer que a nossa noite teve consequências. E se ele for casado? E se ele me confundiu com uma garota de programa, por que comportar como comportei, confesso que não foi o certo. Finalizou sem emoção.
Leila percebeu que precisava falar com Adonai, para ajudar à amiga, mas isso seria muito complicado, por que como a própria Kamilah falou era improvável que ele aceitaria algum argumento, depois de ter estado com ela tão facilmente como foi.
—Não adianta enlouquecer, agora precisamos nos acalmar, e então ver como resolveremos isso. Leila falou tranquilamente. Olhando para o relógio viu que sua hora havia vencido. —bem preciso voltar.
—Eu também, saí há horas. Dolores deve estar preocupada comigo. Kamilah falou concordando com Leila.
Acabaram não almoçando. Ambas saíram do restaurante com a promessa de se encontrar a noite, depois do expediente. Leila dirigia pela South Álamo Street pensativa, teria que procurar Adonai para conversar e o que era pior teria que abordar um assunto extremamente pessoal, coisa que ambos evitavam fazer, a não ser que fosse um assunto coletivo, como era quando falavam do deserto. Mas agora, pelo bem de Kamilah teria que interferir. A cabeça de Leila estava começando a doer, ela precisava de uma aspirina, ao invés de retornar ao banco dirigiu-se para sua casa.
—Clair, cancele minha agenda, não volto hoje, tenho um assunto particular para resolver. Desligou o celular e olhou para o carro preto estacionado em frente a sua casa. Leila agradeceu aos deuses pela coincidência. Abriu as porta e deparou-se com um homem sentado em sua sala.
—Mar-haba . Falou Leila com alegria. Passou as mãos pelos cabelos e suspirou. —Você adivinhou, já estava pensando em lhe procurar. Leila falou terminando de fechar a porta. Adonai sorriu para a irmã. — você fica tão bonito quando sorri.
—Ah lan-wa-sahlan! Adonai recebeu a meia irmã com o cumprimento em árabe, Leila respondeu:
—A-leikom es salâm! Deu um beijo no rosto de seu meio irmão.
—Que bons ventos te trazem a minha humilde casa? Começou Leila.
—Acho que temos algo em comum... Respondeu Adonai.
—É... Seria minha amiga? Perguntou Leila sem rodeios, ele sorriu.
—Kamilah Thompson.
—Pensei que não viesse me dar explicações, sobre ela, mas antes de começar a me falar vamos preparar um chá, minha cabeça está estourando.
Ele ficou tenso, sempre que ela estava com dor de cabeça era porque alguma coisa não estava bem. Provavelmente iria falar até se cansar. Ela voltou com um bule nas mãos, ele pegou as xícaras, então se dirigiram para o jardim que ela tinha atrás da casa, lá se sentaram em algumas almofadas um na frente do outro e absorveram o chá em silêncio. Adonai olhou para a irmã e viu que ela estava tensa, então escolhendo as palavras ele começou:
—Habibiti !
—Habibi , antes de você se explicar, quero deixar bem claro que não estou aqui para julgá-lo, afinal não sou nenhum exemplo de virtude, também tenho minhas loucuras; disse isso pensando no seu passado com Nicholas; estou aqui para ouvi-lo como sempre o fez comigo, meu querido irmão.
Ele sorriu, era como quando estavam em casa; na infância. Ela ficou pensativa, depois que sua mãe faleceu só ele a chamava de querida com tanta suavidade.
—Eu passei a noite com sua amiga.
—Eu vi quando você a abordou naquela noite, não vou lhe mentir.
—Naquela noite não sabia quem era ela, fiquei sabendo no outro dia através de um dos meus funcionários, do mesmo modo fiquei sabendo da amizade de vocês.
— Shihab, meu querido, você pensou na loucura que fez? Perguntou Leila muito séria, porém serena.
—Pra ser sincero. Naquele momento não. Agi por impulso como um adolescente. Nestes 32 anos de vida nunca imaginei viver uma situação tão inusitada como essa.
—Eu também ainda não consegui digerir a situação. Você é tão meticuloso. Chega a dar medo, por que você sempre calcula os riscos que corre, e de repente se entrega a paixão torrencial de uma noite, tudo bem é da Kamilah que estamos falando, mas levá-la pra cama sem ao menos pensar em consequências...
Ele sabia que seria assim, ela iria falar até cansar, era típico das mulheres do deserto.
—Minha amiga, minha quase irmã. Você está me entendendo?
—Sim. Eu compreendo seu ponto de vista. Mas foi algo que não sei te explicar. Eu cheguei aquele bar a fim de me distrair um pouco nem estava pensando em mulher, e então eu a vi, dançando, fiquei deslumbrado com aquela imagem, foi como ter visto uma dançarina em pleno deserto e quando vi o rosto dela eu não acreditei com a...
—Semelhança! Os dois disseram a palavra juntos em um único som.
—Isso mesmo. Como pode ser. Ele falou ainda pensando na semelhança.
—Vivo me perguntando também.
Leila falou e em seguida lhe perguntou:
—Você vai procurá-la novamente?
—Talvez... Respondeu escondendo suas verdadeiras intensões em relação à Kamilah.
—Eu não acredito. Meus ouvidos estão me pregando uma peça. Por Deus! Como você pode me explicar isso.
—Entenda. Neste momento estou com muitos deveres.
—Você sempre teve muitos deveres. Você já parou pra pensar que a noite insana de vocês pode ter gerado um filho?
Agora quem ficou sem fala foi ele. Jamais teria pensado nisso se não fosse Leila.
—Por quê? Ela lhe disse isso? Ela está grávida?
—Não sei. Estou dizendo isso como uma possibilidade e não como um fato consumado.
Ele a olhou silenciosamente abaixou a cabeça confuso. Aquilo podia acontecer.
—Pois é Shihab, achaste mel e lambuzaste com ele.
—an ama talabt haza... respondeu em árabe para Leila.
Leila abaixou a cabeça pensativa, ele olhou para o jardim, viu uma flor vermelha preste a cair do pé, se comparou a ela. Naquele momento sentiu meio sem vida, sem chão. Leila cortou-lhe o pensamento daquele instante.
— Shihab.
—Sim. Respondeu com a voz baixa de costume tentando voltar ao controle habitual.
—E se de fato ela estiver grávida?
—Existe alguma possibilidade de ser meu?
—Você duvida da integridade dela?
—Ora se coloque em meu lugar... Falou laconicamente pra ela. —Não me olhe assim Habibiti, tente não me julgar antes de me ouvir.
—Vocês homens são todos uns idiotas. O que te faz pensar que ela é uma leviana?
— E o que te faz acreditar que isso não é uma possibilidade? Você não está com ela o tempo todo. Concluiu.
—Sim, mas eu sei da vida dela, e posso te garantir, se ela estiver grávida o filho é seu. Somos amigas desde que ela chegou aqui. Ela nunca teve nenhum envolvimento. Não posso permitir que você a insulte.
—Não quis ofendê-la. Ele falou suavemente, tentando amenizar o calor que aquela discussão estava causando. —Mas é um direito meu ficar na defensiva.
—Eu sei. Compreendo sua posição em relação a isso.
—Você pode me avisar se ela estiver realmente grávida?
—Não vou fazer isso, sinto muito.
—Por quê?
—Como por quê? Você não saiu à caça, então você mesmo terá que descobrir.
— Deixa de ser teimosa, estou pedindo sua ajuda.
—Olha até posso te contar sobre isso, mas antes vou contar a ela quem é você, vou falar sobre nossa relação, ela precisa saber que se estiver grávida, talvez um tuaregue vá lançar mão em seu filho para educá-lo conforme os preceitos da tribo.
Ela falou aquelas palavras intencionalmente a fim de alfinetá-lo. E teve êxito, ele passou as mãos pelo cabelo em sinal de impaciência, então fechando os punhos respondeu grosseiramente.
—Qual é o seu problema com nossa origem? Você é tão Tuaregue quanto a mim. E levar um filho para ser educado no deserto não é tão desumano assim.
—Quero ver você repetir os costumes de papai com seu filho. Falou em tom de jocoso. Porém, ele a olhou profundamente nos olhos e disse:
—Já estou entendendo seu jogo. E pode esfriar essa sua cabeça. Não me casarei com uma ocidental a não ser que for por amor, e se ela estiver grávida, decidirei o que for melhor para meu filho, se isso significa levá-lo para o deserto como eu fui não pensarei duas vezes, como eu fui e o meu pai foi.
—Você não se importa com ela? Com a dor dela? Leila estava alterando a voz, como se estivesse em desespero.
—Isso só é suposição. Ela não está grávida. E se tiver veremos como agirei.
— Então você terá que descobrir sozinho. Eu não vou contribuir com isso.
—Tudo bem. Eu sei o quanto você é leal a ela, mas se for pra você colocar na balança, tenho certeza que me dirá.
Ele disse pegando uma das mãos dela. Ela olhou e percebeu que ele tinha razão.
—Encontrei com Nicholas. Ele me falou a respeito de seu afilhado.
—Ele me disse que te encontrou. E vocês não vão acertar o ponteiro?
—Não. O nosso tempo passou. Ele fez a escolha dele há tempos atrás.
Adonai balançou a cabeça ao sorrir e pensou no quanto ela era uma cabeça dura.
—A cultura dele não é tão diferente da nossa. E ele é tão ocidental quanto nós dois.
—Apesar de nossas origens, a única ocidental aqui sou eu, vocês dois? Deus me livre! Mas não quero falar dele, quero saber a respeito de seu afilhado.
—A situação é crítica. Ele está bem mal.
—Como assim? Perguntou curiosa.
—Ele se aventurou pelo caminho da promiscuidade, as consequências foram severas com ele.
—Meu Deus! E agora?
—Estou ajudando no que posso. É lamentável, apostei muitas fichas nele. Agora o que não tem remédio, remediado está...