O VESTIDO

 Ela queria fazer um vestido de casamento inesquecível; dizia que casar na igreja, só acontecia uma vez na vida.
   Seu pai abandonara sua mãe, com três filhos ainda pequenos, e sem pensão; sumira no mapa, fugido da ditadura militar, com uma mulher. Fora tomado de uma paixão incontida pela secretária e dissera à esposa que se ela não lhe concedesse o desquite, ele acabaria com a própria vida. Sua mãe deveria ter negado, porque ele quase acabou com a vida dela e dos filhos, e se alguém deveria ser sacrificado, que fosse ele; mas o tempo ajeitou tudo e todos sobreviveram.
    Ela cresceu, concluiu os estudos e trabalhava arduamente para complementar a renda familiar.
   Juntara o pouco dinheiro que conseguira economizar durante anos, até que lhe apareceu o príncipe que, após pouco tempo, provaria que não era encantado... Mas, até então,ela não sabia.
   Marcou o casamento e escolheu o modelo dos seus sonhos; cheio de nervuras e plissados. Custou-lhe quase todas as economias; o restante usou para pagar a cerimônia religiosa. Não houve festa, somente um bolo para os poucos convidados.
    Ainda não completara dois anos de casada, seu filho era pequeno, quando bateram à sua porta: era uma mulher. Dizia que seu marido arrumara outra mulher, com quem esperava um filho.
    Ela não acreditou, mas a visitante forneceu-lhe o endereço  da outra, dizendo que ele estava lá naquele momento, que ela fosse conferir se quisesse. 
    Ela foi e tocou a campainha do apartamento, pois não havia porteiro eletrônico naquela época, nem chaves nas portarias dos prédios simples; entrava quem quisesse, porque a violência não grassava como nos dias atuais.
    Ele mesmo abriu a porta, e ao dar com ela começou a tentar explicar o que não era explicável. Ela desceu imediatamente e ele foi atrás, por uma rua movimentada de Vila Isabel, o bairro de Noel que, se vivo fosse, teria feito do fato uma canção.
    Andaram pelas calçadas, ela à frente, ele atrás, se desculpando: ela só se virava para xingá-lo - naquela hora, desfiou seu rosário de palavrões e ainda achou pouco; se mais soubesse, mais teria dito. E passaram pela igreja onde casaram, ali mesmo, naquela mesma rua.
    Depois de colocar o marido porta afora,  ela foi à igreja e doou o lindo vestido - que conservava intacto - para  dar alegria a outra noiva.
   Aprendeu a viver sua vida sem planejamentos , um dia de cada vez...

RJ, 17/06/12

(não aceito duetos, por favor)