REDENÇÃO

Ao chegar ao banheiro, caminhou até a pia, abriu a torneira e deixou a água correr forte acreditando que mais um dia inalterável estava por vir. Colocou as mãos embaixo da torneira e as deixou por alguns instantes sob a rajada forte de água que escorria por entre os dedos, depois pôs as mãos no rosto e começou a lava-lo olhando fixamente para o espelho, de repente parou, como que, tentando identificar aquela mulher do espelho. Quem era aquela mulher no espelho? Quem seria ela? Assustou-se ao comprovar que era ela própria.

Mas já não era jovem! Por certo, não poderia ser ela! Procurava de todas as formas desvencilhar-se daquela imagem e por mais argumentos que usasse não poderia negar o fato. Era ela mesma.

Resignou-se. Fechou a torneira, apagou a luz e puxou a porta atrás de si. Estava decidida! Não mais olharia aquele espelho! Foi até o criado mudo, abriu a gaveta e retirou de lá seu diário. Ali estava toda sua vida, ali estava tudo. Seu diário sabia de tudo ou quase tudo. Surpreendeu-se com as palavras quase tudo.

Mas, o que faltava? Fora sempre honesta com aquele diário. Será? Não, não fora, faltava muito. Percebeu que durante anos escreveu uma biografia muito maquiada. Diferente do que era na verdade. Talvez esperasse que alguém o lesse e não queria estar de cara limpa quando esse dia chegasse.

E daí? Todos que escrevem também pensam assim! Que mal faz? Jogou-se na cama. O que faltava? Faltam as dores, as mágoas, ódios, decepções. Faltam as noites solitárias em que fazia sexo sem seu homem. Mas, aquilo não era sexo! Era masturbação! Ah! Não sei parecia que era, meu homem estava tão presente, eu o sentia como antes, mesmo que por alguns segundos, mas eu o sentia. Então era sexo e do bom. Era como na juventude, nós dois, sem receios, sem culpas, rolando nas camas, com calor, com muito calor, em chamas. Fazíamos sexo quente, fervendo, tudo era quente, nossos lábios nossas línguas, nossos sexos, ardíamos como labaredas, fervíamos, suávamos, fazíamos tudo. Gostávamos mais de fazer sexo quando chovia. E enlouquecíamos no inverno. Às vezes era tudo muito urgente, tínhamos pressa. Medo que o tempo acabasse e nos esgotássemos em nós mesmos sem nos tocar. Outras vezes éramos lentos, preguiçosos, vagarosos como as lesmas e nos arrastávamos colados um ao outro. Todo o tempo, o tempo do mundo era nosso e não queríamos nos separar jamais! Jamais! Que palavra maldita! Isto não é uma palavra e sim uma cilada! Começou a chorar. Levou as mãos até o sexo e tentou em vão satisfazer o seu corpo, mas sua alma não deixava. Ficou parada sem pensar em nada por alguns instantes, olhando para o teto. Recompor-se era questão de minutos, assim pensou. Levantou-se e caminhou em direção ao banheiro, abriu a porta e fechou os olhos com receio do que veria no espelho. Com mãos tremulas e com um riso nervoso nos canto dos lábios acendeu a luz, foi até o espelho e abriu os olhos. Estava horrível! Em dias de porre já estivera bem melhor. Sentiu-se desesperada, virou-se rapidamente para o vaso e vomitou. Sentou-se no chão e deixou-se ficar ali com a cara no vaso vomitando, vomitando, vomitou tudo até a alma. Levantou-se, desnudou-se e cambaleado seguiu para o chuveiro, estendeu a mão abriu e ficou lá até que não tivesse mais vestígio dela própria. Então como que renascida de saiu. Fechou a porta do banheiro, foi para o quarto e arrumou-se de forma confortável, com roupas leves em tons suaves. Pegou a bolsa e o diário e saiu. Caminhou entre as pessoas na rua sentindo-se invisível, quase que uma divindade. As pessoas daquela cidade não a conheciam, mas aquele diário que carregava embaixo do braço de forma quase despretensiosa, sim! Foi até á praia, subiu algumas dunas, na mais alta sentou-se, abriu o diário e desfraldou as páginas ao tempo. Queria compartilhar com todos a sua mentira e solidão, pois só assim poderia olhar outra vez aquele espelho e dividir com ele a sua redenção.

By Nádia Ventura