PEDRA 90

Pedra 90

Comprei um comodoro.Completo de tudo e, naquele dia quando eu entrei na garagem parecia uma autoridade, um chanceller, e pior é que assim eu me sentia, dentro daquele

carrão, com o ar ligado, gelando que nem a região ártica.Veio a família inteira e se acercou:

que aquilo era uma loucura, um carro daqueles, caríssimo, elas falaram, minhas duas irmãs como sempre, eu fiquei ali boquiaberto, olhando aquela jóia que me custariam quase 500 reais por mês em suaves 48 prestações.Quando eu passava pela rua me benzia com medo do olho gordo.Um dia cheguei num posto.Vai encher general? perguntou o frentista.Eu falei baixinho pra ninguém ouvir quase bem no seu pé de ouvido: coloca 2 reais.Ele olhou pra mim e precisou que eu repetisse.Os 2 reais eram a conta certa pra que eu fosse até o trabalho e retornasse, justos 24 quilômetros.E sempre quando eu encostava ele já sabia que era álcool e 2 reais.Mas meses depois eu apareci, com outro ar, um riso de satisfação e quando ele perguntou: 2 reais patrâo?, eu disse não, dessa vez enche, coloquei um kit de gás.Ufa!, que surpresa hein. É, agora eu vou rodar.O opalão não sentiu nenhuma diferença e

parecia um turbohélice C-130 quadrimotor, mesmo nas subidas passava muito carro novo e eu me sentia um piloto em ação, como era bom.Um dia fomos parar em Itaipuaçu, eu ele e

a pretinha.Lá cismei de ir com ele beirando a orla, hi, não foi nada bom, acabei ficando preso na areia, e quanto mais eu pisava mais ele se afundava.Começou a chegar gente pra ajudar, coloca pedra, pau, balança na traseira e nada, até que chegou um desses jipes com tração nas quatro rodas e um gincho bem na frente.O salvador, que Deus o ilumine até hoje, desceu do carro com aquela tranquilidade peculiar de um bom socorrista e disse ao celular:

ok, ok, já já eu retorno pra você, deixa só eu dar um jeitinho aqui num atolado.

Bem, eu literalmente estava atolado.A pretinha e a Senhora que estava no jipe estavam ?contemplando uma baléia que passava, a coisa mais linda, enquanto o gincho facilmente tirava o carro do atoleiro.Agradeci e bem quando eu já estava saindo, passou um monza e também atolou, eu pensei ele vai ter mais trabalho pela frente e não deu outra, o jipe entrou em ação.

Mas esse opala foi uma das minhas paixões.Empurrei muito ele dentro do túnel rebolças, como pesa o bichinho, fomos até as minas de mariana em Minas Gerais, isso depois de passarmos por Penedo e Itatiaia, foi uma aventura e tanto, até hoje estou pagando o empréstimo desse passeio, é , porque falou em viajar é só me convidar e dizer a trilha.

Quando chegamos em MG já era de noitinha e as estradas um tapete maravilha.Um dia fui em Angra dos Reis, eu ele e um amigo.Da praia que estávamos resolvi sair e ir para a do Bomfim, eu estava a exatos 30km por hora e numa curva existia um desses espelhos enormes que servem para quem vem olhar quem está subindo, só vi o ônibus crescer pela minha direita e eu joguei mais pra direita ainda e acertei o poste.O ônibus repleto de passageiros parou e eu desci do carro, antes vendo se os meninos estavam bem e o motorista ainda quis me culpar, pressão psicológica.Em terra estranha melhor ser paciente eu pensei e tratei de amarrar com uma larga fita o paralamas todo amassado e juntamente no poste e dei uma ré, os parafusos se soltaram, coloquei dentro da mala e retornei para casa.Meu filho dizia, o senhor não vai dar uma carteirada? Como vou dar uma carteirada?

Com uma relação enorme de multas, ipva vencido, ainda dar carteirada filho? Vamos embora, estamos todos bem.Consertei o possante.Um belo dia eu sai para conseguir um desses consignados que a vida nos oferece e para minha surpresa dei de cara com o DETRO

e a PM, que foi dizendo: Nada pessoal, nada pessoal.Eu encostei.Tentei argumentar.O soldado disse: Aquele Sarja lá é casca grossa, não quebra galho nem da mãe dele.Eu olhei o Sarja, barrigudo, já cansado pelos dias, lembrei de como eu estava realmente errado com minha documentação e aquiesci, só vi o bichão subindo aquela rampa do reboque, com seu kit de gás tinindo, todo lacradinho.Só tirei as ferramentas e macacos, essas coisas.Ficou um bom tempo em Costa Barros,E assim passaram-se os anos.Um belo dia, dando uma de minhas caminhadas, lá estava ele, o meu opala pedra 90, bem alí, dentro do codomínio do Urubulengo, bem pertinho de mim.Eu não acreditei.Ele foi leiloado e comprado por um vizinho, que bom, mesmo não sendo mais meu, fiquei feliz em novamente reencontrá-lo.Valeu pelas nossas aventuras, sofrimentos e vida em comum.Ele foi uma dessas pedras preciosas que a gente paquera, namora, noiva, casa, separa, mas nunca esquece.

Carlinhos Real
Enviado por Carlinhos Real em 16/06/2012
Reeditado em 31/08/2012
Código do texto: T3728033
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