Belle Époque

Belle Époque

Não sei como chegara até ali, mas o certo é que, apesar de ter ponderado muito, eu estava ali, no salão principal daquela mais afamada casa parisiense no final dos anos 20.

Casas de prostituição existiam e muitas, espalhadas por ruelas e becos escuros de toda a Paris e eram aceitas por alguns como o mal necessário, principalmente pela Igreja. Assim, a sociedade abrindo os olhos da hipocrisia, alegava que se a prostituição acabasse a sociedade sofreria com toda a espécie de devassidão, mazelas, e desordens. Portanto a profissão era tolerada por todos, talvez viesse daí o termo "Casa de tolerância", pois todos teriam que tolerar a prostituição, com medo do mal que se abateria sobre a "pudica e casta" sociedade, caso ela se recusasse a aceitá-la.

Mas, casa como aquela, prestigiada pela nobreza e banqueiros. Uma casa com mulheres, lindas, educadas, finas, de nacionalidades variadas e de boa procedência. Uma belíssima propriedade com vários hectares, localizada nos arredores de Paris, só existia uma, a de Madame Violet.

Eu estava curiosa, queria saber, queria ver, conhecer, sentir...

Era um ambiente muito grande, enfumaçado e sombrio. Os cheiros fortes de variados perfumes tomavam conta de todo o recinto. Todos riam e aparentemente estavam felizes.

Mulheres de todas as cores passeavam ou dançavam pelos salões, com finíssimas rendas negras, em seus curtíssimos vestidos transparentes. As meias eram finas e não de algodão - como muitas mulheres da época usavam - e morriam presas no meio das coxas bem feitas, em mimosos babadinhos rendados que poderiam ser coloridos, mas a rigor, eram negros.

Os olhos e bocas eram maquiados com determinado exagero, para que despontassem a meia luz.

Tudo estava em seu devido lugar para o grande jogo da sedução. Era como nos sonhos, ouvia vozes e não as identificava. Não percebia os rostos e o tilintar dos copos e taças de champanhe, ecoavam em minha cabeça, de tal forma que, se eu fechasse os olhos, poderia sentir em meu rosto o gostoso borbulhar metálico daquela bebida tão peculiar, que fazia de forma fascinante, a alegria de todos ali presentes.

Madame Violet, a dona da casa, era uma mulher corpulenta. Porém, um dia aquele corpanzil de forma indefinida, fora belo e porque não dizer belíssimo. Fora ele quem lhe dera aquela incalculável fortuna de hoje.

A vasta e ondulada cabeleira loura, sempre bem penteada, em um coque, a altura da cabeça, onde alguns cachos rebeldes se deixavam escapar. Ornava de maneira juvenil o ainda belo rosto de Violet.

Madame Violet ainda era uma mulher interessante e tinha lá os seus encantos e os seus clientes, que não eram muitos, por certo, três ou quatro talvez, mas, fiéis, não a trocavam por nenhuma outra. Por mais belas que fossem.

Monsieur Pierre Labrousse, era viúvo há muitos anos e sem filhos. Não havia uma mulher - mocinhas ou balzaquianas - em Paris, que não tivesse usado o seu poder de persuasão para desposá-lo, mas, de uma forma ou de outra, Monsieur Labrousse dava um jeito cortês de sair dessas - para ele - perigosas armadilhas.

Alto, corpulento, rosto redondo, rosado e com algumas sardas, era um homem de riso fácil, contudo, calculista. Calvo, mas com largas suíças e fartos bigodes ruivos. Não era bonito e sim, rico, muito rico. Banqueiro e dono de inúmeras propriedades espalhadas por toda a Europa, era o seu mais antigo cliente e seu único amor, desde que se estabelecera em Paris. Na juventude acalentou a esperança - mesmo que remota - de que ele um dia a tiraria da “Casa” para torná-la Madame Labrousse, ao que ele sempre dizia – ficarei com você até o fim, mas casar nunca! Tu morrerias meu amor, o tédio e as mulheres fúteis da sociedade a fariam murchar como uma bela rosa em poucas semanas. Amo-te assim como és e serei fiel a este amor até que a morte nos separe. Ela ria como de costume, um riso de amargura, por certo, porém muito bem disfarçado, e ele tentava em vão compreender o que havia de engraçado em suas palavras de rejeição.

Apesar de se amarem, Madame nunca se deu à exclusividade. Monsieur, jamais a pediu. Tão pouco deixou de pagá-la uma noite sequer, ano após ano.

O rosto de Madame, este que já fora de uma beleza ímpar. Hoje estava tomado por incontáveis rugas, as quais eram disfarçadas a todo custo e a qualquer hora, por uma grossa camada de maquiagem. Os lábios que chamavam a atenção na juventude, bonitos, bem feitos e carnudos. Agora, estavam murchos, caídos, mas, com o auxilio de um escancarado batom vermelho e um falso sinal negro acima deles, fazia-os menos decadentes. As maçãs do rosto eram salientadas por dois círculos suaves de carmim. Os olhos eram grandes e de um violeta tão profundo e brilhante, que fizeram com que fosse conhecida como Violet. São hoje desbotados, opacos. Porém, diariamente reavivados com a força de sombras e crayons da cor de seus antigos olhos. Por tudo isto, é que se torna impossível determinar a sua verdadeira idade, revelação que nem a morte seria capaz de trazer.

Jóias, usava-as em demasia, todas presentes de antigos clientes e admiradores. O seu pescoço curto estava sempre recoberto por várias voltas de valiosas pérolas amarelas. Os dedos das mãos eram o que chamavam mais a atenção, pois eles carregavam anéis de pedras tão grandes e preciosas quanto os das pulseiras que pendiam em seus já flácidos braços.

Era uma mulher sábia, astuta e bem humorada, ria sempre, de tudo e de todos, em todas as ocasiões. Ninguém seria capaz de adivinhar o menor pensamento por detrás daquele sorriso indecifrável e aparentemente tão afável. Lidava com dinheiro melhor do que qualquer banqueiro, por isto, tinha-o em demasia, pois, acima de tudo, Madame era uma mulher de negócios.

A sua clientela provinha de famílias poderosa, ricas e nobres da Europa. Fala-se que reis de continentes distantes, atravessavam os setes mares, a fim de trazer seus príncipes-herdeiros, para serem iniciados na mais antiga das artes - do amor - pelas poderosas e delicadas “mãos” de Madame ou de uma de suas beldades. Por isto, tratava muito bem e escolhia a dedo as “meninas”, que eram lindas, inteligentes e sofisticadas. Nenhuma delas viera da sarjeta. Eram mulheres saídas de conventos, de péssimos casamentos ou moças de finas origens, que se rebelavam contra o autoritarismo patriarcal e iam cair de bom grado na casa de Madame, que as acolhia, cuidava de seus ferimentos físicos, psíquicos e ensinava-lhes a serem receptivas, calorosas, risonhas e mentirosas. Ensinava-lhes a praticar o sexo sem restrições, a extrair dos homens tudo o que elas conseguissem e no menor tempo possível. Mas, com refinamento, classe e uma pitada de ingenuidade quase realista. Pois, os homens gostavam disto. Sentiam-se poderosos ante a ingenuidade e fragilidade feminina. Ensinava-lhes também e principalmente a nunca lhes dizerem a palavra que era proibida na casa de Madame: o NÃO. Como gratidão, elas a chamavam na intimidade, de “Mamã”.

Madame queria que em sua casa todos se divertissem, sentissem-se alegres, confortáveis, e assim o eram. À noite seriam sempre alegres, festivas e vibrantes, como Madame desejava. Para tanto, as “meninas” se esmeravam, e muito. Assim, as “meninas” à noite, tornavam-se mulheres deslumbrantes, suntuosas e não andavam pelos salões, mas flutuavam exuberantes, exultantes e cheias de vida.

As mulheres riam felizes, algumas riam as gargalhadas, sentadas graciosamente nas pernas dos cavalheiros elegantemente vestidos, que inebriados, cediam aos seus afetados encantos.

Uma música suave e quente vinha de um palco no final do salão, onde músicos vestidos com distinta elegância pareciam tristes, olhavam seus instrumentos sem muito entusiasmo, apesar de tocarem espetacularmente bem. À frente deles, uma bela mulher, alta, magra, de cabelos negros e curtos, vestida como um homem puxava o microfone para si como se fosse beijá-lo. Canta de forma apaixonada, algo que não entendo e não consegue tirar os olhos da mocinha loura, de cachinhos e modos ingênuos, sentada ao colo de um provecto cavalheiro na mesa em frente ao palco. Canta para ela, somente para ela, ao que, lhe retribui aquela denotada devoção, com olhares que iam do mais puro recato ao mais lascivo e abrasador olhar, apesar de não largar nem por um só momento o pescoço do seu cavalheiro, que - vaidoso pela sua conquista e distante do que se passa entre as duas - não pára de alisar seus longos bigodes, - para ele - símbolo supremo da sua imponência e evidente masculinidade.

Olhei mais uma vez por todo o salão, para cada casal que dançava de rosto colado, cada mesa, cada grupo em frente ao bar e não encontrei quem procurava. Segui então até o outro cômodo. Era mais escuro que o primeiro, com divãs distribuídos por toda a extensão do suntuoso salão, sobre os quais belas e apáticas damas se estendiam com olhares perdidos no tempo a seguirem a fumaça do ópio, que fumavam sem a menor preocupação com a minha presença ou a de outra qualquer. Como no salão anterior, quem eu desejava não estava ali. Quando já me dirigia para o salão principal, percebi que no fundo daquela sala, havia uma larga escadaria de corrimão tão reluzente e trabalhado quanto o ouro dos largos braceletes das damas semiadormecidas nos divãs. Ao aproximar-me da escadaria de mármore italiano, olhei para cima e o meu coração subitamente pareceu saltar pela boca, tentei me controlar, mas, creio que não consegui, pois o olhar que me foi devolvido continha certa compaixão. Olhei outra vez aturdida para o topo da escadaria e lá estava Sophie, linda, radiante e altiva. Senti-me envergonhada, pois, estava nervosa, afinal não sabia o que iria acontecer ou o que me aguardava. Percebendo minha insegurança, Sophie, abriu um largo sorriso e como se fossemos antigas amigas veio ao meu encontro, pegou-me pelas mãos e indicando o caminho apenas com o olhar, subimos correndo as escadarias, como crianças em dia de festa. Dobramos à direita, seguimos por mais dois andares, até que, ofegantes, entramos por um longo corredor, pisando em um fabuloso tapete vermelho, sem largarmos as mãos e ainda felizes.

As portas dos aposentos eram de madeiras muito bem trabalhadas e provavelmente muito caras. Os lustres de cristais em forma de serpentes forneciam luzes em um forte tom amarelado nos corredores dos andares superiores. Era uma casa faustuosa e toda essa beleza, todo esse bom gosto e requinte, fizeram-me esquecer, o porquê da minha estada nesta casa por alguns instantes. Olhava tudo com uma curiosidade quase infantil: o papel de parede em tom pastel, com suas pequeninas flores vermelhas, fez lembrar meus aposentos no château dos meus avós maternos, onde passávamos o verão, na Inglaterra, quando criança; os quadros dos famosos pintores impressionistas e pós-impressionistas como: “as danças” de Renoir, “os jardins” de Monet, o auto-retrato de Van Gogh, provavelmente faltando uma orelha, as romãs e peras de Cézanne, “Dança” de Matisse e o meu preferido, Lua e Terra de Paul Gauguin, pintado no Taiti antes de voltar à Paris, reinavam solenemente nos corredores em riquíssimas molduras douradas; os castiçais em ouro e prata; os consoles com seus espelhos de cristais finamente decorados. Enfim, tudo ali era perfeito e eu estava perdida em meus devaneios, imaginando quanto custara todo aquele aparato, quando de repente paramos em frente a uma porta. Estagnei, voltei rápido à realidade ao mesmo tempo em que estremeci, pois, não mais sabia o que fazia ali, queria ir embora, queria correr, fugir, quando senti a sua mão agilmente largar a minha e rapidamente girar a maçaneta dourada da porta. Senti toda a sua leveza quando me puxou com suavidade para dentro daquele quarto. As luzes não foram acesas, o que evidentemente me deixou um pouco mais calma e agradecida. Eu não queria ver nada, tão pouco queria falar. Notando o meu evidente nervosismo, caminhou com notada elegância e graciosidade até as janelas e as abriu, uma a uma. Era verão em Paris e a claridade da lua avançou tímida e suavemente por aquele vasto aposento, senti-me confortável, pois, com aquela luz, veríamos apenas o necessário ao imaginário.

Ainda me encontrava a porta, presa em meus pensamentos, quando ela veio em minha direção, pegou as minhas mãos, olhou fixamente para os meus dedos, sorriu docemente e levou-me ao leito. Era uma belíssima cama e tive medo de sentar-me, tal era o esmero com que tinha sido forrada. Eram lençóis de seda pura oriental, com desenhos feitos a mão. Senti vontade de estirar-me sobre aqueles lençóis frios, escorregadios e assim o fiz. Estava cansada e vendo-me ali tão quieta, lentamente começou a tirar as minhas roupas, fechei os olhos e rezei para que tudo acabasse logo. Mas, ao terminar de me despir, Sophie, caminhou até uma mesinha, onde continha alguns objetos reluzentes em prata, inclusive um imenso jarro de cristal repleto de flores e duas caixinhas. Pegou uma delas, puxou uma correntinha dourada, abriu a tampa e de lá saíram dois delicados e pequeninos bonequinhos, um soldadinho e uma ciganinha, que se uniram no meio da caixinha e começam a dançar ao som de um suave trecho de Carmen, de Bizet, depois a apertou contra o peito, fechou os olhos por alguns instantes e sorriu um sorriso doce e meio amargurado, como se ouvisse ecos de uma vida boa e distante. Olhou para a caixinha de música como se fosse a coisa mais preciosa do mundo. Fechou a tampa e colocou com todo o cuidado de volta à mesinha. Pegou outra caixinha da qual retirou um cigarro e sem pressa colocou em uma longa piteira negra, acendeu-o e sentou-se um pouco afastada da cama em uma extraordinária poltrona grená e começou a fitar-me de forma perturbadora, masculina e óbvia, ao mesmo tempo, em que pitava em longas tragadas o seu cigarro. Eu, que até então me mantivera quieta, deitada na cama com a canção da caixinha em meus ouvidos, senti-me incomodada, como que avaliada. Levantei-me silenciosa e caminhei até a sua poltrona, de onde como uma estátua de marfim, ainda me analisava, agora, com um interesse quase científico o que já se tornava muito desconcertante. O seu olhar violava-me e eu não queria me revelar, queria manter-me incógnita, um mistério, não apenas para ela, como também para todos, como sempre fui.

Nem o meu marido, nem os meus amantes, nem mesmo a minha família, sabiam quem na verdade eu era. Eu sou e sempre serei “uma conchinha bem fechadinha” como a vovó continuamente dizia. Eu jamais sairia desta cômoda condição. Assim, pensava que conhecia o mundo e o mundo nunca me conheceria. Por isto que o seu indiscreto olhar me incomodava tanto.

Eu não queria brincar de homem e mulher. Eu queria o que tinha medo de falar, de pensar, de sentir. Eu queria o proibido. Eu queria uma mulher. Apenas uma mulher e não uma caricatura grotesca masculina. Contudo, quando me ajoelhei nua á sua frente olhando-a profundamente em seus olhos, ela, compreendeu de imediato o que eu desejava e voltou a ter aqueles modos suaves, delicados e femininos de sempre.

Ergueu-se calma, pensativa e silenciosamente foi para outra mesinha, olhou-se no espelho, ajeitou os cabelos meticulosamente, apagou o cigarro em um finíssimo cinzeiro de cristal, limpou a piteira e a colocou de volta sobre a mesinha.

Eu observava avidamente cada um de seus gestos. Era uma mulher bonita, clássica, de modos elegantes, disputada e assediada pelos melhores, mais ricos, belos e nobres homens de toda a Europa, mas, não se deixava iludir-se por promessas, presentes ou palavras, pois conhecia a essência masculina e a desprezava de uma forma quase impiedosa. Era uma profissional, a melhor da casa. Não trabalhava todos os dias, e quando o fazia, sempre escolhia com quem se deitaria. Era uma mulher atenta a tudo e de poucas palavras, mas, alegre, inteligente e extremamente racional.

Tudo que fazia era muito bem calculado, a sua segurança quase sempre causava um misto de medo e inveja.

Quem conheceu Madame Violet na juventude diria que Sophie tinha as mesmas características psicológicas. Mas, os mais observadores diriam que eram completamente antagônicas. Sophie era mais requintada e não ria de tudo, era séria e ao mesmo tempo esbanjava uma alegria irônica que a todos contagiava. De todas as meninas de Madame Violet ela fora a mais atenta aos seus ensinamentos, a mais bela, inteligente, esperta e também a mais sofrida. A família de Sophie pertencia à nobreza, obrigando-a a casar-se - ainda menina - com o Duque Lafitte, homem de caráter violento e duvidoso, cuja fortuna e título, rumores faziam crer que vieram de forma pouco integra. Assim sendo, na noite de núpcias, o Duque, bêbado a violentou e depois abriu as portas do quarto e a ofereceu ao amigo inglês, Lorde Vichy. Belo jovem, porém, desvairado, amoral, deserdado pela família e com uma forte tendência ao alcoolismo. Estava quase à beira da falência e vez por outra, deitava-se com o Duque em busca de fortes emoções, exigências de uma mente voraz, caprichosa e alucinada. Quando tudo acabou, ela fora encontrada na manhã seguinte, pelo motorista de Madame Violet a beira da estrada, quando esta voltava à Paris, vinda de seu retiro na Côte d’Azur, que anualmente fazia. Sophie estava seminua, quase sem vida e desfigurada. Contudo, trazia uma caixinha de música prateada nas mãos a qual apertava insanamente contra o peito. Madame Violet emocionou-se com a cena e pediu ao seu motorista a colocasse dentro do carro com muito desvelo e só então seguiram silencioso e pensativo rumo á Paris.

Ao chegarem na ‘’Casa’’, todos estranharam, mas nada comentaram sobre a nova convidada de Madame, principalmente porque algumas delas chegaram até ali em iguais circunstâncias. Madame, colocou-a em seus aposentos, cuidou como se fosse uma filha, pois ainda era uma criança aos quinze anos. Carinho e atenção não faltaram inclusive um médico particular dia e noite à cabeceira de sua cama com honorários cobrados a peso de ouro, pois era o melhor de Paris.

O tempo passou. Sophie melhorava a cada dia e a sua beleza despontava por detrás dos hematomas, assim como, o imenso ódio que carregava dentro de si. Esse mesmo ódio era o que lhe dava forças para sobreviver e somente o tempo poderia aplacá-lo e foi realmente o que aconteceu. Esqueceu-se de tudo e de todos e refugiou-se para sempre na ”Casa”. Dizem que o Duque Lafitte e a família de Sophie, depois daquela fatídica noite, desesperados, nunca deixaram de procurá-la. O Duque dissera a todos que Sophie fugira com um amante na noite núpcias. Mas, o remoço (remorso) o torturava e dia após dia, ele a procurava em todos os lugares sem, no entanto, êxito algum obter. Algumas vezes estivera na “Casa”, mas, nunca a encontrou ou se encontrou não a reconheceu. Jamais viera a se casar ou ter paz. Mas, Lorde Vichy, este sim, encontrou a paz para a sua conturbada alma em meio a um coma alcoólico, em seu castelo, já quase em ruínas, sozinho, sentado em uma cadeira, com a cabeça tombada sobre a mesa, tendo apenas como testemunhas, às taças e garrafas de bebidas, cúmplices de seu suicídio, quando finalmente caiu em desgraça.

Sophie caminhou em minha direção e levou-me de volta ao leito, deitei-me sobre aquela imensa cama e fiquei ali parada por alguns instantes, não sei o que esperava, mas, estava trêmula, não sei de medo ou de excitação. Sentou-se ao meu lado, passou as mãos sobre o meu corpo e as pousou sobre os meus seios. Timidamente começou a brincar como os meus mamilos, já enrijecidos de desejos. Meus olhos cerram-se, enxergando muito mais neste momento, que em qualquer outro, quando abertos. Eles viram a rigidez dos meus mamilos quando eram tocados suavemente pelas pontas dos seus dedos, a minha pele arrepiar-se de prazer enquanto as minhas pernas abriram-se lentamente para dar passagem àqueles longos e ágeis dedos. E assim, ela, vagarosamente foi abrindo cada vez mais as minhas pernas, até que meu Monte de Vênus ficasse completamente indefeso e exposto, ao tempo em que colava os seus lábios carnudos contra os meus em um beijo, que de tal volúpia parecia sugar-me a existência. Então, vendo-me no prelúdio do êxtase, ela, com um ou dois toques, fez com que o meu corpo ficasse rígido e adormecesse por milésimos de segundos para depois explodir em chamas de um mavioso e verdadeiro prazer.

Era delicioso e eu estava deslumbrada com mais uma possibilidade de amar, com mais uma descoberta. Eu não sabia que o meu corpo poderia oferecer-me algo tão inusitado quanto aquele orgasmo. Nenhum homem até então tinha me proporcionado tal prazer e eu estava maravilhada por dar-me conta de que não era uma anorgásmica como pensava, por estar fazendo sexo com outra mulher, por não fingir em ter prazer e acima de tudo por não termos agido como um casal. Sem objetos fálicos, sem subjugações, sem dores. Só e unicamente desejos e prazeres. Eu não queria entender nem pensar, apenas sentir. E neste momento nós sentíamos tudo, todos os elementos estavam em nós. Éramos todo o sentimento e toda a beleza ao mesmo tempo. Estávamos em comunhão com nós mesmas e com a vida. Estávamos em paz.

Amamo-nos a noite inteira e seguimos pela madrugada, com a delicadeza e a desenvoltura das garças ao crepúsculo e quando os nossos corpos sobrepujavam a euforia luxuriante das nossas mentes, abraçadas adormecemos. Enquanto isso, o dia timidamente, sem querer incomodar chegou até a janela e não se escandalizou com o que viu, ficou para sempre imortalizado nos ponteiros do relógio que o tempo jamais se atreveu a mudar.

Afinal, aqueles eram anos festivos, alegres. Porém, de uma festividade e alegria notoriamente melancólica. Os fins dos anos 20 e a Paris nostálgica daqueles tempos não voltariam jamais e mereciam, portanto, serem eternizadas naquela cena que expressava toda a leveza pueril daquela época. A minha “Belle Époque”.

FIM

By Nádia Ventura