HOTEL LINDA DO ROSÁRIO

(PARTE UM)

NUESTRO JURAMENTO

"O amor eterno é o amor impossível.

Os amores possíveis começam a morrer

no dia em que se concretizam".

Eça de Queiroz

O dia dos namorados é sempre um dia em que se festeja o amor em tom maior. Dia do amor, dia de amar o bem de amar. Porque faz bem amar na proporção de receber o amor de quem festeja o bem em nos amar.

"Grava-me, como um selo em teu coração,

Como um selo em teu braço;

Pois o amor é forte, é como a morte,

Suas flechas são como flechas de fogo,

Uma chama do Eterno".

(Ct 8,6)

Eis como se compõe o dia dos namorados, transposto inteiramente da linguagem visual de um cartão postal para a da poesia de Salomão. Porque no cartão postal uma bela mulher de cabelos ondulados e modos impudentes agarra o amado amante pelo ombro com a mão direita, enquanto outra, de cabelos louros, com gesto casto de sua mão esquerda faz apelo ao coração do objeto amado; enquanto isso, do alto, um menino arqueiro, alado, está prestes a lançar flecha em chamas ao outro ombro do rapaz. Imaginando a cena deste cartão postal, não se ouve voz dizer: "Eu te encontrei, meu amor" ou outra: "Aquele que me procura me encontra". Não se reconhecem a voz da sensualidade, a voz do coração e a flecha de fogo do alto, do qual fala o rei Salomão.

Amar em sua totalidade é praticar o voto da castidade que é o fruto da obediência e da pobreza. A escolha ditada pelo amor é de alcance maior do que o vício e a virtude. Aqui se trata em escolher a via da Obediência, da Pobreza e da Castidade ou escolher a via do Poder, da Riqueza e da Luxúria. Em essência, os três votos são recordações do Paraíso, no qual o homem estava unido a Deus (Obediência), no qual tinha tudo ao mesmo tempo (Pobreza) e no qual sua companheira era também sua mulher, sua amiga, sua irmã e sua mãe (Castidade). Porque a presença real de Deus acarreta necessariamente a ação de prostrar-se diante Daquele "que é mais eu do que eu mesmo" - e aqui está a raiz e a fonte do voto de Obediência; a visão das forças, substâncias e essências do mundo na forma de jardim dos símbolos divinos ou Éden significa a posse de tudo sem escolher, sem pegar, sem apropriar-se de alguma coisa particular, isolada do todo - e aqui está a raiz e a fonte do voto de Pobreza, enfim a comunhão total entre o Único e a Única, que abrange a escala de todas as relações possíveis do espírito, da alma e do corpo entre dois seres polarizados, comporta necessariamente a integralidade absoluta do ser espiritual, anímico e corporal no amor - e aqui se encontra a raíz e a fonte do voto de Castidade. Só é casto quem ama a totalidade do seu ser. A castidade é a integralidade do ser não na indiferença, mas no amor, que é "forte como a morte e cujas flechas são flechas de fogo, a chama do Eterno". É a unidade vivida: Té és EU, eu sou TU, somos NÒS. São três: espírito, alma e corpo, que são um, e outros três: espírito, alma e corpo, que são um - três mais três fazem seis, e seis são dois, e dois são um. Tal é a fórmula da Castidade no amor. É a fórmula de Adão-Eva. Ela é o princípio da Castidade, a recordação viva do Paraíso. O amor é forte como a morte, isto é, a morte não o destrói. Por que o amor não é mais forte que a morte ou mais fraco que a morte? Se o amor fosse mais forte que a morte, deixaria de ser amor, justamente porque amor se confunde com a morte, isto é, quando amamos deixamos "morrer" a vida de solteiro, por exemplo, para deixar nascer a vida de casado. Se o amor fosse mais fraco que a morte, também deixaria de ser amor e se deixaria dominar pela paixão ou outro sentimento qualquer, distanciado do que vem a ser amor. A morte não destrói o amor porque ela não pode fazer esquecer, nem fazer cessar de esperar. A arte do encontro é peremptório quando descobrimos que estamos cercados de inúmeros seres vivos e conscientes, visíveis e invisíveis. Embora saibamos que eles existem realmente e que são tão vivos como nós, parece-nos que eles existem menos realmente e que são menos vivos do que nós. Na percepção intensa da realidade, para nós, somos nós que vivemos, enquanto os outros seres, em comparação conosco, parecem-nos menos reais; a sua existência tem mais da natureza de uma sombra do que da realidade completa. O nosso pensamento nos diz que é uma ilusão, que os seres fora de nós são tão reais como nós; mas é inútil, porque, apesar disso, nós nos sentimos no centro da realidade e vemos os outros seres como que afastados desse centro. Qualifica-se essa ilusão de "egocentrismo", de "egoísmo" ou de ahamkara ("ilusão do eu") ou de "efeito da queda primordial", nada disso tem importância, uma vez que nem por isso ela cessa de nos fazer sentir-nos como mais reais do que o outro. Ora, sentir alguma coisa como plenamente real é amar. É o amor que nos desperta para a realidade de nós mesmos, para a realidade do outro, para a realidade do mundo - e para a realidade de Deus. Nós nos amamos sentindo-nos reais. E não amamos - ou não amamos tanto quanto a nós - os outros seres que nos parecem menos reais. Ora, duas vias, dois métodos bem diferentes podem libertar-nos da ilusão de "eu vivo - tu sombra", e a escolha cabe a nós. Uma consiste em extinguir o amor a si mesmo e em tornar-se "uma sombra entre as sombras", é a igualdade na indiferença. Eu sombra - tu sombra. A outra via ou método consiste em alguém estender aos outros o amor que tem a si mesmo, a fim de realizar a fórmula: eu vivo - tu vivo. Trata-se de tornar os outros seres tão reais como ele, isto é, de amar o próximo como a si mesmo. Porque amor não é programa abstrato, mas substância e intensidade.

Baseado neste tratado é que me proponho a narrar um conto maravilhoso, transcendente, íntegro porque foi correto, absoluto porque foi único. À medida que este conto vai caminhando à seu final, o leitor poderá formular um julgamento se este amor entre Jayme e Irene é "eu vivo - tu sombra", ou "eu sombra - tu sombra" ou "eu vivo - tu vivo".

Há 34 anos que aquele quarto respira amor. Hotel Linda do Rosário, linda para amar um amor lindo, verdadeiro e eterno. Ternos momentos vividos Jayme e eu: Jayme, entre o meu amor e o amor que ele nutria por mim, adentrou em meu coração apaixonado, nele se instalou e vivemos lindos momentos de ternura e beijos. Aquartelados naquele recanto escolhido por nós, no centro do Rio de Janeiro, próximo aos nossos trabalhos, servia de palco para aquele amor de luz. Aquelas paredes, testemunhas vivas dos nossas respirações rápidas, entrecortadas de gemidos e beijos, guardam o segredo do nosso silencioso amor. Hotel Linda do Rosário era o ponto do nosso encontro, no mesmo andar, no mesmo quarto, no mesmo piso, no mesmo ar e na mesma cama. Jayme alugara aquele quarto exclusivamente para os nossos encontros. O trânsito do centro da cidade, na hora do almoço, na hora do nosso amor, silenciava, dando lugar aos sons repetitivos a pequenos intervalos dos pássaros, a pleno meio dia de um sol escaldante, lá fora, é claro, porque em nosso quarto, aquecidos, Jayme e eu vivíamos a intensidade do encontro que sempre aconteceu e sempre viveu em cada um de nós. Sinto, se o abraço, um coração a pulsar. Será o meu. Será o de Jayme ou será o do quarto a nos esperar? Pouco importa. Faz-me bem amar aquele homem que me ama com fervor. Quando estou com ele, sinto-me segura, cheia de esperança e guardo dentro de mim ótimas recordações deste amor que me inebria.

- Irene, costumo pensar neste nosso esconderijo como sendo um velho barco cortando a custo um rio pardacento e cheio de lama. As paredes nuas e pintadas de um verde suave do quarto, eram como se fossem uma grande floresta. A escuridão de uma noite tempestuosa a nos envolver. - Jayme disse isto e baixou a voz. Apontou num gesto vago os vagos recantos do quarto penumbroso devido as janelas estarem fechadas preservando a nudez apaixonada do casal cheio de amor - este recinto está cheio de vozes, as nossas vozes, neste meu velho barco.

http://www.youtube.com/watch?v=HCPkNOAeoOY

clira
Enviado por clira em 06/06/2012
Reeditado em 12/07/2017
Código do texto: T3708249
Classificação de conteúdo: seguro