ROSA
ROSA
Rosa calada … cansou de ouvir referirem-se a ela assim … a Rosa calada, quieta , sem e nem que a manifestar. Por dentro, ora ria, ora chorava. Se conhecia. Era mulher de opinião, de conceitos definidos, de visão clara. Mas cedo aprendera que o melhor era calar. Primeiros os pais, especialmente o pai que proclamava as virtudes da boa mulher, ao mesmo tempo em que a qualquer pretexto, “corrigia”a sua. Lembra de ver a mãe chorar baixinho, sofrer calada, apanhar resignada, aceitar sua sina de mulher.
Nas poucas vezes em que tentou mostrar a mãe que isto estava errado, foi repreendida. Ouviu da boca da mãe as palavras ditas tão freqüentemente pelo pai. Pequena, medrosa, acovardou-se.
Aos vinte e poucos anos casou. Ele tinha quarenta e fora “escolhido” pela família. Como num “moto-contínuo”tudo se repetia.... ela apanhava regularmente umas vez por semana, ou se a saída com os amigos acontecesse (excepcionalmente)uma segunda vez, então eram duas vezes na semana. Ele chegava, algumas cervejas a mais e nunca, nada parecia satisfaze-lo. Falar ela não falava, quase nunca, quase nada. Mas não dependia disso. Algumas vezes o motivo era ela estar a esperá-lo, noutras, já estar dormindo. Havia ainda a possibilidade de ele “enxergar” um olhar diferente, ou então um perfume no ar, ou ... qualquer coisa que sua mente insana, “avariada” pela bebida, pudesse conceber.
Nos outros dias, casal exemplar, eles iam a missa juntos, passeavam, visitavam parentes. Ele aparentando felicidade, loquaz. Ela silenciosa, a Rosa calada. Não entendida porque não explicada. Nunca se abrira com ninguém, os parentes, amigos não conheciam sua história. Achavam engraçado, ela sempre calada, monossilábica. As vezes (sem um motivo aparente) um meio sorriso bailava em seus lábios e um brilho entre travesso e fugaz no olhar, poderia ser visto por alguém mais atento.
O tempo passou, deu voltas e voltou. Ele teve um derrame, que tirou-lhe a fala, o andar, a força nos braços ... e Rosa sempre tão calada, pôs a boca no mundo, contou a que veio, expôs suas idéias... não parou mais.
E todos calaram. Havia sabedoria na voz da Rosa calada.