O Lamento da Aurora

A noite chega como indiferente. Surpreende-me a maneira como o céu se modifica ao seu favor, e assim se cria o crepúsculo que envolve meus pensamentos até certa hora.

Poderia cantar mil canções nesse pequeno tempo para ela. E o que me restou? As sobras de sua voz taciturna antes de jazer naquele sepulcro. Ali é onde eu me redimido. Onde pago meus pecados. Onde sinto o porque da minha existência valer apena. Aquela pequena hora antes do sol explodir com minha visão, queimar minhas vestes e rasgar meu corpo.

A hora da aurora. É lá que consigo viver meu mundo ao lado dela.

Arrasto-me para minha cova, sem vontade. Não consigo dormir, fazem mais de mil anos que não durmo. Sofro, sofro e não consigo me acostumar. Meus pensamentos não são outros no dia. São sempre, e sempre serão voltados para àquela hora, em que estarei ao lado dela.

Finjo um sono. É o que me permito fazer, as horas parecem transcorrer rápido dentro do meu caixão. Mais lá em cima, consigo escutar o estúpido relógio que conta as horas numa velocidade que chega a ser infernal para mim. Levanto-me. Não me dou ao luxo de ir como eu quiser para ver-la. Arrumo-me, ponho minhas melhores roupas e penteio meus cabelos.

Hoje é um dia especial.

Faz exatamente quarenta e nove anos desde sua morte. E um buque de rosas vermelhas e brancas é o meu presente. Subo as pequenas escadas que antecedem o salão principal da igreja e sigo para fora.

Os brilhos suaves do céu me envolvem. O cinza me contorna e o azul me carrega. Deixo me levar, como sempre faço. Fecho os olhos e sinto a sua paz percorrer pelas minhas entranhas. Kathryn está a minha espera. Abro os olhos.

Está linda como sempre. Vestindo uma manta branca até os joelhos e recheada de pedras preciosas. Seu sorriso é mais doce do que de costume, e dessa forma nos cumprimentamos. Sinto o frescor dos seus lábios e meus pelos se eriçam.

- Eu te amarei por todo o sempre. – Entrego o buque de rosas.

Está nevando, e isso me traz recordações remotas de um passado cruel. Tento não lembrar mas é inevitável. O sangue ainda flui do seu ventre manchando aquele chão celestial.

Ela corre de mim. Mas também sabe que no outro segundo estarei na sua frente. E é o que acontece, jogo ela no chão e começamos a rir um do outro. Mais beijos e abraços.

A vida é tão traiçoeira para min. A aurora se passa. Eu sinto o calor aquecendo aquele céu nublado. Sinto a morte chegando sorrateiramente. Deleito-me nos seus braços e fixo os seus olhos. A aurora passa e a manhã nasce. Um novo dia renasce.

- Te amarei por todo o sempre. – repito e ela sorrir. Eu correspondo com um beijo. Deixando meu ultimo ato carnal naquele mundo.

KrisTelles
Enviado por KrisTelles em 02/06/2012
Código do texto: T3701128
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