Alice underground
Dormente. Se quiseres saber, era assim que ela se sentia. Depois de ter sentindo tanta dor que nem reagir conseguia mais. Nem conseguira, naquele dia, se levantar da própria cama. Tentou arrancar da própria dor a cura, incansavelmente procurou por uma solução, contudo, com todas as frustrações possíveis, se calou e percebeu que esse sentimento dilacerante permaneceria como facadas diárias. O amor tem dessas coisas, afinal ele nunca vem sozinho.
Aprendeu que o amor constrói tudo, também aprendeu que na mesma medida pode ser destrutível, fazendo viver sob os escombros da demolição. Para a garota, viver não era exatamente a palavra correta. O correto seria sobreviver. Pois é... Ela havia achado essa palavra e estava convivendo, comungando com ela. Agarrou-se a sobrevivência, e da sobrevivência vivia. Sobrevivendo sob os escombros da demolição se perguntava como era possível seu coração parar de bater e ainda possuir forças para tentar respirar? Foi exatamente assim que aconteceu com ela desde que tudo acabou mesmo sem terminar nada... Perdera todas as funções do corpo, parecia que vivia em um coma, não sabia mais distinguir o que era real do que poderia ser pesadelo.
Quando olhou pela primeira vez aqueles olhos cor-de-mel, três anos atrás, não conseguiu pensar em mais nada. Viu-se refletida neles e não quis mais se ver em qualquer outro olhar. Do nada havia percebido que, de alguma forma, se reconhecera. Assustou-se. Cambaleou vacilante, desviando o olhar. Sorriu para disfarçar. Nesse exato momento ela havia conhecido o que de longe convivia, de perto mais temia: A sua fraqueza. A pior de todas as dores. Por que foi isso que o sentimento lindo e intenso que ela sentia havia virado: dor.
Dentre tantas coisas que ela deveria saber, só sabia de uma delas: jamais tinha amado até ele aparecer. Foram se conhecendo, tornaram-se amigos; grandes amigos: de confissões, segredos, buscas, encontros, risos, lágrimas, abraços... Sabiam sempre à hora de falar ou silenciar, mesmo quando queriam dizer muita coisa, pois o silêncio já dizia por si só. Em um determinado momento perceberam que amizade já não era o suficiente. Não era só amizade o que queriam, ela tinha medo o que esse sentimento que estava descobrindo poderia lhe causar, talvez fosse mexer com toda a racionalidade que possuía; de fato estava certa. Queriam mais que amizade, queriam um ao outro, era uma necessidade de todo o dia, de querer ficar perto o dia todo. Tinham mais que amizade e nem percebiam, se amavam mesmo sem se beijarem, porém amizade não era mais o nome.
Ela se deu conta de que sem ao menos perceberem, construíram o alicerce para abrigar o sentimento que jamais encontrariam novamente. Em sua mente, a garota sabia que seria a primeira e última vez que guardaria dentro de si o que a transbordava. E tudo que não passava de brincadeiras de amigos ficou mais sério do que imaginavam.
Passaram-se os dias, meses, os sentimentos foram aumentando os desejos também, esperavam pelo momento certo. Na realidade, ela esperava pelo momento certo. Ele tinha a certeza do que queria; não quer dizer que ela não tivesse, mas queria que tudo fosse “romanticamente” calculado, queria que os sentimentos fossem construídos pouco a pouco e que quando estivessem “prontos”- ela não sabia o que seria exatamente “estar pronta”, mas sabia que esse dia chegaria e ele houvera aceitado suas condições - De fato, estava certa finalmente o dia chegou.
Estavam sentados, conversando em um banco da praça que sempre frequentavam juntos. Em apenas um instante as palavras faltaram, eis que era chegada a hora. Ela sabia disso. Olharam-se. A menina cujos olhos castanhos brilhavam e sorriam, pois bem os seus olhos sorriam juntamente com seus lábios, já não tinha mais medo. O medo desaparecera, os receios já não se chamavam receio... Era outra coisa que nem ela mesma sabia. Começaram a surgir borboletas... Aquelas borboletas que dizem que temos quando nos apaixonamos pela primeira vez, que ficam dentro na nossa barriga e insistem em ali permanecer.
Para ela os olhos são a melhor parte do corpo, pois quando calamos, eles falam por nós. Naquele momento não só os olhos se encontraram como também seus lábios se encontraram e repousaram em um silêncio gritante e profundo. A partir desse momento, passaram a serem eternos namorados. Entretanto nem tudo é como a gente quer, e ela sabia disso.
Ele era o seu melhor e maior sorriso, seu sol, passavam horas conversando, implicando um com outro, tinham sua maneira própria forma de dizer que se amavam muito. Viveram momentos inesquecíveis, guardaram cada detalhe para jamais se esquecerem do que eram e do que jamais queriam deixar de ser, porém como todo amor, amar não é suficiente. Mesmo sem armas ou exércitos sabiam que teriam que lutar contra os obstáculos, as dificuldades que surgiam; tinha que lutar para o amor viver. E até um determinado momento estavam conseguindo. Ela não sabia o que fazer quando soube da sua traição, ele não aguentara esconder dela, por que era fato que não sabiam esconder, um do outro, qualquer mínimo segredo possível. Tentara perdoá-lo, pois não sabia o que fazer, mas sabia o que sentia todas as vezes que colocava a cabeça em cima do seu travesseiro e lembrava, chorando, das promessas descumpridas e como foi idiota a tal ponto de acreditar que ele seria diferente da sua própria natureza. Perguntava-se constantemente por que as pessoas amam, mas traíam. Perguntava-se também se seu “conceito” de amor – se é que há um, pelos menos algum indicio – era diferente das outras pessoas. Não acreditava como que depois de ter se dedicado tanto a alguém, esquecera de se dedicar a si própria. Toda vez que a dor tinia lembrava-se de dois versos de um poema de Augusto dos Anjos que jamais parou para refletir:
“[...] O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma mão que te apedreja [...].”
Cada ação dele, agora, a incomodava, mesmo ele pedindo perdão ela ainda se sentia traída, a dor ainda a corroía, e ele sabia que já não era a mesma coisa, sabia que era culpado, sabia que perdera a pessoa que mais amava, mesmo ela estando ao seu lado já não era mais ela. Já não sorria com os olhos, seus sorrisos eram fingidos, para mostrar que estava tudo bem. Ela de fato estava tentando deixar tudo bem, mas as lembranças de tudo a deixava infeliz, pensativa...
Os dias foram passando e a menina já não aguentava mais a situação, a dor só aumentava e doía ter que mentir sobre o que estava sentindo para ele, não aguentava mentir quando ele a perguntava se ainda era feliz com ele... Vivia mais pelas lembranças do que se foi do que o que estava sendo. Sabia que o amava e mesmo o fato do que havia ocorrido, ela sabia que ele a amava também. Não queria prosseguir sem ele, não queria deixar tudo o que construíram morrer. Contudo como poderia arrancar essa dor? Não sabia ser meio feliz, meio sorridente. Para ela o meio-termo era o lugar mais entediante do mundo. Sabia que com ele era feliz, ele a fazia sorrir, fazia ela se sentir bem melhor. Quando ele não estava com ela, surgiam às perguntas, dúvidas, a dor...
Vivia um dilema, pois sentia que mesmo sofrendo, mesmo doendo era com ele que queria estar, porém às vezes desejava nunca ter se entregado de corpo e alma a um sentimento, já era tarde demais para pensar nessas coisas. Também tinha consciência que sem ele não sofreria menos, não deixaria de sofrer, muito pelo contrário... Sofreria ainda mais, quando chorava sabia que só o abraço dele já era o bastante. Ela sabia que ele se sentia mal por tudo que a fizera e queria tirar essa dor dela, mas nada que ele fazia tirava a tristeza e arrancava a dor, por melhor que fosse a intenção e por mais que a fizesse sorrir. Já não se aguentava mais, já não aguentava ter que olhar seu reflexo no espelho... Pedia a Deus, todos os dias, que a levasse daquele lugar, que pudesse descansar em paz, porém Deus não atendeu seu pedido, queria que ela vivesse, ela não sabia o porquê. Por isso, tomou uma decisão que arrancaria a sua dor, talvez, que conseguiria viver sem ele, talvez também, porém não prosseguiria para lugar algum. Não seria uma solução, seria um meio que apenas encontrara para fugir.
Trancou-se em seu quarto. Pegou todos os remédios que tinha. Ligou para ele pela última vez, queria ouvir sua voz pela última vez, falou tudo que sentia pela última vez. Provavelmente ele ficou um pouco sem saber o porquê ela estava falando como se fosse um adeus. Disse para ele que havia escrito uma carta bem bonita para entregá-lo, que no outro dia seguinte ele fosse buscá-la. Escreveu a tal carta de despedida, com todas as lembranças e dores, alegrias que deixara para trás a partir daquele momento. Pegou todos os remédios, fez a sua última oração, ao som da música Circle do Slipknot, na hora que tomou os remédios, disse seu último eu te amo, nesse momento tocava a parte da música que dizia:
“ Tudo que eu quis são coisas que eu já tive antes
Tudo o que eu precisei, eu nunca precisei tanto quanto preciso agora
Todas as minhas perguntas são respostas para os meus pecados
Todos os meus finais estão esperando para começar
Eu sei o meu caminho, mas não tenho coragem
Eu não posso sentir medo da minha paciência
Existe um lugar sagrado onde residem lembranças
Siga-me...eu tenho visto tanto que estou cego de novo
Siga-me...eu me sinto tão mal por estar vivo de novo
Siga-me...”
Assim se despediu Alice do seu grande amor, das dores nunca saberemos. Sabemos de uma coisa...
Levou consigo a sua maior fraqueza e a sua maior felicidade. Deitou e dormiu sorrindo com os olhos.