Dois Garotos (Parte 3 de 3)

(Parte 3 de 3)

Ele tirou a camisa para exercício, e foi essa a primeira vez que pude ver o seu corpo. Embora estudássemos na mesma sala, R. era ligeiramente mais velho. Eu tinha 15; ele, 17. Assim sendo, seu corpo já era mais formado. Nada fenomenal, mas diferente do meu, magro, ainda no processo de crescimento. Ele estava de cavanhaque, o que o deixava mais sedutor, e o seu peito era coberto por pelos grossos, que nasciam na barriga reta, por onde caminhavam em trilha até o tórax, por cuja superfície se espalhavam de forma harmoniosa.

Seus braços não eram musculosos (e por que deveriam ser?), mas seus ombros eram largos. Mais que os meus. Ombros nos quais eu queria me encostar, naquele momento. Ou melhor: para os quais queria me atirar, sem pudor, sem vergonha, sem pensamentos... Não era vontade do sexo. Se viesse, seria consequência. E não ali. Era a vontade de amar, pois finalmente eu sabia que seria também amado.

Então, olhei para baixo. Mirei as suas pernas, seus pés calçando tênis encardidos. Enquanto subia o olhar, meu rosto queimava, meu coração saltava, minhas pernas bambeavam, parecia que o tempo havia parado por e para nós. Ele simplesmente me olhava. Eu havia acabado de sair do banho, estava com a toalha enrolada. Fora isso, nu. Mais de alma que de corpo.

Ele se aproximou ainda mais. Por timidez, desviei os olhos. Mas, por instinto, pegamos um na mão do outro. Um momento único.

Quando se quebrou o silêncio.

R. me dizia que sentia falta das nossas conversas, das nossas músicas e risadas. Sentia falta da nossa amizade. Do nosso mundo. R. me disse pausadamente que sentia a MINHA falta. Eu concordei, disse que também sentia o mesmo e que não tinha mais medo. Ele assentiu, como se dizendo “eu também não”. E nos beijamos. Valeu a pena ter esperado por aquele momento, a minha primeira verdadeira experiência no amor. Nossos peitos, braços, pernas, corpos... nossas arquiteturas se fundiram, éramos um templo construído de amor e desejo. Não nesse dia, mas foi com ele minha primeira experiência no desejo, e eu fui a primeira dele com alguém do mesmo sexo.

No ano seguinte, ele se alistou e foi servir o Exército. Era também um sonho seu, já que toda a família era de combatentes. Então, passou a estudar à noite. Como meus pais, que até então não sabiam da gente (sequer de mim), não permitiram, não troquei de turno, o que não impossibilitava nossos encontros. Meu Deus, era tudo tão rápido! Às vezes só conversávamos, um beijo rápido na escada de incêndio, outro um pouco mais demorado no banheiro, um final de semana e outro recompensavam toda a angústia da saudade... Eu pensava que nada poderia nos separar.

Quando de repente, um ano depois, o pai dele é transferido, e toda família deverá ir para outro estado. Não quero narrar nossos últimos momentos, para que transcrever dor e tristeza, se os instantes de prazer e amor foram tão maiores e intensos? Ele havia se separado da namorada, que imaginávamos até desconfiar o motivo, e durante esse um ano e meio havia sido somente meu, total e completamente. É isso que sempre me importará. Sim, a distância nos separou. A vida, jamais.

Falamos por um tempo, mas aos poucos fomos nos perdendo. Embora não se importando com os comentários que nossos colegas faziam, ele nunca assumiu nossa relação. Dizia que éramos namorados, tudo em tom de brincadeira, talvez justamente para que não suspeitassem ainda mais. Por não querer perdê-lo, também não nos assumi. Mas para que essa necessidade boba de ter de provar que se é feliz, já que a felicidade se vive, e pronto?

Dois garotos, é o que éramos. Agora, homens, maduros, não sei se essa mesma felicidade seria a mesma, passados quase 20 anos. Hoje, temos outra cabeça, conceitos, já somos corrompidos por uma tal impureza nos sentimentos. Soube pouco dele, através de uma amiga. Sei que voltou para o Rio de Janeiro e que está casado – com uma mulher. Mas nunca nos encontramos, nem falamos, sequer por e-mail.

Quanto a mim, homossexual assumido e muitíssimo bem-resolvido, já vivi outros relacionamentos, estou há anos com uma pessoa. Mas meu coração não esquece, e acredito que o dele também não. Um amor de verdade, perdido, guarda-se em algum canto do peito e da memória, às vezes em uma gaveta secreta. Mas esquecê-lo? Nunca.

Lutamos contra muitas probabilidades, não vencemos todas. Mesmo assim, isso não faz desta uma linda história de amor?

FIM!

Dan Niel
Enviado por Dan Niel em 21/05/2012
Código do texto: T3680547
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