Pep e Penelope
PEP E PENÉLOPE
Na fila da matrícula para o curso de cinema, Pep pensava na doce utopia da convivência complementar dos opostos, tema desta poesia:
Você poderia ser de Vênus
E eu seria de Marte
Você poderia viver no mar
E eu poderia ser um pássaro
Já se você fosse uma ilusão
Eu te tornaria realidade
Pois mesmo que você andasse no Sol
Eu seria sua sombra
Quando ficaríamos juntos
Amantes para sempre
Cuidando um do outro
Quando agora, duas vezes por semana, encontraria-se ali com Penélope, para em meio ao estudo da Novelle Vague retomar a convivência passadas mais de duas décadas.
Reencontro ocorrido nas redes sociais, para agora, com o estudo de um movimento cinematográfico revolucionário, tudo se tornar muito mais inspirador: "Retratar o real de forma metafórica. Transgressão, juventude, crítica, discussão, cinefilia, memória e polêmica. Cinema ativista".
Avisou de te-la matriculado neste curso? Ora! nem seria necessário. Pois agora, durante dois meses, estariam lado a lado na sala de aula, aproveitando para na saída circular um pouco pela noite.
Fim da primeira aula onde ao sabor daquelas conversas intimistas, sem roteiros pré estabelecidos - como se eles mesmos fossem Jean Seberg e Jean Paul Belmondo, em Acossado - passearam pelas alamedas ao redor até entrar em um bistrot onde se anunciava o Festival do Gim Tônica.
Gim que na fórmula tradicional leva zimbro - coentro, angélica e alcaçus - quando nos rótulos de certas marcas importadas, mais inovadoras, entram-se agora ingredientes originários de diferentes lugares do mundo: flores de lótus, chinesa; papoula branca, da Turquia; e o Dragon Eye, vietnamita.
"Spicy Orange" o nome desta etílica engenhoca, que acrescentava modernidade à alma poética do velho gin-tônica, assim celebrado por mais de meio século: "O Gin-Tônica é um drink que pertence àquela seleta lista de casais perfeitos, que por acaso se juntam para se completarem de um modo tal, que depois do primeiro encontro nunca mais se separam".
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Na aula seguinte Penélope anotou na aula: "Na Nouvelle Vague a câmera não segue muitas regras ou definições: conceito da 'câmera-stylo' onde o cineasta é igual a um escritor que ao invés da pena escreve com a sua câmera".
França do meio do século XX, onde surge um movimento disposto a fazer cinema com produções de baixo custo, centrada nos diálogos dos personagens, e suas questões psicológicas e existenciais.
Neste caso, se para um escritor basta dispor de sua caneta para escrever um livro, então da mesma maneira bastaria ao cineasta uma simples câmera para realizar o seu filme. Até que acabada mais uma aula os dois foram conhecer o "Fada's Green Bar", onde o absinto era servido como manda o figurino - com a água gelada despejada sobre uma colher perfurada que se sustenta em um torrão de açúcar - momento em que "a fada verde", como o Absinto é chamado, lentamente é vertida sobre o torrão.
Ritual etílico que instigava a imaginação dos presentes - já na estratosfera das ideias - quando a bata de losangos verdes de Penélope fez com que brindassem a ela como sendo a própria fada verde. Clima de euforia que obrigou Pep a colocar limite na brincadeira: - Ei pessoal: confraternizem mas sem tocar na nossa Fada Verde, ok?
Rejuvenescido pela companhia desta bela mulher, hoje ainda mais bela do que há vinte anos atrás, no entanto, passados dois dias, ela deixou um bilhete debaixo da porta dele: "Gosto de sair com você, mas não da ressaca do dia seguinte. Paro por aqui". Noite em que Penélope não foi ao curso. Por isso Pep saiu da aula sozinho e seguiu em direção a um daqueles pé-sujos, do centro da cidade... afinal para que tanta sofisticação...
Entrou e pediu aquele que já foi considerado o pior drinque do Brasil, embora rápido para te deixar de pileque. Ele o famigerado Rabo de Galo: bomba etílica feita com uma 1 dose de Pinga bem barata; mais uma dose de vermute tinto, da pior qualidade. Assim estaria livre de querer impressionar alguém. Saídas a dois para beber em bares sofisticados, que não passava de pretexto para estar mais tempo ao lado de Penélope. Na visão daqueles drinks exóticos a sugestão velada: de que as combinações mais improváveis poderiam dar certo. Ela uma workaholic escrava dos seus horários e ele um flaneur que a vida toda sequer relógio usava.
Mas será que beber realmente faz mal? Respondeu-lhe o dono do boteco:
- Pixinguinha dizia que beber faz é muito bem; este o argumento do Rei do Chorinho: "O camarada que não bebe tem segredos inconfessáveis, guarda recordações terríveis do passado, e quem sabe cometeu crimes inomináveis - quiça é um homicida - quando exatamente por isso teme revelar os seus mistérios, estimulado pelo álcool "
Bem, o Pixinguinha podia tudo! Já para Pep restava pedir mais um rabo de galo e dar por encerrada aquela melancólica noitada... Para duas semanas depois Penélope enviar-lhe vários torpedos com esta mesma mensagem: "Que tal um Orange Spice lá no Astor (poxa! foi mal aquele meu outro bilhete: sorry!)".
Sinceramente...
Essas operadoras de celular ofereciam planos de telefonia, com um numero x de torpedos grátis - mas com prazo de vencimento para usá-los - quando no ultimo dia do mês então a pragmática mulher então dispara todos eles de uma só vez (e fazia isso só para iludi-lo, para faze-lo pensar que a companhia dele era muito desejável, quando o que ela pretendia mesmo é não perder a sua quota; refletia Pep, desesperançado).
- Mas que negatividade é essa, meu amigo! disse o compadre, Netão:
- A vida te sorri novamente e no primeiro contratempo você já quer dar as costas para ela, por excesso de suscetibilidade? - Pois vá procurá-la, sem medo de ser feliz! No caminho vá cantarolando os versos daquela música do Reinaldo, o Príncipe do Pagode: "Veja bem nosso amor é perfeito/ Pois até nos defeitos sabemos nos superar/ Lembro sim, maus momentos passamos/ Mesmo assim suplantamos por confiar".
Mas Pep não foi...
Preferiu ficar...
Dias depois ela deixa outro bilhete para ele. Nele a razão daquele brusco distanciamento: "É que nós budistas acreditamos que a vida é uma ilusão. Dai não devermos nos apegar a nada, pois tudo é impermanente, transitório e ilusório".
Idiota! Idiota! Mil vezes idiota!!
Ou como ele não percebeu - sobre estes anos todos em que os dois não se viram mais - dela ter se tornado uma budista de carteirinha... Neste caso nada mais imbecil do que pretender levar uma seguidora do Dalai Lama para a boemia. Lugar, como se sabe, destinado a despertar desejos e incitar veleidades; algo em relação ao qual os budistas queriam mais é distância.
Bem, pelo menos agora ele entendia aquele sorriso do gato de Alice que ela expressava no tour dos dois pelos bares, sem que ele soubesse dizer se aquilo era sinal de agrado ou desagrado...
Sonhos de amor e desejo? Ele de Marte, ela de Vênus?
Mas quanta bobagem! Já que tudo não passava de uma grande quimera. Antes ele tivesse trocado a ida dos dois àqueles bares transados, por uma ida a um templo budista, onde repetiriam muitas vezes “Om Mani Peh-meh Hoon ". Mantra que além de aumentar a compaixão ajudaria a Pep superar a visão superficial que tinha do amor.
Oportunidade, aliás, que dali para frente não faltaria. Já que depois, habitualmente, Penélope twitava frases de Gautama Sidarta para os seus amigos budistas, e mandava estas mensagens também para Pep, que assim ao menos se conformaria da sua sorte em grande estilo:
"Viver apenas um dia e ouvir um bom ensinamento é melhor do que viver um século sem conhece-lo (Sidarta Gautama)".
Roberto400 / Cine Astor