Dois Garotos (Parte 2 de 3)
(Parte 2 de 3)
Na semana que se seguiu, voltei à escola e encontrei R. bastante estranho. Perguntei o porquê, e ele não deu voltas para me responder. Disse que estava muito magoado comigo, que éramos amigos, e que amigos verdadeiros não esquecem o aniversário um do outro. Disse que havia ido à minha casa para receber de mim os parabéns, e eu havia me esquecido. De fato, eu não disse. Mas não esqueci, apenas não tive coragem de parabenizá-lo. Não entendia, mas na hora me faltaram forças e palavras. Não queria somente apertar a mão dele, nem bater nas suas costas. A minha vontade era de abraçá-lo, senti-lo perto de mim. Uma sensação nova, maior do que minha razão poderia explicar. E novamente eu não soube o que dizer.
No dia seguinte, nossa última sessão de música. Tocava “Patience”, dos Guns ‘N Roses. Cada um com fone no seu ouvido, mas não estávamos conversando, pois eu copiava matéria da semana que havia estado doente. A música terminou, e de repente ele parou a fita. Voltou a fita. Metade da música. Voltou mais um pouco, porém havia retrocedido demais: apertou o play, e começou a tocar a metade final de “Is This Love”, do Whitesnake. Aí que eu notei que estávamos ouvindo uma cópia da fita que ele havia me presenteado.
Olho para ele, no intuito de falar alguma besteira. Eis que ele está olhando para mim. Novamente me faltou coragem para perguntar alguma coisa, o que ele queria me dizer, pois seus lábios balbuciaram. Eu e R. ficamos alguns segundos olhando um para o outro. Recomeçou a tocar “Patience”. Os primeiros acordes e os assobios pareciam ter congelado aquele momento, momento quando seus olhos se encheram d’água. Ele disse que me amava. Tirei o fone do ouvido e saí. Corri até o banheiro. Entrei em uma cabine, me perguntando o porquê de que tinha reagido daquela forma, se eu também o amava fazia tempo, só que não sabia. Ou temia autoconfessar.
O que meu coração mais queria era que ele viesse atrás de mim. Em um sonho pueril e romântico, almejava que ele entrasse por aquela porta e me perdoasse por ter sido tão infantil. Entretanto, ele não foi; e eu também não voltei. Passei o resto da manhã no pátio, matando aula, sem coragem de voltar à sala e encará-lo. Pedi a uma amiga que pegasse minha mochila no final do último tempo. Naquele dia não o vi mais. No seguinte, R. se sentou no mesmo lugar de sempre, me cumprimentou com o mesmo sorriso, só que não me olhou nos olhos, desviou-os. Ao tocar o sinal do intervalo, foi um dos primeiros a se levantar. E não olhou para trás. Estava de novo só. Mais uma vez meu coração ficou a esperar. Sabe, acho que eu esperei demais...
Alguns dias depois, após a aula de Educação Física, no vestiário, R. falou comigo. Ele me viu entrando no banheiro e foi atrás, segundo ele. Perguntou-me por que eu deixei de lhe falar, por que estava tão distante. Pediu desculpas. Argumentei que tudo estava bem, falei que não era nada, que apenas estava cansado da rotina de estudos. Um pretexto esfarrapado, no qual ele nem se deu o trabalho de acreditar.
Silêncio. Lá fora, nossos colegas estavam empolgados em uma partida de queimado, meninos x meninas. Estávamos livres deles.
(Conclui a seguir...)