A cicatriz...

A cicatriz...

Já tinha terminado a operação e agora estava com dores terríveis. Tentava lembrar-me do acidente mas não aparecia nada e o que mais me surpreendia é que eu sempre fui cuidadosa ao atravessar a estrada, o que me fez logo ter quase a certeza que a culpa não seria minha. Mesmo assim, nem era isso que me preocupava, o que me preocupava era ver a minha perna toda engessada e enorme, mesmo enorme... Passaram cinco dias e finalmente cheguei a casa, foi um alívio poder me deitar outra vez na minha cama, ver o meu quarto e finalmente sentir o sossego, aquele sossego que é impossível ter num hospital, e como se não bastasse tinha ficado num quarto só com mulheres idosas que não paravam de se queixar... ora, podem imaginar qual é o tédio de uma adolescente de 15 anos, com a perna recem operada, com bastantes dores e ainda ter que aturar aquelas mulheres, não as censuro embora seja um tédio... mas felizmente não chegou a uma semana, embora tenha parecido como tal, e estava outra vez na minha casa, com as pessoas de quem mais gosto. Passou assim um mês, ia fazer os curativos no posto médico e passava os dias inteiros em repouso e a receber visitas de familiares e amigos. Quando finalmente fui a uma consulta na clínica da seguradora, o médico disse que eu teria de começar a fazer fisioterapia, já estava a espera, e então pedi que transferissem as minhas sessões para uma clinica fisiatrica na minha localidade, para que eu pudesse conciliar estas com os estudos. E assim fizeram. Quando acordei de manhã já estava o taxista lá fora á minha espera, pronto para me levar para a minha primeira sessão de fisioterapia. Quando cheguei á clínica não vi ninguém no balcão, tive que me aproximar mais para reparar que estava lá uma mulherzinha sentada a ordenar uma papelada, claramente o balcão era exageradamente alto para ela. Quando se levantou pude reparar que era uma mulher de estatura baixa, redondinha mas elegante, e usava uma blusa apertada e uma saia em roda que lhe favoreciam a silhueta. Perguntou-me os dados pessoais e marcou a minha sessão para amanhã. No dia seguinte, lá estava eu outra vez, pronta para começar a exercitar a minha perna. Esperei um quarto de hora e fui chamada por um rapaz bonito, com um sorisso que convidava a entrar, e então prossegui, entrei para uma sala e deparei-me com várias pessoas a fazer diversos exercícios. Ele disse-me para eu me sentar na cama do canto e assim fiz.

- Olá! Sou o Diogo e como ja deves ter reparado vou ser o teu fisioterapeuta nos próximos meses...

- Eu sou a Sara... meses? – perguntei eu com rosto desiludido. E ele respondeu:

- bem, concerteza não pensaste que iriam ser uns diazitos pois não? riu-se. Respondi com o mesmo sorisso. Pediu-me para levantar as calças, para assim poder massajar-me a cicatriz que estava a baixo do joelho. Tinha as mãos delicadas e dava para perceber que estava muito habituado aquilo, fazia-o com normalidade e experiência. Foi aí que me começou a perguntar sobre o acidente:

- e então? Como aconteceu isto hã?

- fui atropelada – respondi quase automaticamente.

- é o que dá não teres cuidado a andar na estrada não é? Sorriu e eu repondi:

- neste caso a culpa não foi minha, foi uma mulher que me atropelou na passadeira, era noite mas mesmo assim ela devia ter estado com mais atenção ao dirigir. Posso tratar-te por tu não posso?

-claro que podes –sorriu- há pessoas que não deviam sequer de ter a carta de condução - Comentou.

- é verdade, e agora quem sofre as consequências sou eu! Já viste bem esta cicatriz?

- oh isso é o menos! Isso depois com o tempo passa! Pensa que há pessoas em estado pior que tu...

-isso era suposto fazer-me sentir melhor? Eu não sei porquê que toda a gente me diz o mesmo, eu acho que precisamente por haver pessoas em estado pior não é motivo de me sentir bem, e sabendo o que isto custa...

- vendo isso com esse ponto de vista.., que idade tens?

- tenho dezasseis anos.

- pareces ser mais velha na maneira como falas, eu tenho mais onze anos que tu, tenho tenho 27- sorriu agora com ar parcialmente provocador- fala-me sobre ti, o que é que houves? O que é que gostas mais de fazer?

- hum, gosto muito de bandas de rock, preferencialmente o rock mais antigo mas na atualidade também á bandas boas, gosto dos beatles, dos iron maden, mettalica, guns n roses, oasis, bon jovi, adoro os nirvana... e bandas mais recentes como os coldplay.

- hum, não é muito comum nas raparigas da tua idade, agora o que elas mais gostam é de lady gaga, justin bieber e por aí... e eu repondi:

- é verdade, mas cada um tem os seus gostos, gostos não se discutem- sorri.

- muito bem – concordou ele- e o que é que costumas fazer, para além de ouvir musica?

- bem, gosto muito de ler, escrever e cantar, aliás passo muito tempo em karaokes – respondi.

- ai tu cantas? Mas cantas bem? – parou de me massajar e enquanto limpava o creme das mãos, eu respondi:

- eu acho que sim, não vou ser exageradamente humilde não é? Pelo menos, as pessoas que me ouvem sempre me elogiaram.

- hum... parece que temos aqui uma cantora não? o que é que gostavas de ser?

- na verdade não sei bem...estou no curso de ciencias tecnologicas, mas há muito por onde escolher e ainda não decidi, no entanto, consuante a minha média no final do 12ºano, vejo o que posso exercer.... e tu? A fisoterapia sempre foi aquilo que quiseste praticar?

- Não, no inicio até nem pensava sequer nessa opção, embora sempre ter gostado de enfermagem e exercício fisico, o que tinha na ideia era arquitetura , mas depois decidi optar pela fisioterapia, sei lá, gosto disto.

- hum, é um trabalho muito bonito – sorri.

- sim é – sorriu

Passseio o resto da sessão a fazer exercícios com a perna e o pé, depois fui embora. Quando cheguei a casa contei á minha irmã como foi, falei-le dos exercicios que fiz, e que as pessoas era muito simpáticas, falei-le do Diogo, mas só disse que era simpatico e profissional, embora achasse que tinha outras qualidades,preferindo deixar só para mim. Não é igoismo ou nada que se pareça, é apenas medo de exagerar nos elogios, com a irmã exageradamente perspicaz que tenho, ela diria que me estou a apaixonar ou alguma coisa do genero, o que não é de todo verdade.. por amor de deus só o vi uma vez... dei comigo a pensar na nossa conversa, dormi bem e desconfio que sonhei com ele, mas prefiro pensar que não...

No dia seguinte lá estava eu, estava ansiosa, não sei porquê, ou talvez soubesse...

- Olá Sara, podes entrar – convidou o Diogo. Assim o fiz, desta vez não estava ninguém exceto um homem a correr na passadeira.

- Então como estás hoje? – perguntou ele com o mesmo sorrisso simpático que me está sempre a oferecer.

- Estou bem – respondi.

- Olha agora vou fazer-te a massagem á perna mas depois vais ter que vir comigo para eu te poder examinar a diferença das duas pernas e aplicar o calor... disse ele:

- Está bem – respodi com um sorriso.

Desta vez foi diferente, enquanto ele me massajava não perguntou nem falou nada, e eu igual, o que eu fazia era olhar para ele indiretamente e admirar a cara forte e bonita que ele tem, quando os nossos olhos se cruzavam eu desviava o olhar, e inevitavelmente corava. Ele ria-se sempre que isso acontecia.

- Pronto, agora podes-me acompanhar por favor? – perguntou ele amigavelmente.

- Sim, claro – respondi enquanto pegava nos meus tenis vermelhos. Quando chegamos, vi que não era propriamente uma sala mas sim um quarto pequeno com uma porta de deslizar. Ele pediu-me para me deitar na cama, assim o fiz.

- Agora tira as calças por favor- pediu ele. Quando tirei as calças pediu-me para me deitar, depois de examinar bem pediu para me voltar de barriga para baixo, quando acabou, eu perguntei:

-Está tudo bem?

- sim, era só para eu fazer um relatório percebes? Tens uma perna mais inchada que a outra, mas isso é normal. Aliás no teu caso até tens bastante sorte, a perna está exatamente com a mesma forma que a outra, só está inchada por causa da operação mas isso é normalissimo- respondeu.

- ah, ainda bem então – disse. Ele começou a olhar para mim fixamente, naquele momento sentia-me mesmo envergonhada.

- és muito bonita sabias?

- muito obrigada –respindi com o rosto corado- tu também- sorri.

- oh não digas asneiras- sorriu-me outra vez com aquele ar provocador.

Passei o resto da tarde a pensar naquele elogio, e quando dava por mim lá estava eu com aquele sorriso estupido estampado na cara. Estava irritada comigo mesma, porque eu conheço-me bem e não sou boa a mentir, quanto mais a mim mesma. Eu sabia que o diogo não era indiferente a mim, sabia-o com um constrangimento tal que até me aptecia chorar, tentava convencer-me que era fruto da tipica adolescencia. Passou um mês. Cada vez as nossas conversas se tornavam mais interessantes. Cada vez eu o conhecia melhor e cada vez tinha mais a certeza que a já não passava de uma relação só profissional, e sabia-o com tanta oposição. Até que um dia eu notei nele uma expressão diferente, uma expressão que eu totalmente desconhecia e queria muito decifrar:

- o que é que se passa? não sei mas... hoje estás diferente...talvez seja impressão minha mas, tenho a sensação que não estás bem...

- hum... Espera! Não te descalces, vem comigo. Levou-me até a um escritório, onde tinha uma secretária de madeira clara e uma cadeira de pele preta, pediu-me que me senta-se nela, assim o fiz e então começou a falar:

- eu não sou assim sabes? Não sou mesmo... com 27 anos já se tem cabecinha. Compreendes isso não compreendes? Eu tentei me convencer que era passageiro e que estava a criar algo que não existia, ou simplesmente estava a ser irracional mas não. E não sei como dizer isto, porque no meu lado já adulto parece-me absurdo mas no verdadeiro eu, dentro de mim eu sei que é verdade e não posso fingir que nada se passa.

- mas afinal o que é que se passa Diogo? Não estou a compreender nada... mas na verdade eu compreendia e só me aptecia dizer-lhe para parar e acabar o que iria dizer mas pedi para ele continuar. E então ele prosseguiu:

- provavelmente já sabes o que eu vou dizer, mas mesmo assim quero que ouças. és uma rapariga diferente sabes? Sinceramente, não pareces ter 16 anos, falas mesmo como uma adulta, és inteligente culta e sabes falar. Não consigo olhar para ti e ver apenas uma paciente eu vejo mais, eu sei que está errado mas eu vejo muito mais que isso...naquele momento eu não conseguia dizer nada, muito provavelmente porque ele disse tudo exatamente como eu me sentia também.. mas ganhei coragem:

- eu... Diogo... eu.. também mas..não, quer dizer..

- sim eu sei, é por isso que vou te dar a opção de trocares de fisioterapeuta, é melhor, tu sabes disso, eu tenho 27 anos e tu 16, primeiro, eu não me conseguiria concentrar bem no meu trabalho por mais imparcial que tentasse ser, segundo, se nos envolvessesmos era muito perigoso...

- Diogo, disses-te bem, é uma opção minha e eu não quero aceitar, desculpa mas eu não consigo trocar de fisioterapeuta, não consigo deixar de falar nem de te ver e estou demasiado habituada contigo, tanto profissionalmente como, bem...- afirmei.

- muito bem, se queres assim... respondeu ele.

Passei a noite toda em branco, não parava de pensar como seria tudo dalí para a frente, eu não conseguia negar o que sentia.. tanta coisa que me aptecia fazer naquele momento... Fiquei o dia todo de sexta-feira com um rosto pensativo, a minha irmã já tinha percebido mas eu nunca lhe contei nada, nós contavamos tudo uam á outra, apesar da diferença de idades, mas eu não estava á vontade para falar disto. Queria resolver tudo primeiro. Quando cheguei á clinica sentei-me e não parava de mecher os pés e as mãos, já estava a começar a ficar impaciente. Finalmente o Diogo chamou-me e eu fui ter com ele. Quando me começou a massajar a perna, percebi que me queria dizer alguma coisa mas estava hesitante. Por fim perguntou:

- amanhã... queres sair? Quer dizer, eu posso te ir buscar em casa e iamos dar uma volta... Eu sei que não podes andar mas a viagem é de carro e almoçamos em algum lugar e depois levo-te a ir ver o rio perto de minha casa, que achas?

-hum... a mim parece-me uma optima ideia!- respondi, no fundo eu estava radiante com o convite.

- ok, então as 11h da manhã estou em tua casa para te ir buscar está bem? – perguntou ele

-está bem – respondi eu

No sabado de manhã, estava acordada já as 8h, mal consegui dormir com a ansiedade. Preparei-me com uma roupa casual: uma camisa branca apertada com um cascol fino beje, jeans e tenis brancos. Tinha dito á minha mãe que ia sair com amigos, quando ouvi a buzina de um carro lá fora, despedi-me da minha mãe e fui ter com o Diogo. Era a primeira vez que o via com roupa casual inves do fato do uniforme de fisioterapeuta, e o mesmo ele em relação a mim, já que ia todos os dias de fato de treino.

- Estas muito bonita Sara! Tu és bonita! – elogiou ele enquanto arrancava.

- Oh já me estás a fazer corar, também estás muito bonito Diogo, aliás tu és bonito- sorri, era a primeira vez que sorria com um tom provocador, mas não exagerado.

Quando chegamos ao destino, fiquei admirada com o restaurante. Era todo feito de pedra e o jardim era magnifico. Jantamos os dois, e não paravos de olhar um para o outro, entre olhares bastante cumplices. Quando acabamos ele levou-me a ver o rio como tinha prometido, era um lugar igualmente lindo. Sentamos-nos numas rochas perto da água e eu comecei a sentir uma brisa fria. Ele agarrou-se a mim. Eu só queria que aquele momento durasse para sempre. Entretanto começou a chover fortemente. Ele pegou em mim e dirigiu-se em direção ao carro. Mas quando nos sentamos já estavamos todos encharcados e então ele disse:

- não podes ir assim para casa, ainda ficas constipada, anda até minha casa, secas a roupa e depois voltas, tudo bem?

- está bem. – respondi.

A casa do Diogo era muito moderna, e geometrica, era tudo muito plano e com cores claras.

- Á tua direita é a casa de banho, podes tirar a roupa e vestir um robe que está lá ok?

- ok – respondi meio envergonhada. Vesti o robe e meti a roupa na máquina de secar. Quando voltei o Diogo estava vestir um robe mas cheguei a tempo de ver o corpo dele. Era um corpo não muito musculado mas proporcional. As pernas eram muito bem formadas. E quando ele me viu sorriu para mim...

-Enquanto a roupa seca, quero que me faças um favor, quando nos conhecemos disseste que cantavas, quero que cantes para mim, quero ouvir-te cantar... por favor...pediu.

-hum... não sei... tenho vergonha...- respondi envergonhada..

- oh comigo não precisas de ter... por favor... canta... – pediu.

- está bem, está bem... - repondi. Cantei uma musica dos U2, One. Ele não parava de olhar para mim atentamente. Quando acabei ele não disse nada, sorriu e beijou-me. Beijou-me tão intensamente e carinhosamente. Eu retribui o beijo, primeiro com hesitação mas depois continuei. Ele passou a mão pelo meu cabelo e eu a minha pelo dele. Ele ficou deitado sobre o meu corpo. Desapertou-me o cinto do robe eu fiz o mesmo. Naquele momento eu tinha certeza que queria estar assim com ele. Tinha a certeza que queria que fosse com ele. Ele possuiu-me com delicadeza e carinho, cada beijo era tão doce e tentador. Fizemos amor. Foi dos momentos mais maravilhosos da minha vida. Quando chegamos na minha casa ele beijou-me e eu retribui o beijo. Não me arrependi de nada, e eu confiava plenamente nele. No domingo ligou-me e estivemos mais de uma hora a falar. Passei o dia inteiro a pensar nele. Estava completamente apaixonada. Na segunda-feira estava eu, como sempre, á espera de ser atendida na fisioterapia. O Diogo chamou-me e mais uma vez fui ter com ele.

- o que se passou ontem... Sara, eu gosto de ti, eu gosto mesmo muito de ti sabes... e é por isso que eu não te quero prejudicar. Ontem quisemos os dois e foi dos melhores momentos e mais intensos da minha vida, mas tu sabes que isto é perigoso. Tu és menor, eu tenho 27 anos. Se fossemos descobertos, isto era considerado um crime e tu bem o sabes.

- sim, eu sei mas... Diogo, o que é que me queres dizer afinal?- perguntei algo assustada.

- não podemos continuar, é demasiado perigoso. Eu não quero que te aconteça nada de mal, muito menos se for por minha culpa percebes?

- se percebo? Eu percebo muito bem Diogo... o que tu querias era...era... porquê? Porquê que me estas a fazer isto? Caiu-me uma lágrima do olho.

- não! não! não foi nada disso Sara! Acredita em mim- e derrepente ele começou a chorar também, naquele momento percebi que ele estava a ser verdadeiro comigo. Fechou a porta e continuou:

- tu percebes Sara. Eu sei que percebes, tens bastante maturidade para compreenderes que isto muito provavelmente iria acabar muito mal.. disse segurando a minha mão.

- sim mas.. oh eu não quero deixar de.... não, eu não quero... não posso nem consigo... devias ter pensado nisso antes, agora é tarde de mais. Fui embora sem dizer nada, não há palavaras para caracterizar o quão maguada eu estava. Maguada por saber que tinha de aceitar a rialidade e não querer faze-lo, maguada por saber que era o fim... No dia seguinte, a rececionista informou-me que o Diogo transferiu-se para outra clinica, eu não estava admirada, eu sabia que iria acontecer algo do genero. Agora era uma mulher que me iria tratar, não falávamos muito. Era tudo muito profissional e eu gostava assim. Nunca falei com ninguem sobre o que se passou, nem mesmo com a minha irmã, pois era como uma cicatriz, que agora se ia curando mas se tocasse nela outra vez, ela abriria.