Dois Garotos (Parte 1 de 3)

(Parte 1 de 3)

Sempre soube que era diferente dos outros. Lembro que, enquanto os demais meninos da minha rua jogavam bola, empinavam pipa e faziam todas aquelas brincadeiras socialmente ditas masculinas, eu gostava de outras coisas: ler, ver televisão, ouvir música, dançar. Mas sempre sozinho. Por me perceber estranho, eu me isolava, ficava em um canto, longe do mundo, observando as pessoas, e me sentindo cada vez mais sozinho. Ninguém conversava comigo sobre sentimentos, eram apenas cobranças: as raras vezes em que eu brincava com alguém, parecia que meu coração iria explodir de felicidade. Eis que de repente a solidão voltava...

A escola era um tormento para mim. Entre xingamentos e encarnações, descobri os primeiros sentimentos. As leis da sociedade me faziam pensar que eu pertencia a um corpo estranho, que não era meu. Menino gosta de menino? Será que eu não sou menino? Mas como não, se sou igual a eles? Não obtinha respostas para elas. Meus sentimentos também não. Rejeitado, tentava esconder o que sentia e demonstrava o que não era. Passei a ser mais aceito pelos colegas, enquanto a cada segundo me repudiava a mim mesmo. Nunca tive raiva dos meus desejos. A dor vinha da impossibilidade e do medo de assumi-los. Machuca-me hoje analisar o quanto deixei de ser feliz para fazer bem às vontades alheias.

Eis que chegou a adolescência. E com ela os hormônios, as espinhas, os primeiros pelos, a necessidade de amar. E mais: a de finalmente ser amado. Já nessa época eu não tinha mais dúvidas sobre mim: sabia que era menino (risos) e sabia que gostava de outros meninos. É impressionante como a solidão ensina e nos faz amadurecer. Minha conselheira de todas as noites, me foi mais importante que uma mãe.

No primeiro dia de aula, enquanto todos ainda timidamente se conheciam, entra alguém. Não poderia calcular o impacto que aquela pessoa teria na minha vida, pois naquele instante o que senti por ele foi uma espécie de repugnância. R. era de uma incrível presença de espírito. Totalmente diferente de mim, era extrovertido, falava alto, fez amizade com toda a turma já no primeiro dia. Sua beleza era de uma simplicidade banal, a princípio. Não me chamou a atenção. Havia alguns lugares disponíveis na sala. Ele sentou à minha frente. Rapidamente nos cumprimentamos.

Alguns dias se passaram. Eu falava com algumas pessoas, mas sem intimidade. Gostava de passar o intervalo sozinho, na sala de aula, enquanto ouvia pelos fones de ouvido em um agora obsoleto walk-man as músicas das minhas bandas favoritas. Certa ocasião ele também ficou. Puxou assunto. Eu tirei um dos fones. R. me perguntou o que eu estava ouvindo. Respondi. Para a minha surpresa, ele também curtia aquelas bandas, e ficamos conversando sobre nossas músicas prediletas. Sem planejar, fizemos um pacto inconsciente de que os nossos intervalos passassem a ser daquela forma. R. trazia suas fitas cassetes, me emprestava alguns cd’s, e eu fazia o mesmo.

Aos poucos, fui descobrindo que aquele rapaz era muito mais do que se mostrava. Seu olhar era triste, havia uma certa carência que o seu jeito divertido e o seu sorriso omitiam. Algumas pessoas, por causa desses nossos “encontros”, debochavam dele, diziam que estava “trocando de lado”. Ele não ligava para o que os outros falavam. Simplesmente não se importava. Em uma certa vez, chegou a afirmar seriamente que “sim, sou o namorado dele, por quê?”. Na verdade, não era. Ele tinha uma namorada, havia me trazido fotos dela, dizia-se apaixonado. Ela morava em outra cidade, se viam aproximadamente uma vez por mês. R. era fiel, pois nunca o vi com outra garota, e olha que elas se empurravam para ele. O fato é que nunca nem falamos sobre meninas. Muito curioso, ele perguntava a meu respeito, queria saber se eu já havia beijado um cara ou até transado, se já tinha ficado com garotas para saber qual era a minha. Eu sempre respondia, ficamos íntimos de uma forma que eu não havia sido com ninguém antes.

Os amigos passaram a nos chamar de “casal 20”. O fato é que era amizade mesmo. Até então, isso era o que eu sentia. E ele? Uma vez fiquei com febre, na semana do aniversário dele. Faltei às aulas por três dias. R. pegou o meu telefone com uma amiga. Mas não me ligou. Com ele, achou o meu endereço e veio até a minha casa. Foi uma baita surpresa! Ele disse que tinha gravado uma coletânea com as músicas que ele sabia serem das que eu mais gostava. Estava ansioso para me entregar, pois não saberia quando eu voltaria. Ele estava um pouco impaciente. Ofereci que entrasse. Mas ele negou, dizendo que estava com pressa. Foi embora. Depois desse dia, nada foi igual em nossas vidas...

(Continua...)

Dan Niel
Enviado por Dan Niel em 20/05/2012
Reeditado em 20/05/2012
Código do texto: T3678004
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