Consolado por um espírito Parte I
Em compaia dos amigos, Armando via Clara trocando carícias e beijos com o novo namorado. Os dois eram colegas de trabalho, serviam na prefeitura da pequena cidade, mas estavam sempre em contato. Por muito tempo ele acalentou um puro sentimento pela linda menina de cabelos tão negros quanto os olhos, mas ali estava ela nos braços de outro.
Era uma noite de festa, aniversário da cidade, todos pulavam, dançavam e bebiam ao som da banda que se apresentava em praça pública, alegria, no entanto para Armando a noite havia acabado. Tinha chegado a pouco e se deparado com a cena. Perguntou aos colegas meio que desinteressadamente quem era o rapaz, responderam que era um engenheiro bem sucedido, andava em carro importado. “Só podia”, pensou preconceituosamente.
Armando já era formado, trabalhava, mas por dentro se ressentia não se julgava capaz de oferecer o luxo material que a garota merecia. Escrevia-lhe versos, dedicava-lhe pensamentos, era um jovem romântico. Já estava mal, até que ela veio em sua direção de mãos dadas com o felizardo, cumprimentou educadamente a todos e apresentou o rapaz.
- Esse é o Camargo, meu namorado – disse Clara toda sorridente.
O rapaz apertou a mão de todos, foi educado. A pequena praça central fervilhava, pessoas de outras cidades também aproveitavam a festa. Logo os dois se despediram do pequeno grupo.
- Bem, vamos indo gente, boa festa pra vocês – desejou Clara.
Todos retribuíram, inclusive Armando que se sentia o maior perdedor da terra, um fracassado. Não tinha mais vontade de ficar ali, despediu-se dos amigos alegando que não estava se sentindo bem, mesmo com os protestos de todos, ele se desculpou e saiu. Enquanto saia Laís lhe lançou um olhar triste, era a única que sabia o motivo de seu súbito mal-estar.
Armando caminhou, se distanciou da multidão. Seguiu pelas ruas mal iluminadas, com seus paralelepípedos sempre prontos para atirar alguém ao chão. Não sentia sono, e por ser uma cidadezinha rural, não havia grande distinção entre a área onde ficavam as lavouras e o centro administrativo. Olhou para cima e viu a grande cruz negra, imponente, no alto do morro ao qual dava nome, “O Morro da Cruz”, dominando toda a cidade. Decidiu que iria até lá. Era perto da meia-noite, todos estariam na festa, ninguém o incomodaria com seus devaneios, com a sua dor solitária.
Caminhou, saiu das ruas e entrou no curto caminho de terra batida. Seguiu até a escada de pedras que dava até a majestosa cruz que permanecia iluminada. Subiu todos os degraus. No último virou-se. A noite estava linda. O céu magnificamente estrelado e as luzes da cidade imitavam um pequeno céu. Ali em cima corria uma brisa muito agradável. Sentou-se. Apoiou os dois pés no terceiro degrau. Abriu ligeiramente as pernas e pós os cotovelos sobre estas. Olhava para o nada. Visualizava a cena de minutos antes, era estarrecedora.
O que pouca gente sabia era que próximo à grande cruz havia uma pequena cruz, artesanal, de ferro, com um nome e cera derretida de velas acesas há muito tempo. Uma moça havia sido assassinada naquele local pelo namorado ciumento. Fazia muito tempo, muitos não lembravam mais da história com precisão.
Armando estava em seu próprio mundo, absorto em pensamentos. Não percebeu a bela moça se aproximar por trás, com passos delicados, suaves, quase imperceptíveis.
Continua...