Ingratidão Final
Oliver acordou uma semana depois. A cabeça latejava. Abriu os olhos lentamente sentindo as luzes do quarto como flechas disparadas contra as suas pupilas. Fechou-os de novo. Abriu e notou um ambiente pouco comum. Um pequeno quarto. Paredes brancas. Um armário e um aparelho de TV afixado à parede. A cama onde estava deitado era a única do ambiente. Ao seu lado a mãe jazia dormindo em uma poltrona.
- Mãe – falou tibiamente.
Ela acordou de um susto e como toda mãe que se preze o abraçou, beijou e chorou, e depois voltou a abraçar, beijar e chorar ainda mais.
Saiu e da porta chamou os médicos e enfermeiras.
- Por quanto tempo estive dormindo?
- Por uma semana – ela respondeu – Temíamos que entrasse em coma profundo.
- Ah...
- Mas graças a Deus você está bem. Misericordioso seja nosso Senhor Jesus Cristo. Para sempre seja louvado.
- Amém – respondeu Oliver.
- Seu pai e seu irmão saíram há pouco tempo. Seu pai estava desolado. Nunca o vi daquela forma. Sofria muito.
- Lamento. Não queria que acontecesse assim – falou enquanto aos poucos sua memória voltava. Gostaria mesmo de ter estado aos beijos e abraços com Andressa, mas terminou bancando o herói e sofrendo uma séria agressão.
- Não se lamente. Muitos colegas seus estiveram aqui, uns jovens chamados: Miguel, Maicon, Mara, dentre outros. Estes vieram muitas vezes ao longo da semana. Bons jovens. Contaram-me tudo o que aconteceu – concluiu a mãe que parecia ter se rejuvenescido 20 anos com a melhora do filho – Seu pai está processando seu agressor.
Oliver não queria saber daquilo no momento. Tentou resistir, mas não se conteve e perguntou:
- Alguém mais?
- Sim, mais alguns jovens. Muitos outros. Colegas seus da faculdade.
Foi mais incisivo: - Alguma menina chamada Andressa?
O rosto da mãe ficou sombrio. Fechou como um cadeado de ferro. Com a face severa respondeu:
- Não! Essa menina não veio. Uma ingrata! Não esteve aqui nenhuma vez.
“Que tentativa patética de se portar como um cavaleiro medieval. Um fracasso. Fez tudo aquilo por nada? Estava enganado sobre a menina por quem se apaixonou?”. Tudo indicava que sim.
- Todos contaram como agiu – sua mãe emendou – Foi um herói. Ela não merecia que se arriscasse tanto! Você nunca foi de brigas.
Os médicos finalmente chegaram ao quarto e Oliver foi conduzido a uma bateria exames. Raios-X, Tomografias, e tantos outros cujos nomes não se lembrava. Permaneceu mais uma semana internado no hospital, em observação, e apesar da violência da pancada, teve alta. Nesse período recebeu outras visitas. Menos a dela.
Após três dias em casa, milagrosamente sem sequelas, retornou a faculdade. Havia muitos exercícios a fazer, trabalhos acadêmicos, aulas para repor. Um grande prejuízo também no cursinho de inglês que faz aos sábados. Muito trabalho pela frente.
Na noite daquela segunda-feira quando retornou às aulas, foi muito bem recebido por todos. Foi aplaudido pelos colegas que vieram apertar-lhe a mão. O jovem tímido ganhou o reconhecimento de amigos, conhecidos e estranhos, menos da pessoa que mais interessava. Sentou-se à sua cadeira habitual e assistiu a uma entediante aula sobre Oficina do Jornalismo Impresso, disciplina do Quinto Período.
Quando a aula acabou, saiu da sala conversando com uns colegas. Enquanto debatia, Andressa se aproximou sem que ele visse. Ficaram a se olhar. Ela pediu para falar com ele a sós, se afastaram dos demais. Ela sentou em um dos bancos de concreto do pátio. Perguntou como ele estava. Respondeu friamente que bem. Andressa se desculpou por não tê-lo ido visitar, alegando não gostar de hospitais e pela vergonha que a situação tinha lhe causado. Ele respondeu friamente que não tinha problema, estava tudo bem, embora sentisse seu coração sangrar. Então Oliver se levantou e começou a sair. Ela o seguiu.
- Perdoe-me por não tê-lo agradecido direito, você me salvou!
- Já disse que está tudo bem, agora só precisamos seguir com nossas vidas. Boa sorte com a sua – não queria demonstrar fraqueza, apesar de se sentir uma criança perdida que procura pela mãe.
- Quero agradecê-lo melhor, vamos sair. Não é habitual uma garota pedir isso, mas eu peço.
Sem vontade de prolongar uma conversa que parecia inútil respondeu:
- Creio que nas últimas semanas já a conheci bastante, o bastante para saber que não há nada mais que precise conhecer.
Virou-se. A mitologia grega mostrou que os deuses podem morrer, pois os deuses do Olimpo desapareceram quando foram substituídos pelo Cristianismo. E através dos últimos acontecimentos Oliver comprovou isso na prática. A sua “deusa do amor” morreu rapidamente, evaporou-se como as cinzas de um corpo cremado jogado contra um forte vento do leste. Aquela jovem que achava ter amado, baseando-se apenas na beleza física, mostrou que não era tudo o que esperava e melhor seria manter distância.
Seguia caminhando, enquanto às suas costas ela o olhava tristemente. Embora resoluto na decisão, seu coração batia forte, o sangue circulava rapidamente, a adrenalina estava alta. Uma grande decepção. Somada a outras que já vivenciou constituiria em mais uma experiência de como as pessoas são boas em decepcionar, em demonstrar ingratidão. Não foi a primeira, certamente não seria a última. O intervalo havia acabado. A mente de Oliver estava perturbada, queria ir para casa, entrar no seu quarto, parar em frente ao computador e permitir que as palavras fluíssem como um rio caudaloso, não de sua mente, mas de seu coração. Então terá aliviado toda a frustração.
FIM.