Realidade

Quando se conheceram, ambos não esperavam nada da vida, nem importâncias. Não eram dois perdidos, duas almas soltas que se reconhecem. Eram só duas pessoas numa festa rindo alto. Ela não havia gostado dele à primeira vista e ele achou-a bonita, mais nada. Aí esbararam-se e conversaram um pouco inebriados pela bebida. Ela gostou à segunda vista, ele continuou achando- a bonita e, agora, simpática. Conversas e conversas, adoráveis e empolgantes, algo que já não tinham há algum tempo. Risadas. Ele morava longe dela.

-Tudo bem, ela pensou. É só por hoje.

O hoje tornou-se amanhã, depois de amanhã e depois do depois de amanhã. Eram tão sintonizados, se conheciam há no mínimo uns mil anos, de outra vida mesmo, afirmavam. E aquilo que era só um detalhe, começou a pesar. Ah, sim... Dolorosa despedida.

-Guarda pra ti... - Ela entregou um guardanapo com o e-mail e telefone acreditando que ia perder-se no lixo dele.

Ele guardou. Jamais perdeu. E ligou para ela, mandou e-mails e se corresponderam. Todo dia. A vida longe um do outro não parecia vida, era universo paralelo... Era como se a realidade estivesse contida dentro um do outro, que não era vida viverem separados, mas que os sacrifícios para juntarem-se eram grandiosos e não queriam ceder por completo, tinham medo. E se não desse certo? É outra cidade... É outra vida... É tudo tão diferente!

Numa noite de março, ela conheceu um cara e ele uma guria. Sufocaram um ao outro. Sem e-mails, sem telefonemas. Vazio. Lembravam-se da fatídica noite, bolavam mil hipóteses...Talvez, não seja nessa vida, pensavam. Cada um seguiu seu universo paralelo fingindo ser a realidade... é que custava tanto sair da zona de conforto e aos poucos nos acostumamos com a falta, nos acomodamos. Deixaram-se e o tempo ia, passava.

Ele acordou no meio da tarde, pesaroso, sufocado... Talvez seja nessa vida, pensou. Cinco anos que não tinha mais notícias dela, da realidade. Era hora de sair do universo paralelo.

Ela não esperava nada daquela quinta-feira. Chuva na volta pra casa, trânsito engarrafado. Chegou em casa uma hora mais tarde que o habitual. Estacionou o carro, abriu a porta que dava acesso ao hall do edifício. Havia alguém lá. Forçou a vista como se conhecesse, ele virou o rosto e sorriu. Ela mal acreditou.

- Desculpa a demora, mas custei a acordar.

Letícia Bertoldi
Enviado por Letícia Bertoldi em 03/05/2012
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