Imagens da Chapada dos Guimarães  (MT)
.

TRECHO DO MEU LIVRO - 18


O domingo amanheceu chuvoso. Chuvinha fina e silenciosa, daquelas que nem se ouve o barulho – mas bastava olhar pela janela para ver que ela estava caindo, manhosa...
Betina estava na janela, distraída. Até que surgiu alguém no final da alameda. Reconheceu pelo modo de andar: era Raul! Vestia uma longa capa de chuva preta com um capuz que lhe cobria quase todo o rosto e botas até quase os joelhos.
Acenou para ele que, de longe, retribuiu.
Ao se aproximar de sua janela, disse:
– Sabe o que eu ouvi o pessoal lá do restaurante dizendo quando passei? “Essa noite o amante não dormiu com ela, mas já vai cedo pra lá”!
Ela riu, convidando:
– Entre!
– Vim lhe convidar para almoçar comigo lá em casa.
– Vou ter que cozinhar? Confesso que sou um verdadeiro desastre na cozinha!
– Deixe comigo! Eu cozinho uns ovos que são uma beleza!
– Oh Deus, o que não se faz pelos amigos? Vamos ao sacrifício! – brincou.
Não foi sacrifício algum, já que Raul cozinhava muito bem. Preparou um delicioso peixe, pirão, arroz branco e uma salada temperada com um excelente molho preparado por ele mesmo. De sobremesa havia pudim de leite.
Betina repetiu duas vezes.
– Estou pasma, Raul! Que almoço maravilhoso!
– Obrigado. Gosto muito de cozinhar. Principalmente em ocasiões especiais.
– E por acaso hoje é algum dia especial?
– Claro! É a primeira vez que você vem almoçar comigo!
– Obrigada, mestre!
A chuva continuava.
Raul convidou-a a conhecer o resto da casa. Não era grande, mas era muito aconchegante e emanava uma energia incrível.
Sentia-se tão bem ali naquela casinha simples, com aquela chuvinha caindo lá fora, silenciosa, como se fosse para não perturbar tanta paz!
Observou melhor a sala: a um canto havia uma mesa com muitos papéis, canetas e alguns livros. Provavelmente guardadas nas gavetas estariam as poesias que ele escrevia – imaginava Betina, enquanto passeava o olhar pelo ambiente. Sentia uma imensa vontade de lê-las, mas não ousava pedir.
Do lado direito da mesa havia uma pequena estante. Nela, além de outras coisas, havia um porta-retratos com a fotografia de uma linda mulher. Exalando um suave perfume, uma fina nuvem de incenso se espalhava pela casa.
No quintal Raul plantava várias ervas. Muitas delas só existiam ali na Chapada e estavam ameaçadas de extinção. Entre elas a sete sangrias, a arnica do campo, a alfazema, a calêndula e a murta. E também a famosa e raríssima alfavaca do cerrado, ou “Erva do Anjo” – considerada altamente energética, muito usada para incensar ambientes e poderosa contra gripes, bronquite, artrites e várias outras moléstias.
Havia também diversos canteiros com verduras, além de muitas flores espalhadas pelo quintal, que era bem grande – talvez maior que a casa. Ele disse que as roseiras eram as suas preferidas. Além disso, havia vários temperos: sálvia, orégano, estragão e segurelha, entre outros. Cresciam também no jardim de Raul o conhecidíssimo ginseng e o exótico meliloto, uma planta com suave aroma de mel que, segundo afirmou o mestre, era um poderoso remédio. Ela perfuma todo o jardim e suas flores têm a bela e curiosa característica de produzir um mel valiosíssimo e altamente medicinal.
Raul gostava imensamente de mexer na terra, de sentir seu cheiro. Com sua enorme sensibilidade, considerava o simples germinar de uma semente um verdadeiro milagre. Gostava de ver a vida começar, rasgando a terra, criando raízes, tornando-se mais forte a cada dia. Por isso cuidava daquelas plantas como se fossem seres humanos, alguém a quem se ama muito ou crianças carentes de afeto...
Na varanda, muitos vasos de flores pendurados, além de uma bela rede. Ele disse que à noite ficava ali olhando o céu.
– Sua casa é maravilhosa, Raul!
– Devia ter vindo antes. Não sabia que ia gostar tanto!
– Dá vontade de não sair mais daqui!
– Quer se mudar para cá? Será um prazer tê-la como hóspede!
– Não. Não quero tirar sua privacidade. Mas de hoje em diante virei sempre aqui!
– Quando quiser, Betina!
Voltaram para dentro de casa e ficaram o resto do dia conversando e assistindo televisão, até que Betina dormiu.
Quando acordou já era noite.
Olhou em volta, sem entender direito onde estava. Sentiu um cheirinho bom de chá. Logo depois um outro cheiro delicioso invadiu a sala, o quarto, a casa toda: Raul havia feito bolo, que ainda estava quentinho.
Tomaram chá com bolo.
– Esse foi o domingo chuvoso mais gostoso da minha vida! – ela disse, comendo o terceiro pedaço de bolo.
Na verdade a chuva havia passado e fazia uma linda noite.
– Obrigada por esse dia maravilhoso, Raul! Agora preciso ir.
– Vou levá-la.
Caminharam abraçados pelas ruas desertas. No caminho, Betina perguntou:
– Raul, você nunca se casou?
– Não. Mas amei muito uma mulher.
– Ela... também te amou?
– Sim.
– Posso saber onde ela está?
– Ela partiu.
– Partiu... como?
– Partiu para sempre. Deus a levou.
– Oh, Raul... sinto muito... eu não devia...
– Não tem problema, querida. Sei que ela está bem. E me manda sempre boas vibrações.
– Não pensa em encontrar outra pessoa?
– Não. Estou velho demais para isso.
– Bobo! Não deve ter nem quarenta...
– Quarenta e quatro.
Betina abraçou com mais força sua cintura como para protegê-lo, enquanto caminhavam pelas alamedas que levavam ao chalé.
Ele sentiu seu carinho e beijou sua testa.
– Boa noite, Betina.
– Boa noite, Raul. Mais uma vez obrigada por tudo.
Ele sorriu e desapareceu entre as árvores.