MORTINHA POR SER FIEL ...
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Vesti a mesma roupa que tinha usado há um ano . Ainda me serve, pensei, receio sempre ter engordado.
Fui trabalhar, todos estranharam não estar vestida de preto. Faltei às aulas, estranharam certamente, foi a primeira vez. Tinha um encontro marcado no Parque das Nações, às 19.30 precisamente. Não falhei!
À hora marcada ali estava eu a tomar café comigo e na mesma esplanada de há um ano. Só não tinha ninguém a ocupar o lugar em frente ao meu. E foi com ninguém que jantei no restaurante onde tinha jantado gratamente acompanhada.
Para cumprir o ritual tinha de ir para a rua e percorrer o mesmo circuito, correndo o risco de me perder, como só eu me sei perder, naquelas ruas distintas, mas que sempre me parecem iguais. Iguais permaneciam as estrelas que tinha inventado.
“ O olhar descobriu estrelas que só existem nos teus olhos.” Disse-me o meu amor, agora ausente, deixando o meu lado esquerdo vago e a saudade do abraço que só ele sabia dar.
Não me permiti ficar triste. Decididamente o amor dá muito trabalho. Está muito além da minha capacidade de aguentar a rejeição.
Era quase meia-noite. Também o tempo desta vez voara. Pudera, reproduzi todas as situações o mais fielmente que a minha memória conseguiu reter. Ainda que o meu lado esquerdo permanecesse vazio senti-me sempre acompanhada, abraçada, mimada. Ninguém se meteu comigo, talvez por perceberem que eu afinal não estava só.
Meia-noite, tinha de ir embora. Assegurei que não perderia nenhum sapato, tipo cinderela, a última coisa que queria era um príncipe desesperado atrás de mim.
Não era hora de ir para casa, só às três e meia da manhã. Tinha esgotado a resistência à copia fiel do dia que queria homenagear. Implicaria ir sozinha para a beira-mar, não tinha capacidade para tanto.
Um bar em Magoito foi a opção. Conhecia o ambiente saudável e o barman. Escolhi a mesa mais isolada. Queria manter o meu lado esquerdo vazio, insubstituível, ninguém teria essa capacidade.
Por cima de mim , a música escorria, derramava-se agradável. À minha frente, com um copo na mão à laia de brinde uma “coisa” insinua sentar-se ao meu lado. Recuso-lhe a intenção alegando que quero estar sozinha e ele diz que também não pretende fazer-me companhia, aquela é a mesa habitual dele. Se eu quiser permanecer ele até nem se importa, desde que me mantenha calada.
Nem me indignei, ocupou o lado direito e eu mantive-me fiel a quem não tinha no meu lado esquerdo. A “coisa” começou a falar, chamava-se Nuno ( tenho para mim que ainda se deve chamar). Portador de uma voz lindíssima e um discurso fluido. Tinha um ar agradável, demasiado agradável para o que a minha estabilidade emocional conseguia suportar. Imaginei-me passado um ano, ali no mesmo lugar, com a nostalgia do lado direito vago.
Levantei-me, paguei, saí resistindo ao impulso de olhar para trás.
Fui para casa. Chorei e vesti-me de preto, fiel a uma espécie de luto que paira sobre mim …
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