Nosso Velho Amor

Com quantos anos eles se conheceram? Eles perguntavam isso o tempo inteiro. Olhavam aqueles dois velhinhos de mãos dadas, sempre juntos com seus corpos curvados, em caminhadas lentas pela praça. Todos os dias, sempre no mesmo horário, a mesma marcha romântica até a padaria, e depois de volta para casa.

O jornaleiro os acompanhava com os olhos, ficava espiando de modo que tentava fazer a história. De onde vieram, como se conheceram, seriam casados? Podiam ser apenas irmãos. Mas o olhar deles, olhos cansados e gastos, por onde muitas lágrimas de dor e alegria podem ter escorrido, entregavam uma paixão ardente, não um amor fraternal.

O padeiro, sempre que ia deixar os pães doces na casa, e era recebido por ela, tentava se esticar ao máximo e assim, poder xeretar dentro da casa. A casa 28 da vila. Só conseguia ver um sofá puído, uma televisão antiga, e com a imagem trêmula e esmaecida, além de fotos antigas presas à parede. Não tinha nenhuma possibilidade de prever qualquer história. Se tinham filhos, se tinham netos, de que estado, bairro ou país vieram.

O casal de jovens que namorava na praça pela manhã, também os observava com olhares curiosos. Ela por trás de seus óculos fundo de garrafa, que lhe evidenciava o tom azulado das íris, pensava em como ele pudera tê-la conquistado. Se quando jovem era bonito e romântico. Achava que estava na época errada. Queria ter vivido na época das serestas, das serenatas. Na época em que nove da noite era a hora do fim dos encontros no portão. Queria ter nascido na época dos grandes vestidos, aonde uma rosa era oferecida contendo todo o amor e admiração de um homem apaixonado. Já ele, por trás de seu Ray-Ban, desviava os olhos para as outras meninas, bem mais novas que a velha que andava de mãos dadas com outro velho, bem mais interessantes e fogosas do que aquela que tinha ao seu lado. Queria entender o que fazer para conseguir um beijo daquela que estava ali do seu lado. Não sabia sobre o que falar, não sabia como agir, e estava quase desistindo de tentar. A menina era do tipo romântica. Queria acreditar no amor, no príncipe encantado. E ele apenas queria um beijo e algo mais. Queria aproveitar e depois ir em busca de uma próxima menina. Era assim que funcionava para ele. Mas, ali, no instante em que o casal de idosos passou novamente, como durante toda semana, de mãos dadas, curvados e apaixonados, apenas sorriu, e encontro um motivo para colocar suas mãos sobre as mãos dela, e depois sussurrar algo sobre bandas de rock em seu ouvido. Ela se arrepiou, mas ainda queria flores e envelhecer ao lado de alguém.

Os dois caminhavam cada um com cada passo. Ela com o esquerdo tocando lentamente o chão de paralelepípedos, ele com o direito, dando-lhe sustentação. Uma sinfonia. Uma caminhada lenta para o objetivo, mas que não tinham pressa. Chegariam juntos, como sempre fora. Sempre unidos, as mãos encaixadas de forma harmoniosa, como toda a história dos dois.

Chegaram ao banco verde, descascado quase que totalmente e tomando uma tonalidade cinza, pincelada pelo tom avermelhado da ferrugem. Com dificuldade, sentaram-se. Respiraram fundo, juntaram um pouco mais suas mãos. E afofaram os corpos doídos pelas coisas que a velhice traz junto dela. A cabeça da senhora se deitou repousada sobre o ombro dele, sentiu o cheiro do amaciante e uma coceira leve na ponta do nariz enrugado, devido aos fiapos da lã do casaco. Ele, com a vista um pouco abalada com o início da catarata. Silenciosos, apenas emitiam ruídos leves e secos. Ele às vezes pigarreava e ela fazia massagem no seu peito. Ela, às vezes, tentava começar uma frase sobre o passado, porém a memória lhe falhava. Doía-lhe tentar lembrar e não conseguir. Doía às vezes não se lembrar do nome daquele homem ao seu lado. Sabia que com ele tivera uma história, mas não se lembrava. Somente as fotos confirmavam uma bela história.

E todos que passavam, se parassem um pouco de observar, poderiam tentar ajuda-los a construí-la novamente, por uma última vez.

FIM

Fael Velloso
Enviado por Fael Velloso em 26/04/2012
Reeditado em 31/05/2012
Código do texto: T3635331
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