Momento de desolação

A aula havia acabado. Como de praxe saiu da sede do cursinho de inglês localizado em um bairro nobre, do outro lado da cidade, muito longe de onde mora, mas ainda assim rejeitou as caronas dos amigos, preferia caminhar. “Caminhar à noite é sempre muito bom”, pensa.

Usa os fones de ouvido escutando melodias variadas, mas com grande preferencia para as músicas das bandas de rock, algumas são características de quem está sofrendo por alguém.

São 19h15min, o clima está agradável, uma brisa corre pelo seu rosto proporcionando uma boa sensação. As ruas e avenidas, apesar de se localizarem na região central da cidade, estão pouco movimentadas. É mês de janeiro, as aulas das escolas públicas e particulares ainda não começaram. O comércio já está fechado, explicação para o pouco movimento. A maioria das pessoas está em casa, jantando ou apenas curtindo preguiça em frente à tv. Outros podem estar nas casas dos amigos, jogando conversa fora. É uma terça-feira, o dia seguinte é dia de trabalho, o que teoricamente não permite compromissos que envolvam altas doses de bebidas alcoólicas.

Mauro segue caminhando, é um pequeno prazer esse longo trajeto até sua casa. De férias da graduação em Letras decidiu iniciar um cursinho em inglês, tão necessário hoje em dia. Para sua felicidade as aulas acontecem no finalzinho da tarde, duas vezes por semana, ocasião em que aproveita para essas caminhadas revigorantes. Aluno aplicado adora lê e escrever. Apesar de viver no século XXI sente-se como um romancista do século XVIII com toda exaltação ao amor. É um admirador inconteste de Johann Wolfgang Von Goethe, o escritor alemão. Não se limita apenas aos autores nacionais.

Os pensamentos viajam, mas sempre retornam para uma pessoa, Lara. Colega de faculdade. Aplicada, inteligente, decidida, e aos seus olhos, muito bonita. Mauro não é o tipo que leva jeito com as meninas, teve poucos relacionamentos na vida, mas tem certeza de que gosta muito de Lara, e mais certeza ainda de que ela não lhe dá a mínima. Apenas um ano mais nova do que ele, demonstra a mesma resolução quanto ao futuro. Quer ser professora. Também ama literatura.

Mauro é um romântico assumido, o último deles, mas infelizmente, não é bom com iniciativas junto às meninas. Fruto de uma timidez difícil de eliminar. Fala maravilhosamente bem em público, mas se engasga quando chega perto da personificação do amor idealizado.

Todas as noites depois do cursinho de inglês passa em frente à nobre residência onde ela vive na expectativa de vê-la “acidentalmente”. Isso raras vezes aconteceu. E nessas poucas vezes ela parece não tê-lo notado. Talvez naquela noite seja diferente. Talvez Lara o veja e ele decida-se a cumprimenta-la, ser mais ousado e dizer-lhe uma gentileza. Um “boa noite” que seja, ou um “como vai”. Assim nasceria uma amizade que em um futuro próximo, sim, muito próximo, possa redundar em romance. Em um belo romance à moda antiga. Conhecendo os pais da namorada, falando de suas intensões, levando presentes, cartões, tudo a que alguém apaixonado faria.

Entra na rua onde a casa de Lara se endereça.

Casas grandes, bem adornadas, típicas da classe média alta que vive aos amores com o sistema capitalista. Caminha. Começa a suar um pouco, o coração bate mais forte. Toma o “cuidado” de seguir pelo lado oposto ao da casa dela. Quem sabe Lara não aparece hoje? Quantos jovens tímidos já não viveram essa situação? Aproxima-se. A cabeça se alterna entre abaixada e resoluta, sempre olhando para o lado esquerdo com o canto dos olhos.

O portão bege da casa onde ela vive se abre. Ela aparece. Está linda. Como sempre, no entanto mais arrumada do que o habitual. Será que vai sair? Lara olha fixamente para o outro lado da rua como se aguardasse alguém. Os seus cabelos loiros estão soltos.

Luzes dos faróis de um carro aparecem ao fim da rua. Aproximam-se rapidamente. Começa a diminuir a velocidade. Diminui ainda mais. Para em frente à casa dela. Um Honda Civic prateado. Lindo. Uma joia de nosso sistema excludente. Não dá para vê quem o dirige, se é conhecido ou desconhecido. Com certeza desconhecido, já que Mauro não tem amigos ricos ou de considerável condição financeira. Os seus poucos amigos vivem modestamente, como ele, e os que têm carros, os tem em modelos populares. Realmente não deve conhecê-lo, e ainda assim, que diferença faria?

Mauro está muito próximo não consegue mais desviar o olhar. Fixa-se na cena à sua frente. A rua está quase deserta. Algumas pessoas sentadas em calçadas, conversando futilidades e na certa falando da vida alheia. Continua caminhando. Lara fecha o portão com um sorriso no rosto. Desce da calçada. Olha-o por um momento e diz: “Oi”. Faz um aceno com a mão direita para Mauro, que responde da mesma forma. Ela abre a porta do carro e entra. Dentro do veículo se forma um conhecido vulto de dois rostos que se encontram. O Honda Civic arranca irresponsavelmente. Em segundos está no final da rua, vira à equina, desaparece.

O coração do jovem tolo bate freneticamente. Uma sensação horrível se apodera de seu corpo. Tem apenas um sentimento: frustração. Não é a primeira vez que sente isso, e não será a última. De cabeça baixa, segue. Está sem folego. Como foi tolo em fantasiar. Que decepção, por muito tempo vinha sonhando com aquela menina. Por quanto tempo? Talvez todo o semestre anterior, quando começaram a estudar juntos. Mas no fundo do seu coração sabia que não teria chances. Sabia que não valia a pena sonhar. Seu coração está dilacerado com aquele momento de desolação que o transportou à dura realidade desta vida. Está triste. Sabe que naquela noite escreverá.

FIM.