Imagem: Arara Vermelha (ave típica da Chapada dos Guimarães - MT).
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TRECHO DO MEU LIVRO - 9
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TRECHO DO MEU LIVRO - 9
As ruas ainda estavam desertas. Um vento suave que vinha dos paredões soprava seu bafo morno. De vez em quando alguém saía de casa e, ao passar por ela, cumprimentava. Ela retribuía ansiosa, com uma enorme esperança de ser quem ela esperava. Mas... nada!
Andou mais um pouco até chegar a uma pracinha. Sentou-se num dos balanços. Fechou os olhos e rezou, em voz alta:
– Oh meu Deus, dê-me forças! Faça com que eu seja feliz em minha busca! Não conheço ninguém aqui... sinto-me tão sozinha!
Ficou por algum tempo assim – a cabeça baixa, os olhos fechados e o pensamento longe. Lutava desesperadamente contra o desânimo que ameaçava dominá-la. Precisava vencê-lo! Era ela mesma quem devia fazer isso, ninguém podia fazer por ela!
Procurou se lembrar de tudo que Álvaro e Yan haviam lhe ensinado, com simplicidade e clareza, sobre a força da mente: “Procure povoar sua mente com bons pensamentos... dirija seu pensamento para coisas boas, para a solução dos problemas, não se deixe contagiar pelo pessimismo... pense positivamente, tenha fé... você pode”!
Abriu os olhos. Sentado num balanço ao lado do seu, um homem a olhava fixamente.
Betina estremeceu: era ele!
Percebeu um leve sorriso em seu rosto. Tentou sorrir. Estava emocionada, carente, esperançosa!
Sustentou seu olhar por alguns minutos apenas. Logo seus olhos se encheram de lágrimas. Era uma idiota mesmo! – pensou, repreendendo-se mentalmente.
Ele levantou a mão esquerda como se fosse secar suas lágrimas. Mas, quando a mão do desconhecido chegou à altura do seu rosto, viu que ele trazia entre os dedos um pequeno pedaço de cristal.
– Mais um para a sua coleção, Betina! – disse sorrindo.
Sim, era ele, não se enganara!
O homem percebeu sua emoção. Abriu os braços para acolhê-la, como um pai carinhoso protege a filha que tem medo do escuro.
Ao ter contato com seu corpo, Betina sentiu novamente aquela energia: a mesma de Yan, a mesma de Álvaro...
– Disseram-me que era uma mulher forte e decidida, mas o que vejo diante de mim é apenas uma garota chorona!
– Perdoe-me... não sei o que deu em mim... – ela disse, envergonhada e ainda muito emocionada.
– Olhe! – ele disse de repente.
Ela olhou na direção que ele apontava: um bando de lindas araras vermelhas passou voando muito baixo, fazendo um barulho tremendo. Pousaram todas numa grande árvore que havia ali perto, em busca de sementes para se alimentarem.
Olhando as aves, Betina se acalmou um pouco.
– Betina, meu nome é Raul. Como você já deve saber, Yan é meu amigo – ele disse, então.
– Ah, sim... prazer... – ela ainda tremia.
Ele prosseguiu:
– Bem, você deverá permanecer por algum tempo aqui. Conhecerá pessoas que precisarão de sua ajuda. E terá que ser capaz de fazer algo por elas.
– Que tipo de ajuda?
– Você saberá. De acordo com cada situação. Mas, seu coração sempre lhe dirá, fique tranqüila.
– Você... estará comigo?
– Sim, nos veremos todos os dias, não se preocupe. O mais importante nesse momento é que se esforce para afastar de você essa sensação de insegurança que está querendo te dominar. Estou aqui para isso. Não te deixarei só, acredite. Caminharemos juntos e estarei sempre por perto para segurar sua mão se por acaso você precisar. Mas, saiba que aqui será testada praticamente todos os dias. Terá que aprender a se desembaraçar das situações, superar seus limites – inclusive os físicos. Somente quebrando barreiras, superando seus próprios limites, tomando decisões nunca antes imaginadas, começará a acreditar que pode realmente realizar coisas que antes considerava impossíveis. Aprenderá a desenvolver cada vez mais sua mente, sua percepção e a forte intuição que já possui. A ter fé e entusiasmo, sempre.
– Raul... eu... encontrarei aqui a pessoa que...
– Não, Betina. Esta pessoa está fora do Brasil. Mas tenha calma e paciência. Viva um dia de cada vez. Viva o presente, intensamente. O futuro virá no tempo certo – ele tinha um carinho imenso na voz, assim como Yan.
Levantou-se, pôs o braço em seu ombro e fez um sinal para que caminhassem.
– Ouça Betina, isso que eu acabei de lhe dizer pode parecer besteira, frases feitas, mas não é. Não viva cada dia de sua vida contando os que ainda faltam para que realize seus sonhos. A ansiedade faz com que a pessoa não viva direito, faz com que ela viva com a cabeça no futuro e não no presente! É claro que pode e deve pensar na felicidade que sentirá quando atingir seus objetivos! Mas, concentre seu pensamento no que está vivendo hoje, no agora! Você está me entendendo?
– Sim Raul, vou tentar...
– Advirto-lhe: não pense que será fácil; não pense que não irá sofrer. Mas vencerá. Você pode, acredite – não em mim, mas em você mesma!
Ela olhou em seus olhos, confiante.
Ele continuou:
– Aqui encontrará muitas e novas motivações, alargará seus horizontes. Despertará corações desencantados, sentirá o sabor da felicidade de fazer as pessoas felizes, aprenderá uma infinidade de coisas que jamais imaginou. Aqui se sentirá útil, importante, capaz. Terá a prova de que nada acontece por acaso. Verá que houve uma razão muito forte para que tenha vindo parar aqui na Chapada dos Guimarães. Ou várias razões. Mas, uma delas é a maior de todas, a principal. E um dia acabará descobrindo.
Quando estará preparada para partir? Não sei. O tempo dirá.
– Posso saber para onde irei?
– Daqui a alguns dias lhe direi – ele respondeu, olhando fixamente para o infinito.
Ali, naquele instante, teve a certeza de que Raul era um místico, no exato sentido da palavra. Porém, apesar de ser um mago, mantinha a cabeça no mundo real. E isso fazia toda a diferença nele, pois aprendera a construir em sua mente um atalho, um caminho só seu – que lhe permitia passar facilmente do mundo real para o mundo da magia. Ou até mesmo ir além: penetrar nos insondáveis e misteriosos caminhos da mente humana. Era um louco que sabia exatamente o que dizia. Não seria de admirar se ele conseguisse ler os pensamentos das pessoas! – sem que ninguém lhe dissesse, Betina teve a certeza disso. Mais uma vez ouvia aquela voz interior – sua infalível intuição.
– Terminou? – ele perguntou.
– De quê?
– De pensar sobre mim.
Betina riu, sem graça: ele realmente lia seus pensamentos! Não conseguiria esconder nada dele! – pensou.
– Desculpe, eu...
Ele afagou seus cabelos e disse:
– Vamos, vou levá-la até seu chalé. Fez bem em escolhê-lo. Pessoas sensíveis como você são capazes de desfrutar por inteiro da grande energia daquele lugar.
Mais uma vez Betina se surpreendeu: não dissera nada a ele que estava hospedada no chalé da mata!