Imagem: Caminho de Pedra (RS)
TRECHO DO MEU LIVRO - 3
Betina não conseguiu se concentrar no trabalho. Pediu para sair mais cedo, mas não foi para casa. Precisava procurar um lugar tranqüilo. Precisava caminhar e meditar.
Àquela hora do dia o sol era quente, apesar do inverno.
Andou muito, até chegar ao Caminho de Pedra – um lugar lindo, como se fosse um verdadeiro retorno ao passado. Numa distância que se estende por quase dez quilômetros há várias casas erguidas pelos antigos colonos italianos e hoje em dia abertas aos visitantes. São lindos casarões de pedra. Ao cruzarem-se os portões tem-se a sensação de que atravessamos o Atlântico e chegamos a uma “villa” da Toscana.
A certa altura ela parou e olhou em volta. Estava deserto.
Sentou no chão de pedra e olhou demoradamente para tudo aquilo. Depois levantou e foi para mais longe, onde o chão era coberto de relva. Ficou uns quinze minutos com os olhos fechados. Então, levantou novamente e recomeçou a andar. Até que chegou a uma pousada – também muito comum ali – que era também uma vinícola. Era um belo sobradão de pedra, de dois andares, instalado no meio dos vinhedos. Galpões cobertos de hera abrigavam as caves, onde era produzido um excelente vinho.
Por que procurava aquele lugar? Que força estranha estaria conduzindo-a até ali? Não sabia. Nem procurava explicações. Só seguia em frente, sem pensar em nada...
Chegou a um grande banco de pedra. Não se sentou nele e sim no chão. Sempre preferia sentar no chão para sentir a energia que vinha da terra.
Olhou em volta. Respirou fundo, sentindo uma enorme paz naquele lugar. Deitou, fechou os olhos e procurou relaxar.
De vez em quando abria os olhos e observava atentamente cada árvore, cada flor, cada perfume que chegava até ela – ora de uvas, ora de outras frutas ou até mesmo algum cheiro de comida trazido pelo ar...
Um enorme cão preto com manchas brancas e amarelas se aproximou dela. Ficou imóvel. O cão parou e começou a farejar suas pernas. Ela levantou devagar a mão direita e observou a reação do animal. Ele não esboçou gesto algum. Então começou a acariciar seu pelo, devagar. Sentou e olhou dentro dos olhos dele. Olhos amigos. Apenas abanou o rabo e foi embora, sem dar um latido sequer. Entendeu que ela viera em paz e que só queria aproveitar a paz que reinava naquele lugar, aquela natureza fervilhante de vida. Queria silêncio. Queria apenas sentir...
Recostou-se na grama e fechou os olhos novamente. Ficou por muito tempo assim...
– Boa tarde, Betina! – ouviu ao seu lado.
Levantou-se de um salto, olhando o desconhecido que a cumprimentava como se a conhecesse há muito.
– Quem é você? – perguntou, já sentada. – Como sabe meu nome? O que quer comigo?
O homem disse, tranqüilo:
– Calma, Betina! Uma pergunta de cada vez!
Ela limpou a calça com as mãos sem parar de olhar para o homem, que olhava para ela e sorria.
Olhou em volta, sobressaltada. Nem percebera que havia passado tanto tempo! Já ia escurecer! Seria um lindo crepúsculo, mas a chegada daquele estranho a fez ficar apreensiva. Mas, não com medo. Jamais sentia medo.
Para sua surpresa o homem lhe estendeu as mãos e disse:
– Venha...
Sua voz era tão doce! Seus olhos, aos se encontrarem com os dela, lhe transmitiam algo que não saberia definir!
Sem saber por que fazia aquilo, também estendeu as mãos.
O homem ajudou-a a se levantar.
– Vamos... – disse.
Acompanhou-o sem perguntas. Não entendia direito por que fazia aquilo, nem tinha a mínima noção se estava fazendo a coisa certa ou não, mas seguiu-o.
Caminharam até um local mais alto, um pequeno morro coberto de vegetação rasteira. Andaram em silêncio até o topo.
Chegando lá em cima ele pediu-lhe que se sentasse e fez o mesmo. Ficou bem diante dela e olhou diretamente em seus olhos.
Inquietou-se: a noite caía rápido e ela ali, num local deserto com um homem estranho que a olhava fixamente nos olhos!
– Isso não tem sentido! – pensou, levantando-se decidida a ir embora dali.
– Psiu... – ele pôs a mão em seu ombro, detendo-a:
– Você não gosta tanto da natureza? Vamos ter um lindo crepúsculo; vamos assisti-lo juntos... por favor!
Sua voz era mesmo muito doce e Betina – ainda sem saber a razão – começou a sentir que poderia confiar nele. Sua intuição não poderia falhar agora! – pensou.
Continuava se perguntando: como ele poderia saber que ela gostava da natureza? O que mais saberia sobre ela?
Quase sem perceber foi sentando lentamente. Quando caiu em si já estava de novo ao lado dele.
Ele tomou suas mãos entre as dele. Não disseram uma só palavra.
O sol foi se pondo devagar. Era como se o tempo tivesse parado para Betina – tamanha foi a atmosfera mágica que os envolveu...
Ela não saberia dizer quanto tempo se passou. Quando escureceu por completo e já brilhava no céu aquela lua tão sua amiga, ele disse:
– Betina, meu nome é Álvaro. Sei de todos os seus sonhos. Sei tudo sobre você. Quero te dizer que de hoje em diante, sempre que quiser conversar comigo, fazer perguntas, estarei aqui. Vou orientá-la quanto ao caminho que deverá seguir – por que sei que partirá para muito longe em busca de você mesma; em busca daquilo que deseja e acredita. Sei que aqui não está o que procura. Portanto, precisa ir. Muitos lugares terá que percorrer antes de realizar seu sonho. Mas, não tenha dúvidas de que conseguirá. Conte comigo. Aqui estarei para ajudá-la, até sua partida. Sempre que vier eu estarei aqui.
Seus olhos encheram-se de lágrimas. Olhou nos olhos de Álvaro, abraçou-o e chorou, chorou muito. Seus ombros eram sacudidos pelos soluços, as lágrimas rolavam livres, como se estivesse ao lado de um velho amigo e confidente.
Quando ela finalmente se afastou, olhando novamente em seus olhos, ele disse apenas:
– Vá em paz, Betina. E volte quando quiser. Estarei aqui.
Betina segurou em suas mãos e sentiu novamente uma energia fortíssima passando do corpo dele para o dela.
– Obrigada Álvaro, eu voltarei!
Desceu o morro sozinha. Já estava escuro, mas não tinha importância. A noite sempre fora sua companheira. E a forte energia transmitida por Álvaro ainda pulsava em suas veias. Sim, sentia que agora possuía uma nova força, ainda estranha para ela! Não sabia explicar, mas tinha ótimos pressentimentos.
Dormiu tranquila naquela noite.
No dia seguinte não foi trabalhar. Pensava sem parar em qual seria o ponto de partida que determinaria o início de sua jornada...