O ÚLTIMO BEIJO
Era a primeira vez que ele a levava ao seu apartamento. Amor novo, depois de um conturbado relacionamento, Eduardo era um homem gentil e seguro, bem diferente de seus ex. Sua história era repleta de experiências. Fora casado por vinte anos – casou-se muito jovem, após engravidar a namorada do colégio – e quando seus dois meninos já estavam crescidos, separou-se. As circunstâncias da separação não foram tão amigáveis, mas seus filhos foram preservados e era isso o que importava. Passados uns três meses, engatou uma série de namoricos que duraram pouco mais de dois anos ao todo. Quando conheceu Lara, viveu um relacionamento de três anos, somando todas as idas e vindas. Até que se cansou de tanta instabilidade e resolveu por um ponto final. Mas sentia-se sozinho. Foi um colega de trabalho que o convidou para uma festa na casa de uns conhecidos no Lago Norte. E foi lá, despretensiosamente, que Magali o conheceu. Seu sorriso franco e seu bom humor inteligente lhe chamaram a atenção. Trocaram telefones e logo começaram a sair.
Estavam juntos havia dois meses e naquela sexta-feira ele a levou para conhecer seu apartamento. Tomaram um bom vinho, acompanhado de pizza. O papo fluiu gostosamente entre eles e vinho vai, vinho vem, acabaram na cama. Exaustos, adormeceram.
No sábado, Magali despertou mais cedo que de costume, afinal estranhara um pouco a cama. Levantou-se e foi até a cozinha buscar água. A boca estava seca – devia ser o vinho da noite passada. Enquanto bebia a água, admirou o apartamento. Não surpreendentemente, era limpo e organizado – Eduardo era arquiteto – e a decoração era bem contemporânea, clean, com uns toques retrôs, como a poltrona em que estava sentada e a mesinha de centro, muito parecida com uma que tinha na casa de sua avó. As paredes levavam quadros de arte contemporânea, com toques abstratos. As cortinas eram simples e leves, deixando que o sol daquela manhã de sábado penetrasse timidamente pelos cômodos. O banheiro social era pequeno, mas tinha um quadro com um desenho que lhe agradou. A biblioteca tinha uma bela e confortável poltrona branca. Aliás, tudo naquele ambiente era branco, exceto os livros e o tapete, que davam vida e cor – um ambiente realmente interessante. Passeou os olhos pela estante e gostou muito do que viu: além de livros de arquitetura, muitas obras literárias contemporâneas e clássicas, incluindo livros de poesias.
Resolveu levar um copo d’água para Eduardo, que ainda dormia. Como era bonito! Os cabelos, levemente grisalhos, a barba por fazer e ainda assim era atraente. Mordiscou-lhe a orelha e foi o que bastou para acordá-lo e recomeçar a festa da noite anterior. Com ele, a pulsação aumentava rapidamente e Magali sentia um fogo que nunca antes havia se manifestado e rapidamente os lençois da cama ficavam encharcados. Desde que começara a sair com ele, ela se sentia maravilhosamente bem. Seus gostos eram parecidos, seu beijo era perfeito e era inegável a forte química entre eles.
Faziam amor todos os dias que se encontravam, mais de uma vez: aquele sábado, portanto, estava só começando. Foi quando Magali ouviu um pedido de desculpas e alguém tropeçando pelo quarto. Magali e Eduardo sentaram-se rapidamente na cama, puxando os lençois e depararam-se com uma mulher em lágrimas à frente da cama, carregando uma maleta e pedindo desculpas novamente. Ela encarou-os e saiu. Eduardo pediu desculpas a Magali e disse-lhe que aquela era Lara. Levantaram-se. Eduardo vestiu um roupão e saiu do quarto.
Ainda desnorteada, Magali resolveu vestir suas roupas; não sabia o que fazer. Pegou sua bolsa e foi devagarzinho para a sala. Viu que a porta estava entreaberta e percebeu que ambos conversavam do lado de fora. Pôde ouvir a mulher dizer, engolindo os soluços: “Vim devolver suas coisas que estavam em minha casa, suas chaves...”. Eduardo repreendeu-a dizendo-lhe que já havia bastante tempo que haviam rompido e não esperava que ela invadisse sua casa daquela maneira. Tanto as chaves como a maleta podiam ter sido deixadas com o porteiro. A mulher disse apenas “Queria te ver e... te dar o último beijo...”. Após um breve silêncio, Magali pôde ouvir ruídos, que pareciam ser de um beijo apaixonado.
A ela restou apenas sair pela porta dos fundos, em lágrimas, sem dizer uma só palavra.