"HOMEM NÃO CHORA"

     Em um poema é de um amigo português e poeta “Manuel Robalinho”, ao ler, achei uma frase que diz: “acendi a luz e num efeito especial”, Achei que conseguiria desenvolver um pequeno conto a partir daí e aí saiu este.

HOMEM NÃO CHORA
Valdemiro Mendonça

Acendi a luz e num efeito especial, sua imagem nua me mostrou entre raios multicores toda a sensualidade daquele momento. Ouvi o sussurro saído dos seus lábios, e mais do que entender as palavras eu adivinhei o que elas queriam dizer, “quero de novo”. Esta era a minha vida de alguns meses atrás, era nossa vida, minha e de Lívia num mundo de felicidade que deveria durar para sempre, esquecemo-nos de que nada é para sempre e infelizmente para nós nem mesmo durou o suficiente para virar rotina.

     As centenas de perguntas que já me fiz e outras tantas que tenho certeza que ela também se fez, não tiveram nem uma resposta: por que deixamos acontecer, por que aceitamos? Deixamos terminar uma amor que era assim... sempre: nos tocávamos no escuro e era como se um alarme disparasse e ascendesse nossos desejos e como numa dança sem ensaios, mas decorada, fundíamos nossos corpos em um dueto perfeito onde a melodia eram nossos gemidos involuntários, os suspiros eram os acordes que faziam a transição de uma nota mais grave para um coral de ais agudos que explodiam como fogos de artifícios no grande final.

     Quando acendíamos a luz era para nos vermos arfantes e ver as gotículas de suor que faziam nossas peles brilharem, onde eu via toda sua beleza que me encantava, no corpo dourado pelo sol de Ipanema e via o brilho de seus dentes brancos na boca vermelha que ria, se fechava e sorria para depois juntando os lábios como se fosse soprar uma chama, deixar escapar o sussurro... eu quero de novo e aí como dois animais, ou como dois inimigos nos atirávamos um ao outro, em abraços e mordidas, em beijos, nos lambendo sentindo o gosto do prazer, e o cheiro do pecado.

     Nunca ficávamos saciados, antes de terminar nossa fome chegava a hora de sair do motel. Acendia a luz e via minha cara redonda no espelho, era uma cara redonda feliz, uma noite eu vi também dois filetes que pareciam de prata que saiam dos meus olhos e escorriam pelo rosto, levantei-me e fui ao banheiro, abri a ducha e desmanchei aqueles filetes de lágrimas que pareciam prata, pois: “ homem não chora, nem de felicidade”.

     Eu ficava me perguntando o que ela encontrou em mim, sempre me achei feio, sempre fui pobretão, meu carro tinha seis anos de uso e era modelo pop, e eu não tinha nem me esforçado para conquistá-la por pensar que não teria chance e também por que os garanhões da empresa, a nata, os chefões, todos já tinham levado um não pela cara, e embora ela sempre tivesse um daqueles lindos sorrisos guardados para mim, eu ficava na defensiva e nunca nossas conversas passaram muito de duas ou três frases habituais: como vai, como foi o final de semana, já assinei aqueles papéis pode enviar, por favor? Obrigado.

     Um dia não quis almoçar no refeitório da empresa, quando ia caminhando para a saída ela saiu de uma sala e demos um encontrão, caiu-lhe alguns papéis e depois de apanhar eu lhe entreguei e ela me premiou com aquele sorriso de desmanchar cara feia e eu só consegui dizer: vou almoçar fora. Quer vir comigo? Para minha surpresa ela respondeu que sim e fomos caminhando até o restaurante que ficava bem perto da empresa. Engraçado que até ali eu não sabia que tinha tantas coisas a dizer a ela e menos ainda quantas ela tinha a me dizer, foi como descobrir um mundo novo e mágico onde tudo nos encanta e sempre queremos mais.

     Voltamos por outra rua e que demorava mais a chegar à empresa, numa calçada onde a casa era afastada da rua e deixava uma espécie de pátio ela parou e ficou querendo falar, mas como se dançasse na minha frente, não falou, foi como se um ima nos puxasse e de repente estávamos nos braços um do outro, nossas bocas ficaram como que grudadas e foi difícil entender. Quando nos separamos ela me olhava e eu a ela e sem falar como num gesto previamente combinado caímos numa gargalhada gostosa e foi assim rindo e nos descobrindo que voltamos à empresa, não a mesma empresa, agora era como um paraíso, onde sempre gostávamos de estar.

     Naquele mesmo dia saímos juntos do trabalho e fomos quase que diretos para o motel, primeiro tomamos um chope como é comum no Rio e caímos nos braços um do outro, entre beijos e amassos eu perguntei se ela queria ir ao motel, fiquei meio sem graça, quando fiz a pergunta me lembrei de tantos que tentaram e receberam um não, mas comigo foi diferente, ela sorriu e pegou minha mão e disse vamos. Deixei cinco reais para os dois chopes e entramos no meu velho Huno que parecia até ter ficado mais bonito com a minha felicidade.

     Ela era a mulher perfeita, fazia questão de dividir todas as nossas despesas, e dizia que não éramos casados portanto assim era o correto, e se nos casássemos também seria assim o certo. Foram seis meses de pura felicidade, as pessoas nunca tem certeza se o outro é feliz de verdade, no nosso caso era fácil saber, eu sentia que ela era tão feliz quanto eu... e ela sabia o quanto me fazia feliz. Era final de ano e quase toda empresa nos seu núcleos fixos, fazem a brincadeira do amigo oculto, no dia da revelação, as dez horas, encerrávamos o expediente e começavam as comemorações com churrasco e cerveja, “sendo a revelação dos ocultos o final da festa e despedida de todos com as felicitações de praxe.”

     Todos foram sendo chamados e recebiam seu presente e chamava outro que era o seu amigo oculto, Uma garota sapeca que era da recepção foi chamada ao canto que servia como palco após receber seu presente e o abraço fraterno, do seu amigo, disse ser eu o seu amigo, fui receber o abraço e o presente, o que eu não esperava era que na hora do abraço ela fosse fazer o que fez, me agarrou e me beijou na boca, e foi um beijo mesmo, eu tentei sair mas ela me abraçou e mandou ver, eu não entendi nada, mas quando ela me soltou alguns dos colegas estavam rindo e ela se dirigiu para o lado deles rindo também.

     Claro que eles armaram a brincadeira para provocar Lívia e eu não tive como falar nada, olhei para Lívia e ela chorava, fui em sua direção e segurei sua mão e levei-a dali. Eu não sabia o que dizer, nem sabia se deveria dizer alguma coisa, ela parou de chorar e me disse: - terminou... Esperei ela falar mais, no entanto ela soltou a sua mão da minha, me olhou bem dentro dos olhos virou-se de costas e caminhou, foi embora. Eu fiquei sem reação, tinha certeza que ela sabia que eu não tinha culpa, mas não fui capaz de ir atrás dela ou tentar argumentar,

     Fui para o meu pequeno apartamento na Tijuca e tomei um banho rápido, pensei em ir até o apartamento que ela dividia com uma irmã em Niterói, mas fiquei ali parado, a palavra que ela disse não me saia da cabeça, terminou... foi só isto o que ela disse, mas falou de uma forma que não deixava dúvidas, falou para eu acreditar. Eu tinha vontade chorar, mas a raiva que sentia me fazia dizer: “homem não chora”. Liguei a televisão e pererequei o controle remoto, nada estava bom, deixei num canal que mostrava um jogo do Flamengo que depois eu soube que ganhou do meu Vasco...sacanagem.

     A campainha tocou e eu olhei pelo visor, ela estava no outro lado da porta, abri e ela entrou e me abraçou. Ela já tinha vindo ao apartamento, que era alugado pela empresa, mas não quisera fazer amor ali, alegara que só se nos casássemos, eram tolices que eu respeitava e achava que até dava um certo charme à relação, que coisa boa é o amor.

     Só que desta vez ela chegou querendo, me empurrando para o quarto e abrindo meu roupão pois ainda não tinha me vestido, não falou, me amou, amou muito, como ainda não tinha me amado, chorou, riu, lembrou, chorou de novo e depois, foi para o banheiro tomou banho vestiu-se maquiou-se passou um batom claro, e leve, colocou a mão direita no meu peito e disse, eu amo você igual a nunca amei ninguém, mas terminou e não quero mais procurar você e não quero mais que me procure, não acho que você tenha culpa, mas eu sou como sou, e vou sempre estar vendo uma porção de mulheres lhe beijando, e mesmo não acontecendo, eu vou sofrer, por isto terminou, vou fazer de contas que você é igual a outros amores que eu tive, e quero que faça a mesma coisa.

     Ela se foi, não tentei faze-la mudar de idéia, não fui atrás dela, viajei e só voltei ao serviço uma semana depois que o expediente recomeçara na empresa, ela tinha pedido demissão, fui ao apartamento dela, sua irmã disse que ela tinha ido para a casa dos pais e pediu para não procura-la. Retornei a rotina da minha vida, um dia a garota do beijo foi me procurar, disse estar arrependida da brincadeira e que só tinha feito por que o pessoal pedira, mas não pensou que ia acontecer aquilo e que tinha tentado pedir desculpas a Lívia e me isentado da culpa, contou que ela a desculpou e disse que não tinha importância e que estava tudo bem, depois é que ela ficou sabendo da demissão.

     Eu disse a única coisa que podia dizer, realmente não teve nenhuma importância, gostei do beijo, quer repetir? Pois é... Ela disse sim e hoje estamos aqui, no mesmo motel, já fizemos amor duas vezes, agora eu acendi a luz e num efeito especial, entre raios multicores eu vejo coisas o que antes não via... “As cortinas da janela, rosa claro, o teto cheio de espelhos com arabescos nas molduras, certamente de gesso, o chão é de mármore branco, a cama é redonda, os lençóis cheiram a limpeza, o banheiro está com a porta aberta e o Box de banho é dividido por uma cortina de nylon azul claro”.

     Vejo minha cara redonda no espelho, tem duas fitas de prata que me saem dos olhos e correm pelo rosto e brilham com o reflexo dos raios multicores. Levanto-me vou ao banheiro abro o chuveiro desmancho aquelas fitas de prata, pois homem não chora! Volto para a cama e respondo a pergunta dela, - foi ótimo, muito bom, poderíamos até voltar... – Eu gostaria muito, disse ela.

     Antes de sair do quarto, apaguei a luz, o efeito foi de sombras tristes, como um dia chuvoso. Senti doer o peito, será que alma dói? Mas, é que está doendo lá dentro bem no fundo, estou com vontade de chorar...
Que pena que homem não pode chorar.

Até sexta... Se o gato não tiver comido o pássaro preto e ele cantar.

Trovador


SERÁ QUE EU POSSO?

Valdemiro Mendonça


Ah! me deixe beijar seu corpo dourado
pelo sol de Ipanema,
ah! Eu quero cheirar este corpo que sob a luz
brilha molhado.
Quero beber da água que brota como gotinha
de noite serena,
quero descobrir os tesouros escondidos
neste vale encantado.
Saboreando, quero engolir o néctar com o gosto
do seu pecado,
para se um dia partir, eu ainda possa lembrar
mesmo com pena...
Que valeu a pena.
Trovador das Alterosas
Enviado por Trovador das Alterosas em 15/04/2012
Reeditado em 06/10/2018
Código do texto: T3613746
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