Uma Ilha Distante
Passei seis anos olhando para uma ilha distante, selvagem e pura, durante seis anos vi os que tentavam nadar até ela sem sucesso, vi quem conseguiu, quem ficou e quem saiu logo depois, durante seis anos me mantive nesta posição de observador.
Olhos atentos e focados me deram miopia, pus óculos, o sol me dificultou a percepção, pus lentes escuras. Vi a ilha parecer se afastar pela subida da maré na praia do lado onde eu estava, mas nem na praia eu estava, via a ilha no horizonte, do alto da montanha.
No ultimo verão (inesquecível) os eventos, verdadeiros ou não, não importa mais, me forçaram a começar a caminhar em direção a praia. Caminhei devagar, passos pensados e racionais, durante meia década fui uma estatua, um totem no alto do morro apenas observando, um guardião distante que agia nas sombras e tentava, dentro das pequenas possibilidades que tinha, manter a ilha segura.
Quando minha lentidão e racionalidade se tornaram insuportáveis pra mim e o verão pediu um comportamento mais drástico, mergulhei de cabeça, assumi o risco de dar uma cabeçada numa pedra ou encontrar um tubarão.
Nem um, nem outro, o mar simplesmente me jogou de volta a praia, me levantei sujo da areia e voltei a ser um observador, mas agora ali molhando os pés, deixando a ilha ciente que eu estava lá, dessa vez eu existia e não era apenas uma peça do ambiente, não fazia parte do cenário.
Em uma noite estranha o mar me pareceu confuso, hora calmo, hora com ondas perigosas na arrebentação, parecia me convidar para uma braçada ou duas, mas não fui, não conseguia avaliar o perigo que representaria mergulhar naquela noite, foi então que fui puxado devagar para dentro, duas, quatro vezes.
Mas não nadei, no dia seguinte recuei o suficiente para sequer molhar os pés na água, mas ainda na praia aguardei um melhor momento pra, quem sabe, lembrar a ilha distante que eu estava lá.
Refleti bastante sobre a estranha noite passada, sobre o comportamento do mar e me perguntei se os deuses marítimos estariam se divertindo as minhas custas, parecia que sim, mas tentei (sem grandes sucessos) manter a cabeça fria. Pensei tanto que no fim da tarde, estava decidido a dar meia volta e ir embora, que a ilha continuasse lá, distante.
Antes de ir embora de vez, de me dar por vencido, já no inicio da noite ouvi um chamado vindo do mar, talvez uma sereia ou qualquer outra criatura mitológica, não havia mais ninguém na praia alem de mim com o corpo coberto de sal. O chamado não se repetiu de verdade, mas ficou ecoando em minha mente por dias, dias que pareceram demorar mais que os seis anos passados...
Voltei a flertar com a ilha longínqua e o mar pareceu se abrir, acalmou-se e me permitiu tentar nadar mais uma vez, não me deixava dar braçadas fortes e então me deixei levar pela maré, praticamente boiando fui levado, lentamente sob o sol até a ilha.
Cheguei lá numa noite de sábado, pisei pela primeira vez nas areias fofas daquele lugar e fiquei, acordado, sentindo e observando tudo ao meu redor, tinha a sensação de ter sido o primeiro a chegar (mesmo sabendo que não), me senti feliz como nunca antes, não via mais nada alem da ilha pela escuridão mas, de manhã, olhei para onde eu fiquei durante anos e, engraçado, me pareceu menos distante.
Hoje eu ainda volto a antiga praia, mas conheço os segredos do mar que me permite retornar a ilha quando posso, hoje molho meus pés na ilha distante que observei por seis anos, hoje construo devagar uma cabana lá, para, quem sabe, ficar pra sempre.