Milagre do amor
Era inverno e fazia muito frio naquela madrugada em São Paulo. As poucas pessoas que estavam nas ruas se protegiam do vento cortante e da garoa insistente que transmitiam a sensação térmica de uma temperatura abaixo de zero grau.
Perto dali, sob um viaduto, Carlos, um senhor de meia idade não tinha muita expectativa de sobrevivência. Morador de rua e com pneumonia, sabia que aquela noite poderia ser a última de sua vida.
Sentia fome e queria pedir algo para comer, porém, tinha receio de ser visto como bandido. Precisava de remédio, mas não dispunha de dinheiro nem de coragem para entrar em uma farmácia.
Para amenizar a friagem usava tudo que possuía: duas calças, duas camisas e um surrado cobertor.
Tentou dormir, como o sono não vinha começou a recordar o passado. E suspirou de tristeza com as lembranças de como sua vida tinha mudado.
Há pouco mais de oito anos era empresário em ascensão numa cidade do interior. Casado, pai de uma menina tinha uma indústria em sociedade com um primo, e seu capital no negócio era de 90%. Entregava-se ao trabalho e viajava com freqüência. Nos finais de semana se dedicava às suas paixões pessoais: a esposa e à filha, uma garota de 10 anos.
Apesar de ser um dos donos exercia também papel de vendedor. Gostava de ouvir os clientes pessoalmente e colher informações para melhorar seus produtos. Suas atitudes faziam a indústria prosperar. Por causa dessa dedicação não se preocupava com as finanças da empresa, pois o primo era diretor de produção e a esposa tinha procuração e autonomia para tomar as decisões, e só comunicava a ele se o caso fosse realmente grave.
Certa vez, junto com o sócio, Carlos elaborou estratégias e planejou mudanças. A empresa faria grandes investimentos para aumentar a planta industrial, comprar as máquinas mais modernas e entrar em novo patamar de qualidade e produtividade. Mas, para pagar as contas seria necessário duplicar as vendas. Carlos disse ao sócio e à esposa: “vocês cuidam da retaguarda que eu asseguro os resultados.”
Antes de viajar ele reuniu a família e disse que depois dessa inovação iria profissionalizar a empresa, contratar diretores e gerentes, pois queria ficar mais tempo em casa com seus “amores”.
Partiu confiante e tranqüilo. Trabalhou até 18 horas por dia. Depois de uma agenda cheia de visitas e vendas elaborava relatórios e repassava pedidos. Sentia-se cansado, porém, feliz com os resultados que vinha obtendo. Sempre que se comunicava com a empresa lhe diziam que estava tudo bem.
Ao final de dois meses de trabalho voltou feliz, pois atingiu a meta: tinha realizado vendas suficientes para realizar os investimentos. Ao desembarcar no pequeno aeroporto de sua cidade numa tarde de domingo sentiu algo estranho: não havia ninguém lhe esperando. Tentou falar pelo telefone com o pessoal: ninguém atendeu. Pensou: “Estão querendo me fazer uma surpresa!”
Mas, ao chegar em casa seu mundo começou a cair. Sua esposa e filha não estavam. Ligou para parentes e amigos, ninguém sabia. O sócio não foi localizado. Somente no dia seguinte foi informado que a esposa vendeu a empresa e fugiu com o primo sócio.
A situação piorou quando soube que a mulher usou a procuração e pediu empréstimos aos bancos, vendeu a casa, ou seja, deixou somente dívidas.
Decepcionado e revoltado com a situação Carlos teve uma crise de depressão profunda e foi internado como doente mental. Depois de longo tratamento saiu da cidade sem rumo e encontrou um pouco de paz somente na capital, onde quase ninguém lhe conhecia e, assim, não sentiria vergonha.
Agora estava ali, doente, com frio e fome, como se tivesse se penitenciando por um pecado que não cometeu. Ainda estava com a honra ferida. O único desejo que tinha antes de morrer era ver a filha, mas, nesses últimos oito anos nunca mais tivera notícias dela.
O dia estava quase amanhecendo e Carlos não havia dormido. Sentia um frio insuportável e fortes dores nas costas quando desmaiou de repente. Acordou somente na tarde do dia seguinte, com alguém segurando sua mão: era Márcia sua filha!
Márcia tinha agora 18 anos estava à procura de Carlos em todos os lugares, inclusive em necrotérios e registros de pessoas sepultadas. Queria recuperar a dignidade do pai. Então foi informada pela polícia que um indigente encontrado nas ruas de São Paulo tinha as características semelhantes às de pessoa que procurava. Ela foi ao hospital e ao vê-lo não teve dúvida que, finalmente, havia encontrado o pai.
Foi um encontro maravilhoso, uma benção de Deus.
Alguns dias depois, quando Carlos saiu do hospital, Márcia contou as histórias do passado. Disse que dois anos após sua mulher e sócio fugirem eles se desentenderam por causa de dinheiro e, ela o matou. Condenada a 30 anos de prisão, entregou Márcia a uma família desconhecida.
Mas, com ajuda de parentes ela entrou na justiça e recuperou parte do dinheiro. E jurou que o primeiro centavo só seria gasto quando encontrasse o pai – vivo ou morto!
Os dois se abraçaram e choraram muito, agora de extrema felicidade!
A partir desse dia Carlos começou a se recuperar. Até onde se sabe, ele está indo bem, e cheio de planos para o futuro, com a mesma vontade de trabalhar e o mesmo amor no coração.