O sonho inacabado
Nunca pensou que a veria novamente. Não depois de tantos anos. Ele sabia que a atriz Linda Sanches apresentaria sua nova peça no teatro municipal; todos se alvoroçaram com esse fato: a pequena Linda, que brincava nessas mesmas ruas quando criança, e que agora viajava pelo Brasil todo, retornou para sua cidade natal. Porém, havia uma imensa diferença entre ouvir falar dela e tê-la na sua porta.
Os seus nervos gritavam para ele fugir. Mesmo assim, convidou-a para entrar. Linda olhou em volta, e Armando desejou ter arrumado sua casa, que se achava bagunçada, com todos aqueles quadros, estatuetas e outras bugigangas que devia restaurar, consertar e reparar.
Ela estava mudada. Claro, conservava a beleza de sempre, mas perdera o brilho de outrora, a inocência encantadora.
Quando terminou de avaliar os cômodos, deteve o olhar nele:
– Deve estar surpreso com a minha visita.
Ele só conseguiu concordar.
– Eu achei que devia vir, sabe? – Linda continuou – Me explicar.
Reencontrando a voz, Armando falou bruscamente:
– Não é necessário se explicar. Você encontrou uma oportunidade de realizar seu sonho, e a agarrou. Não podia e nem queria impedi-la disso.
– Mas...
Ele não admitiu réplicas. Discutir o passado era muito doloroso.
– Por favor, Linda! Eu não quero tocar nesse assunto. Foi para isso que veio? Para trazer mais sofrimento?
Ela examinou novamente a sala.
– Não. Não foi para isso. Sei que nosso passado é bastante recente. E não é necessário me explicar, não é? Está tudo explícito. Só queria ver como você está.
– Já viu. Agora pode ir.
Ela não pareceu ouvi-lo, e contornou a sala, indo para um amontoado perto da janela. Antes mesmo de Linda tirar o pano que protegia o pequeno monte, ele já sabia o que lá se encontrava. Suas velhas pinturas.
– Você não pinta mais? – ela perguntou, olhando um quadro de cada vez.
– Não. Percebi que não teria futuro.
Antes de sua vida ruir, ele costumava ter metas. Cursar artes plásticas, se tornar um artista renomado. Na sua mente apaixonada, os dois conquistariam o mundo das artes. Mas Linda tinha seus próprios planos, e suas utopias caíram ao chão, quando ela se foi.
A mulher chegou ao último quadro. Até com os olhos fechados, Armando reconheceria essa pintura. Era a única que não terminou.
– Por que não acabou? – pareceu uma acusação da parte dela.
Ele a fitou, e em seguida o quadro que tinha nas mãos. As feições eternizadas no retrato eram de uma garota de dezesseis anos, cabelos caídos até a cintura, uma luz faiscante no olhar. Ainda faltavam muitos retoques a ser feitos: o nariz e a bochecha estavam parcamente pintados, e as cores eram fracas, só um rascunho das que queria usar realmente.
Se fosse comparar a garota do quadro com a mulher que Linda se transformou, veria diversas mudanças. O cabelo de sua musa inspiradora agora ficava nos ombros – certamente por causa do seu papel na peça –, seu corpo amadureceu e adquiriu formas mais sensuais. A vivacidade e o frescor da juventude desapareceram.
– Não vi motivos para terminá-lo depois do que aconteceu. – respondeu à pergunta anterior.
Ela assentiu e deixou o retrato no lugar, se aproximando da porta. Tirou um papel da bolsa que carregava.
– Se tiver uma oportunidade, vá ver a peça. – disse, entregando-lhe um convite. Depois, acresceu: – Armando, nunca quis te magoar. Eu segui meu sonho. Pensei que também seguiria o seu.
Armando aceitou o convite, só por educação. Não conseguiria vê-la atuando. Será que o amor que sentira por ele foi atuação? Num momento, doce e apaixonada; no outro, fugindo com aquele homem, o caça-talentos.
Ela abriu a porta e saiu, descendo a pequena escadaria.
– Meu sonho, ao contrário do que pensa, era você, simplesmente você. – ele murmurou, tão baixo que achou que a moça não o ouviu.
Mas Linda virou a cabeça, entreabrindo os lábios. Por fim, não falou nada e continuou a andar, sem olhar para trás.