Uma árvore de Natal - ou Lágrimas por ninguém

Estava ansiosa e corroída de medo por dentro. Subia-lhe do estômago para a boca um frio que a enfraquecia de tristeza e pânico. Conhecia muito bem aqueles sintomas, bem como a melhor forma de tratá-los: procurando distrair-se de si mesma e daquela dor miserável, que parecia tão fútil - a dor de uma separação (e ninguém tinha morrido), mas que a amortecia terrivelmente.

Para se distrair, poderia procurar a companhia dos amigos, porém de todos se afastara nos últimos anos. Para se distrair, poderia finalmente resolver as obrigações que sempre adiava (terminar a redação de artigos encomendados por revistas; dar banho morno no gato) ou poderia simplesmente alugar um filme que realmente quisesse ver, já que agora ninguém mais a impediria de assistir ao que escolhesse. Ele não poderia mais dizer que não gostava daquele tipo de filme, que era artístico demais e que deveríamos ver algo de ação, de preferência em 3D. Ela sorriu. Queixara-se tanto das exigências do ex-namorado, atribuíra-lhe tanto a razão de sua timidez, de sua insegurança, de sua irresolução quanto aos menores atos - como a escolha de um filme - e agora que tinha diante de si apenas a própria crítica não se permitia escolher um filme porque nem sabia mais ao que gostaria de assistir.

Agora ela era a única responsável por si e aquilo a assustava. Se falhasse, a quem culpar? Mas era preciso mesmo culpar a alguém? Falhar era tão ruim? E o que era falhar, afinal? Um erro hoje poderia demonstrar ter sido um acerto amanhã, dependendo apenas das novas escolhas que fossem feitas a partir do suposto erro.

E ela decidira terminar a relação.

Sentia muita culpa por isso, por se colocar no lugar de algoz, comumente atribuído a quem assume o gesto de declarar o fim, mesmo, muitas vezes, os dois querendo o fim...

A relação estivera agonizante, arrastava-se, não saía do presente, não evoluía. Brigas, desentendimentos, ela e ele sempre se anulando para não contrariarem um ao outro, porque, naturalmente, espontaneamente, contrariavam-se mas, como queriam ficar juntos (por quê?), negavam-se para se adequar ao que o outro queria.

Ela ensaiara o fim várias vezes, mas se perguntava como poderiam terminar se nada mais sério ocorrera. Nenhuma traição, nenhuma necessidade profissional de mudar de cidade, nenhum filho descoberto, nenhuma doença terminal, nada, nada.

Apenas a rotina massacrante, mas tão deliciosa na aparência. Os domingos! Como eram deliciosos! Ele inventava consertos pela casa: o trinco da porta da sala, o interruptor de luz na área de serviço, a torneira da cozinha. Ela inventava sobremesas e pratos leves para o jantar, lavava a louça, trocava os panos de prato, costurava uma capa nova para a tábua de passar roupa. Os dois também faziam amor, mas um amor sem emoção, embora não fosse mecânico, mas apenas um gesto para se dizerem que se consideravam um do outro ou talvez fizessem sexo apenas porque tinham com quem fazer, e isso era alguma coisa, afinal.

Caía a tarde de domingo e sua resolução de terminar o relacionamento enfraquecia. Não seria fácil construir uma rotina com outra pessoa, não seria fácil se acostumar às manias de outro. Ou até seria fácil, pois ela precisava tanto de alguém que faria o possível para não ser inconveniente, para costurar direitinho a capa nova da tábua de passar ou preparar um molho branco especial no macarrão de domingo à noite. Mas e o outro? Ele se adaptaria a ela? Não seria muito exigente?

Os motivos dela para começar a cogitar o fim foram as exigências dele. Em determinado momento, ela se sentira tão cansada que perdera as esperanças de agradar. Nada era bom o bastante, era o que ele dizia no começo. Depois, quando ela já estava amortecida, mecanizada, lavando louças e preparando pratos com rapidez, ele simplesmente dizia, resignado, que aquilo era mesmo o melhor que ela podia fazer e ela já nem sofria mais por não agradá-lo, mas, sei lá, alguma coisa apareceu lá fora - vida - e ela quis ir embora. Quis ir para um lugar onde sua árvore de Natal - e ela montara a primeira árvore de sua vida para aquele homem - não fosse jogada no lixo no dia seguinte por não ter ficado do agrado do Sr. Exigente.

Ela tinha seus defeitos, sim, mas algum dia reconheceria - agora tudo o que sentia era culpa e medo do futuro, medo da solidão - que se esforçara, que fizera o melhor e ele não reconhecera. Ele a chamara para morarem juntos e depois se arrependeu, ou se cansou, nunca deu para saber, pois era um homem muito fechado, cuja alma ela jamais percebera, como se essa alma estivesse exilada atrás de montanhas de emoções reprimidas ou como se essa alma não existisse e ele fosse mesmo algum tipo de narcisista ou sociopata sem real empatia pelos outros.

Dizia uma música: "Lágrimas por ninguém, só porque é triste o fim" e ela se perguntava se não estaria apenas se obrigando a sofrer para se sentir humana, para não se sentir fria como ele, que, por fim, praticara traições e a fizera saber talvez para que ela se fortalecesse na decisão de ir embora. Ela foi embora. Ele não deixou, não aceitou. Cercou-a de todas as formas possíveis. Ela se deprimiu, sentiu-se impotente. Ele demonstrava que ela não era sequer dona de si mesma. Ele era o dono. Ele a queria por perto e ela precisava ficar. Ela já havia se mudado para outra casa, mas passou a ficar a maior parte do tempo com ele. Mais uma vez, provava para si mesma ser uma pessoa arrastada pelo tempo, pela vida, uma pessoa sem iniciativa, sem vontade própria, que apenas se deixava levar. Ele a queria por perto, então ela ficava. Se ele não quisesse mais, ela não ficaria. Quando ele não a quereria mais por perto? Quando ela já estivesse velha e ele arranjasse outra? Quando ela definhasse e ele tomasse nojo de sua cara? Quando ela enlouquecesse? Ela não parecia mais querer ir embora. Estava ali, à mão dele, um autômato que só trabalhava para pagar o aluguel da outra casa, mas que morava com ele sem ter sequer uma muda de roupa na casa dele. Passava os dias com a mesma roupa até ele deixar que ela fosse até sua casa trocar de roupa e lavá-la.

No Natal seguinte ao da árvore jogada no lixo, os dois não moravam mais juntos, mas ainda se diziam namorados. Nesse ano, ela não montou outra árvore. Nesse ano, ela não fez nada, apenas ficou ali, à míngua, esperando o dia em que teria coragem de sair da casa dele e ir para a própria casa alugar um filme na locadora da frente.