a nudez dos anjos

A NUDEZ DOS ANJOS

O gélido vento da noite começava a soprar pelas campinas ao redor do monte Armon. Tamar sabia que tinha pouco tempo para encher a talha de água, antes que começasse a escurecer. O frio em Israel, no inverno costuma ser rigoroso, ainda mais naquelas planícies. A aldeia de Betel, onde Tamar vivia estava privilégiosamente localizada em terras férteis e planas ao pé do Monte Armon e aproximadamente a um quilômetro de distância do rio Zerede.

Tamar pegou uma comprida tira de pano e começou a enrola-la ligeiramente em torno da mão, logo em seguida posicionou-a no ombro direito e se agachando levantou do chão o pote vazio,equilibrando-o no ombro em cima do pano e saiu apressadamente da tenda em direção ao rio.

A aldeia de Betel recentemente estava muito mudada, recebia viajantes de forma anormal, homens nunca antes vistos nos arredores chegavam a todo momento, e os habitantes locais estranhavam que não viam montados, pois todas as aldeias mais próximas ficavam a um distância considerável para alguém vir a pé,portanto era perigoso para uma pessoa sair a sós, ainda mais uma mulher, com tantos estranhos nas redondezas.

Depois de caminhar por meia hora aproximadamente ela chegou às margens do rio, como o sol ainda estava no horizonte , calculou que haveria tempo suficiente para descansar um pouco, antes de começar a caminhada de volta. Desamarrou as sandálias dos pés e deixando-as de lado, assentou-se numa pedra, com os pés dentro d’água e começou a relaxar o corpo e a mente. Ela tinha costume de vir ali, pois era aonde vinha com sua mãe, lavar roupas e apanhar água, mas em nenhum ano anterior ela havia notado os lírios que floresciam do outro lado da rio, era uma visão extremamente bela, os lírios amarelos banhadas pelos fracos raios do sol, que estava quase sumindo ao longe nas colinas faziam-nos parecer feixes de ouro, e os avermelhados pareciam pequenas chamas de fogo brotando do chão. E Tamar suspirava só de pensar em colher-los e levar alguns para casa. Mas isso era impossível para ela, era perigoso atravessar o rio, aparentemente raso e inofensivo,mas traiçoeiro, pois havia buracos no seu leito causado pela correnteza que removia a areia constantemente,caminhar pelo rio Zerede era tarefa para pescadores experientes, aptos a nadar a qualquer momento, não era para uma moça, além do mais já estava escurecendo.

Tamar levantou-se, encheu a talha de água e enrolou a faixa de pano novamente, colocou-a no alto da cabeça e quando se agachou para levanta-la ouviu uma voz do seu lado:

-Posso ajuda-la moça?

Foi grande o susto que levou, mas se virando para ver quem lhe falava sentiu uma mistura de receio e de admiração pelo estranho, pois ele tinha uma aparência elegante e estava muito bem vestido, diferente dos homens da aldeia, com quem estava acostumada a conversar no dia-a-dia.

-Quem é você? De onde veio?

Perguntou ela ainda assustada.

-Desculpe se lhe assustei, ele disse, meu nome é Asael e eu vim daqui de perto mesmo.

-E o seu nome qual é? Perguntou.

-meu nome é Tamar,

-E então posso ajuda-la ?

-Claro que pode.Ela disse.

Então ele levantou a talha com água do chão e colocou na cabeça dela. Ela se despediu e disse que precisava voltar pois logo ficaria de noite. Asael se ofereceu para acompanha-la até a entrada da aldeia, ela recusou, não ficava bem para uma moça andar sozinha com um homem,ele disse tudo bem e ficou olhando ela partir.

Tamar continuava receiosa quanto ao estranho,mas não parou de pensar nele,em como ele apareceu do nada e como tinha feições belas, além de ser simpático a primeira vista. Quando ela entrou na tenda já estava escurecendo,praticamente noite,sua mãe disse:

-Você saiu muito tarde hoje menina, vê se sai mais cedo amanhã para apanhar água, eu já disse que é perigoso ficar andando por aí. Tamar ouviu calada e foi fazer sua refeição antes de se deitar.

Quando o dia amanheceu as últimas névoas da noite ainda lutavam inútilmente com o sol que nascia, os homens já estavam no pasto cuidando cada um do seu rebanho, olhando se alguma ovelha havia dado cria, ou se alguma extraviou-se,outros, já se encaminhavam para as plantações, para a labuta do dia-a-dia.

Tamar se levantou, e não parava de pensar no estranho do dia anterior. Asael era diferente de todos os outros da aldeia, bonito,misterioso, e até assustador,mas talvez fosse por isso que ele não saia dos pensamentos dela, e por isso ela esperava ansiosamente a tarde chegar para novamente ir buscar água, na esperança de vê-lo outra vez, se é que ele voltaria lá de novo. Nesse dia ela saiu de casa mais cedo, pegou a talha, o pano de costume e saiu, não demorou a chegar no rio, outras mulheres já estavam lá, cada uma com sua vasilha para encher de água, elas conversaram um bom tempo,falaram de tudo um pouco, depois, uma a uma foram indo embora até restar somente tamar, então ela encheu sua vasilha de água e começou a voltar para casa,estava um pouco decepcionada consigo mesma por ter alimentado a esperança de rever Asael. É lógico que ele não voltaria ali, ele nem é dessas terras, provavelmente ele passou ali apenas para se lavar no rio,encher o seu cantil e seguir viagem. Pensou Tamar enquanto caminhava de volta. Mas alguns passos á frente,um pouco antes de chegar na aldeia,ela avistou de longe uma figura que parecia ser de um homem,e era, ela ficou receiosa pois tinha motivos para isso, havia boatos na aldeia e em aldeias vizinhas de que algumas mulheres haviam sido forçadas por estranhos,aliás esse era o clima de temor que pairava sobre as terras de Israel nesses dias. O estranho se aproximou e a saudou pelo nome, ela reconheceu logo que era Asael e ficou um pouco menos apreensiva,eles seguiram conversando até a entrada da aldeia. Antes de Tamar entrar em sua tenda Asael disse:

-Agora tenho que ir, mas antes quero dar-lhe um coisa, feche os olhos.

Ela achou tudo muito estranho mas ele transmitia algo encantador, que a fazia sentir-se protegida, ela o conhecia a apenas dois dias, mas se sentia bem ao conversar com ele, se sentia segura e quando percebeu já estava de olhos fechados. Então ele disse:

-Pode abrir!

Ela mal pôde acreditar quando viu nas mãos dele um grande molho de lírios, avermelhados e amarelos, exatamente como aqueles que haviam na outra margem do rio Zerede e que ela tanto queria colher. Ela disse:

-Meu Deus! São lindos, onde você os encontrou?

-Ora, do outro lado do rio tem bastante, eu fui lá e colhir. Ele respondeu.

-Mas como eu não os vi na sua mão antes?

-Isso foi um truque,mas e então você gostou? Ele desconversou.

- É claro que gostei. Respondeu. Eles se despediram e Tamar entrou em casa, com a vasilha de água no alto da cabeça, apoiada com apenas um mão e com a outra abraçando os lírios que ganhara. Definitivamente Asael era diferente dos demais e ela gostava cada vez mais da companhia dele. Ela sentia algo que era novidade e estranho em seu coração.

Tamar já não disfarçava sua ansiedade em relação ao estranho, passou o dia com um sorriso no rosto, e admirando os lírios que ganhará no dia anterior,e todas as amigas que passavam na porta da sua tenda viam o enorme buquê de flores em cima da rústica mesa de madeira dentro de um pote de barro. Quando chegou à tarde sua mãe disse:

- fique aqui hoje,deixe que eu vou apanhar água.

-não minha mãe pode deixar que eu vou. Disse Tamar, com receio de não ver Asael nesse dia.

-Tudo bem mas não demore.

Ela saiu como de costume,no caminho ficou pensando como Asael surgiria dessa vez,ele era tão imprevisível em suas maneiras de aparecer que ela já estava esperando uma nova surpresa,entretanto nesse dia, quando ela chegou à margem do rio ele já estava lá,estava de pé na pedra a margem do rio onde as mulheres se agachavam para encherem as talhas.

-Oi! Disse ele.

-oi! Ela respondeu

Asael desceu da pedra e caminhou em direção a ela, ela permaneceu imóvel, enquanto ele retirava a talha de suas mãos e deixava de lado no chão. Ele segurou em suas mãos e ficaram um de frente para o outro, olhando um nos olhos do outro. Estranhamente não chegava mais nenhuma mulher para apanhar água.Só havia eles. Asael disse:

-vamos dançar?

-você é louco? Não tem música. Ela falou sorrindo.

-é claro que tem, preste atenção que você irá ouvir. Disse.

Então, imediatamente Tamar começou a ouvir uma canção muito agradável, desconhecida para ela mas extremamente deliciosa de se ouvir. E eles começaram a dançar. Rodopiavam de um lado para o outro conduzidos pela canção, e ficaram assim um bom tempo absorvidos na magia daquela música.

Ainda dançando Asael pediu que ela fechasse os olhos, Tamar obedeceu, desta vez sem receio nenhum, ela estava totalmente nas mãos daquele estranho homem que surgiu em sua vida assim, do nada. E envolvidos na dança asael disse novamente pode abrir agora, ela abriu e olhando para ele não viu nada diferente. O que aconteceu? Perguntou ela. Olhe para baixo, ele disse. Tamar ficou branca de susto quando viram que eles estavam dançando sobre as águas do rio Zerede, exatamente no meio do leito do rio, bem distante das margens,seus pés se apoiavam nas águas mas não molhavam.Meu Deus! O que é isso? Que feitiçaria é essa? Perguntou ela agora com medo. Calma! Disse ele, confie em mim, eu te explico tudo, confie em mim. Asael respondeu sem parar de conduzir a dança e tentando acalma-la.

Esse é um dos meus poderes, eu sou um anjo do céu, eu e muitos outros iguais a mim descemos do céu a alguns dias, descemos sobre o Monte Armon, andando por essas terras vimos como as filhas dos homens são lindas, e as desejamos como homens,os outros anjos simplesmente chegaram nelas e as forçaram, mas quando eu vi você eu a amei. Acredite em mim eu lhe amo da forma mais intensa que um homem pode amar uma mulher, desde então eu estou tentando conquistar você. Explicou Asael. Tamar já refeita do susto inicial, estava completamente mas mãos dele, ela já o amava desde o primeiro dia que o viu no rio, e não mostrou nenhuma repulsa de estar com ele. Então, Asael a abraçou, eles se ergueram um pouco mais acima das águas do rio, e ele a deitou, agora abaixando-a como se estivessem na relva as margens do rio, deitados sobre o leito,com as águas do rio correndo por baixo de ambos, como uma toalha que os amantes jogam no chão para se deitarem, Asael se transfigurou diante dela, suas asas se destenderam de tal forma que quase alcançaram ambas as margens do rio, e dessa forma, em cima de um rio, com uma música vindo dos últimos raios do sol oriental, o tempo parou enquanto Asael amava tamar, tendo os lírios nativos daquela região com testemunha desse momento.

De volta em casa Tamar não sabia o que pensar de tudo isso que havia acontecido com ela nos últimos dias, como seria dalí pra frente, e deitada, não conseguia dormir. Ela ainda não sabia, mas naquela noite, ninguém na aldeia de Betel iria conseguir dormir.

Quando deu por volta da meia noite, os moradores de Betel e outras aldeias próximas foram acordados por trovoadas e relâmpagos assustadores que se concentravam no cume do Monte Armon. Os anciões da aldeia diziam que nunca haviam visto uma coisa como aquela antes. O céu estava estrelado, não havia nenhum sinal de chuva e os trovões e clarões no cume do monte não cessavam.

Eles não sabiam, mas lá em cima estava acontecendo um acerto de contas, sim o poderoso anjo Uriel havia descido do céu com a ordem de ajuntar e levar para julgamento todos os anjos que haviam amado mulheres com se fossem homens. Eram centenas de anjos que clamavam por misericórdia, pois sabiam que o pecado que haviam cometido era gravíssimo aos olhos do Senhor.

Quando Uriel chamou o nome de Asael, ele se apresentou perante ele e se ajoelhou pedindo clemência: Meu senhor, deixe-me aqui mais um tempo, deixe-me ficar e viver com ela, eu a amo, eu fui contagiado com esse sentimento que os homens têm. Eu não me importo com nenhuma futura punição, pois não existe para mim, na terra nem no céu, punição maior do que existir longe da presença de Tamar. Uriel, vendo a sinceridade do coração de Asael, disse: Vejo que tuas palavras são sinceras, sendo assim você será despido de seus poderes celestes, passará a viver como homem, sentirás o calor do sol queimando tua pele, sentirás o frio da noite doendo em teus ossos, terás que trabalhar a terra para tirar o seu sustento, estarás sujeito as enfermidades humanas, ao cansaço, a velhice e a morte. Vá e viva com ela, e um dia serás julgado no julgamento dos homens. E assim Uriel voltou aos céus levando consigo todos os outros anjos, deixando o homem Asael no cume do monte Armon. Quando os trovões cessaram, o dia estava quase amanhecendo, foi quando os habitantes de Betel conseguiram dormir um pouco.

O sol estava no meio do céu quando Asael chegou a porta da tenda de Tamar, nas mãos trazia outro molho de lírios, ela não pôde deixar de observar que suas roupas estavam sujas e molhadas. Ele, entendendo seu espanto disse: Meu amor, eu tive que atravessar o rio a nado e caminhar bastante para apanhar esses lírios.

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harleci rodrigues
Enviado por harleci rodrigues em 20/02/2012
Reeditado em 12/04/2016
Código do texto: T3510051
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