Anita, a pequenita...
O avô de Anita tinha sido marinheiro. E desde que ela começou a entender as primeiras coisas do mundo, ouviu dos prazeres de navegar.
O avô colocava-a na boleia do caminhãozinho de verduras, e assim iniciou-a nos mistérios dos astros. Contava-lhe de como a cada estrela no céu corresponde uma pessoa na Terra. Explicava que por isso os navegantes jamais estavam sós.
Anita encantava-se especialmente pelos relatos da hora de dormir de um marinheiro.
Não ficavam no escuro silêncio de um quarto, atemorizados, como ela. Mas no catre do convés com a companhia do mar, que lhes embalava o sono, com seus rugidos e seus sons, que jamais se repetiam.
Eram musica que os homens não conseguiam imitar, por mais que tentassem. Nenhuma sinfonia, nenhuma sonata, era capaz de alegrar o coração como fazia o mar, essas coisas sempre lhe dizia o avô.
Separaram-se quando ela era pequena, para estudar na capital.
Foram muitos anos em que o avô caminhava pelas montanhas e vales próximos e distantes da aldeia, procurando esquecer a dor que a saudade da menina lhe causava. Depois do mar, fora Anita que mais o entendera. E fora ela que Helder mais amara.
Nas raras noites claras de verão do lugar em que morava, gostava de encontrá-la na constelação de escorpião e ficar conversando muito tempo com ela.
Num final de tarde, ouviu suaves batidas à porta.
Mal conseguiu perceber quem era, sufocado por fortes abraços e um rosto molhado em lágrimas. Foram longos minutos até que a pessoa falasse a que vinha, em palavras preparadas como a revelar o sonho de uma vida inteira:
“ – Hoje você vem comigo na boleia. Nunca mais vai dormir aqui. Acabo de comprar uma casinha em Cascais. A janela de seu quarto fica exatamente em cima do mar.”
Ao que o avô respondeu com ternura, afagando os cabelos daquela mulher: “- A estrela sempre insistiu na verdade. Dizia que o mar não havia esquecido de mim.”