Antiga Paixão
Eu não me importava que ela fosse mais velha. Nem que me visse somente como seu vizinho. Estava apaixonado. As fugazes paixões que tive anteriormente não eram nada se comparadas ao calmo amor que por ela sentia; nos seus olhos encontrava paz e refúgio contra meus problemas.
Ninguém sabia quase nada sobre a Srta° Morais. Ela chegara à cidade há pouco tempo e lecionava aulas particulares de canto. O fato de morarmos próximos não me revelava coisa alguma. O único contato que tínhamos era um amistoso “bom-dia” em frente a nossos portões, já que saíamos no mesmo horário, eu para estudar, ela para trabalhar.
Claro que esse mistério aguçou minha mente adolescente. Desejava saber tudo sobre ela, seus gostos, seu passado; até seu nome me era omitido. Porém, essa curiosidade só serviu para aumentar meu amor.
A única coisa que me restava fazer era observá-la. A srta° Morais raramente saía de casa, exceto para o trabalho, mas algumas vezes era possível ver sua sombra passar na janela. Eu imaginava o que ela fazia, o que comia no jantar... E depois de horas e horas de vigília, como o coração aos pulos, ficava esperando ansioso nosso “bom-dia” costumeiro.
Essa paixão era guardada a sete chaves no peito. Não contei nem a ela, que certamente me rejeitaria. Além do quê, as pessoas não entenderiam, achariam imoral eu estar amando uma mulher de 38 anos, mais madura. Tentava esconder isso do melhor jeito, o quê não era fácil: eu queria gritar a todos que a amava.
Entretanto, um dia meu mundo se transformou. Acordei para ir ao colégio, mas ela não se encontrava no local onde nos cumprimentávamos habitualmente. Olhei o relógio; o horário estava certo. Mesmo confuso, não me preocupei. Talvez ela tivesse ido mais cedo à aula de canto.
Quando saí da escola, não me contive e fui até o seu trabalho. Ela tinha faltado, sem dar nenhuma explicação aos seus alunos. Fiquei inquieto. Sentia que alguma coisa estava errada, então corri para a casa dela. Bati umas quatro vezes na porta, até que uma pequena fresta se abriu.
A srta° Morais ficou surpresa. Eu nunca tentara ultrapassar nossa barreira de ligeiros cumprimentos. Ela me convidou para entrar e percebi que seus olhos estavam vermelhos.
Várias perguntas se passaram na minha cabeça, mas fiz uma bem simples:
– Está tudo bem?
– Sim. – ela disse, com lágrimas nos olhos. Depois acrescentou: – Às vezes o amor nos faz cometer loucuras, não é?
Eu não entendi o que ela quis dizer com isso, então concordei. Queria abraçá-la, consolá-la; contudo, hesitei, e no fim só ofereci minha ajuda.
– Ah, meu rapaz, obrigada. Mas ninguém pode me ajudar.
Em seguida, ela abriu a porta para mim e murmurou, sorrindo:
– Adeus. Tenha meu eterno bom-dia.
Saí e atravessei seu jardim, a mente em turbilhão. O que de fato acontecera? Ela estava bastante esquisita. A conversa que tivéramos foi estranha e nada esclarecedora. Com o corpo trêmulo, retornei para a entrada da casa. Quando já me preparava para bater, escutei um disparo e o baque, surdo, de um corpo caindo no chão.