Me transformo em luar
Sentada na cama, a bela moça de pele clara segura o porta-retratos, no qual ela aparece abraçada com seu grande e inesquecível amor, que por ironia do destino fora interrompido prematuramente.
Segura a aquela fotografia contra o peito, fecha os olhos e começa a recordar.
Seu pensamento retorna a um belo passeio no parque, onde o casal, sentado na grama troca palavras de carinho e longos beijos, interrompidos de tempos em tempos para prosseguir na leitura de um livro de romances.
Ela não se esquece de como ele falava docemente aquelas palavras de carinho.
Noutra lembrança, recorda o momento do pedido de noivado, num barzinho da Rua do Comércio, no qual presenteou-a com um belo anel e uma corrente, cujo pingente forma as iniciais do nome do casal.
A lembrança prossegue. Agora aos seus olhos vêm a imagem naquela mesma cama. As horas que passavam ali trocando muitos beijos, abraços e juras de amor. Recordou ainda a primeira noite que passaram juntos, ao som de uma chuva de inverno, a qual tocava uma romântica melodia ao verter-se no velho telhado.
De repente a bela lembrança é convertida à tristeza da solidão. As mesmas cenas se repetem ao enxergar o parque com o livro de romances aberto e solitário, sendo suas páginas tocadas pelo vento. O bar com as mesas vazias, colar e anel esquecidos. A cama, na qual apenas ela estava, com seu porta-retratos. Lembranças de um amor, tristemente interrompido pelo destino.
Ao virar-se em direção à porta, avista o dia no qual se despediu do seu amado, que partiria para uma viagem de trabalho. Não esquece daquele último beijo trocado e das lágrimas que derramou, pois em seu coração já sabia que este seria o último momento que estariam se vendo.
Esta cena do porta-retratos se repete após vários anos do fim desta união.
Ainda hoje, a apaixonada senta-se na cama para recordar seus momentos. Ao ver seu amado chegado todos os dias sorri para ele, o qual ignora seu olhar, pois jamais poderá vê-la.
Ele se senta na cama, pega o mesmo porta-retratos e recorda sua amada que tão precocemente o deixou.
Portadora de uma doença terminal, ela o vira partir em viagem a trabalho e, ciente que seus dias estão abreviados, coloca-se a chorar e falece ali mesmo horas depois. Quando seu amado retorna de viagem não a encontra mais e ainda hoje sente sua falta. Talvez esta falta seja mais intensa por um importante motivo: o espírito de sua amada permanece ali, todos os dias e de alguma forma, o rapaz sente a sua presença invisível, sentada na mesma cama, a olhar o porta-retratos, angustiada, pois ainda que possa vê-lo ele não a vê e isso vai se repetir para sempre, ou enquanto durar esse grande amor.