O REENCONTRO (F-Relíquias de uma vida)

RELÍQUIAS DE UMA VIDA - CAP VI

O REENCONTRO

Tom ainda ficou mais um tempo ali parado com os olhos fixos na estrada, na esperança de ainda ver o ônibus uma vez mais – sabia que isso era impossível - como se àquilo fosse um alento para o seu coração, embora não pudesse vê-la, mas sabia que ela estava dentro daquele ônibus. As lágrimas desciam copiosamente banhando seu rosto...a sua dor era imensa, parecia que seu peito iria sangrar...ficou ali por alguns minutos à mais com os olhos pregados na estrada, como se na esperança de o ônibus desandar e trazê-la de volta. Por fim desistiu e pegou o caminho de volta.

Ao passar diante da janela do quartinho dela foi doído demais...o coração dele estava pequenininho, a sua alma chorava incontrolavelmente, estava doendo muito...e pronunciou pra si mesmo: meu Deus, eu não vou agüentar...

Continuou seu trajeto, e foi para o seu apartamentinho. Agora tudo ali era recordações...olhava para a mesinha onde tantas noites ela esteve estudando com ele...em seus ouvidos ficava ecoando o barulho do chinelo dela descendo o degrau do corredor...o som da sua voz que sempre o chamava antes de chegar na porta, ô Tom...As lembranças iam cada vez mais se amontoando...Muitas perguntas lhe enchiam a mente também: como será de agora em diante sem tê-la por perto?como será sua vida sem a sua doce Mel?porquê tinha que ser assim...porquê?

Bem, tinha que tocar a sua vida. Logo haveria sua formatura e ainda tinha algumas coisas a providenciar, trabalhos da faculdade a concluir, etc. E assim, procurou voltar sua atenção nesse sentido para também amenizar a dor da saudade.

Em fim, o dia tão sonhado da vida do Tom havia chegado, o da sua formatura. Um sonho que estava se realizando. Estavam presentes seus familiares e alguns parentes. Juntados à eles, estavam também os do lado do Fred – amigo e companheiro inseparável. Era o dia mais importante da vida dele, estava muito feliz, mas faltava alguma coisa...sim, faltava a Mel...além de tudo que ela lhe representava, foi sua companheira, dividiu com ele as dificuldades, os sonhos, as alegrias, cuidou dele, era a sua melhor amiga e lógico a dona do seu coração, embora isso ficasse debaixo de sete chaves.

Ao subir no palco para receber o diploma ele pensou: que pena que ela não está aqui, queria poder dividir com ela essa conquista...aposto que se estivesse ali na platéia iria estar orgulhosa desse amigo aqui...e ficou à imaginar ela sentada ali, com àquele lindo sorriso que lhe era peculiar...

Mesmo com todo àquele movimento e burburinho alegre que é normal em dias de formatura, ele se sentia triste...

Passado as festividades, era chegado a hora de “desmanchar o rancho” pois precisava entregar o apartamentinho para a dona Iolanda. O Fred seu companheiro já tinha levado as coisas dele.

Estava meio perdido, agora era hora de batalhar por um emprego. Mas isso estava muito difícil, sabia que para um recém-formado seria mais difícil ainda encontrar colocação por isso resolveu aceitar o convite do seu colega Fred para juntos abrir um escritório na cidade dele que ficava perto de Paraíso. Além de serem muito amigos, era a chance de poder estar um pouco mais perto da Mel.

E assim, tomou logo as providências, embalou seus livros e algumas coisas que fossem possíveis carregar no bagageiro do ônibus. Conseguiu com o Professor vizinho, para deixar suas coisas provisoriamente no porão da casa dele, porque a dona Iolanda precisava alugar o cômodo.

Ao terminar de fazer a mudança já era noite. A dona Iolanda disse assim:

ô Tom?! porquê você não dorme aqui e deixa pra ir amanhã. Pode dormir no quartinho da Mel, ela não vai se importar, pelo contrário, vai gostar de saber que você dormiu na cama dela.

A dona Iolanda apesar das suas esquisitices, era uma mulher vivida e sabia que entre o Tom e a Mel existia alguma coisa muito mais que apenas amizade, embora nunca se atreveu a fazer comentário algum nesse sentido.

O Tom ficou todo feliz, pois iria ocupar por uma noite o quartinho da Mel...Pegou as suas coisas que havia separado e assim meio desconfortado, sem jeito, porque não gosta de incomodar às pessoas, foi para o quartinho da Mel.

Ao entrar ele sentiu algo diferente...quanta ternura, quanto carinho existia em tudo aquilo ali...sua alma estava em festa...Primeiro sentou na cama, depois deitou esticando o corpo e nesse momento pode sentir o cheiro dela...meu Deus! – exclamou ele baixinho - que coisa mais deliciosa, mais gostosa sentir o cheiro dela... iria passar uma noite no “mundinho”dela...tudo ali era na verdade um pedaço da Mel...e ele ficou todo maravilhado...quase nem conseguiu dormir, era algo muito sublime...ele tinha tanto carinho, tanta ternura por tudo que era dela...sim, até pelo chinelo dela ele tinha carinho.

A Mel não era muito de deixar que as emoções suplantassem a razão, mas àquela carta tinha mexido muito com ela. Não só pela emoção com que foi escrita mas também porque “abalou” as suas estruturas, fez ela admitir pela primeira vez que trazia no seu coração um sentimento que até então procurou se convencer de que era apenas amizade.

A menina que sempre procurou ser mais razão, estava agora rendendo àquele sentimento, que ela sabia que era diferente de todos já vividos mas que apesar de belo, de sublime, ela não poderia vivê-lo. E como não era pessoa de se arriscar muito, deixar o certo pelo duvidoso, mesmo que isso viesse a lhe trazer um pouco dor, não se deixou ficar muito envolvida e pensou: isso logo é passado, não posso e não devo deixar- me envolver. E assim, guardou a carta que tinha lido por várias vezes e concentrou seus pensamentos naquele aquém estava prometida. A ele sim, é quem ela deveria canalizar seus pensamentos de amor.

Mas as coisas do coração não é como a gente quer e sim como elas são. Os dias foram passando e a Mel apesar de procurar não deixar àquele sentimento a envolver, sentia a saudade lhe bater forte na alma. Agora estava mais forte que das outras vezes. Certo dia, ela surpreendeu consigo mesma, por estar relendo a carta, mas como era rigorosa com os seus princípios, logo a guardou e pensou novamente: isso é passado. Na verdade no seu íntimo travava uma verdadeira batalha entre a emoção e a razão. E assim, não via a hora de voltar às aulas, pois queria ter notícias dele e claro, tinha esperanças de poder vê-lo novamente.

O Tom quase não conseguiu dormir naquela noite, acordava seguidamente como se quisesse ficar disperto para aproveitar um pouco mais das coisas dela. Passou a maior parte da madrugada acordado pensando nela...imaginando como seria dali pra frente...como seria a vida sem nunca mais poder vê-la...sim, o que tudo indicava que nunca mais eles iriam se encontrar novamente.

Cada vez que ele virava naquela cama o cheiro dela parecia recender e ele se deixava inebriar por àquele aroma que acalentava o seu coração, cariciando a sua alma mas também, lhe trazendo a dor da saudade e ele acabou não agüentando e se rendeu às lágrimas...chorou, chorou...até suas lágrimas secarem, estava doendo demais...

Olhou no relógio, ainda levaria um bom tempo para o amanhecer, passava um pouco das quatro da madrugada, não queria perder a hora, pegaria o ônibus logo cedinho, mas dava ainda para dar um cochilo porém, o sono não veio e o dia acabou chegando sem conseguir dormir mais.

Ele estava preocupado em como ela iria acordar agora, pois ele não estava mais ali para chamá-la então resolveu deixar o seu despertador e um radinho que ele sempre ouvia música nas noites enquanto estudava, para ela ir usando.

Logo cedinho antes mesmo da dona Iolanda se levantar, pegou sua bolsa e saiu, foi para o ponto do ponto do ônibus. Agora era começar vida nova, correr atrás de um emprego. Sabia que não iria ser fácil.

O seu amigo Fred já havia encontrado um local para abrir o escritório, ficava no centro da cidade. Conseguiram com os parentes do Fred alguns móveis usados para compor o ambiente, o básico, tudo na maior simplicidade, coisa que lhes eram comum.

Inicialmente iria ficar hospedado na casa do seu amigo, aceitando assim o convite dos pais dele que o considerava como pessoa da família. A vida financeiramente era muito difícil para ele, o dinheiro muito curto, vivia sempre fazendo economia daqui e dali e àquele convite para morar com eles veio de bom grado.

Os dias foram passando e não aparecia nenhum projeto que trouxesse um incentivo maior àqueles dois recém-formados. Não havia nem mesmo movimento de interessados em projetos que viessem proporcionar um ensaio de alguma perspectiva de melhora.

Diante desse quadro o Tom resolveu que iria sair à procura de emprego em outras paragens. Decidiu que iria até uma cidade no interior do estado de São Paulo, onde moravam alguns parentes da sua namorada, eles sempre diziam que era uma cidade promissora, etc e tal.. E assim o fez.

A Mel ao descer do ônibus à primeira coisa que sentiu foi a falta daquele sorriso cativante que sempre estava ali à sua espera. Ainda olhou em derredor como se quisesse acreditar que ele poderia estar por ali.

Estava retornando das férias para o último semestre naquela cidade. Pegou a sua bolsa e encaminhou para a casa da dona Iolanda. Ao aproximar do portãozinho o seu coração já batia meio em descompasso, uma mistura de ansiedade, como se ela esperasse encontrá-lo ali.

Venceu rapidamente a distância do portãozinho até a casa e foi logo entrando, pois a porta estava só cerrada e foi logo dizendo: dona Iolanda?

Ui! – respondeu ela – Era assim que ela às vezes se expressava a um chamado.

Depois dos cumprimentos a Mel foi logo perguntando, e o Tom, tem notícias dele?

Foi embora, deixou um abraço para você, deixou um pouco das coisas dele no porão do professor – respondeu ela.

Ah, – continuou ela – ele deixou o radinho e o despertador pra você ir usando. Ele dormiu uma noite na sua cama, eu disse pra ele que você não iria se importar.

Fez muito bem – respondeu ela. E ato contínuo, pegou sua bolsa e foi logo para o quartinho, no ímpeto de ainda sentir um pouco da presença dele. Foi logo pegando o radinho e o despertador nas mãos...o radinho que ela tanto viu sobre a mesinha dele enquanto estudavam...Ao tocar naqueles singelos objetos, parecia senti-lo..a saudade bateu forte.

Já tem alguém morando aí?- perguntou a Mel.

Ainda não – respondeu ela.

E sem dizer nada, a Mel deu meia volta, fez como de costume, passou pelo corredor com a mesma pisada ao descer o degrau e parou diante da porta do apartamentinho...nesse momento foi impossível segurar... um nó lhe veio à garganta, seu olhos ficaram marejados de lágrimas...Como não era mulher de se deixar dominar pela emoção, logo se refez e bateu em retirada.

A dona Iolanda sabia que a Mel estava sentindo falta do Tom, por isso não fez comentário algum, sabia que eles significavam muito para o outro, até se arriscaria dizer que eles se amavam. Mas como era uma mulher comedida, não se sentia no direito de opinar ou comentar alguma coisa em relação aos dois. Raramente ela comentava muito sutilmente com eles alguma coisa sobre o outro.

A Mel pôs então a desarrumar sua bolsa e acomodar suas coisas no guarda-roupa. Enquanto fazia isso ficou a pensar o que o Tom teria sentindo ao dormir na cama dela. Ficou super feliz em saber que o Tom fez parte do seu mudinho por uma noite. Ela tinha um carinho imenso por ele, como se fossem um pedaço seu.

Depois de dar as notícias e saber das novidades da dona Iolanda a Mel voltou para o seu quartinho, olho para o radinho e o despertador e começou a perguntar em pensamentos: como seria ali de agora em diante sem ele...estava tudo muito sem graça, estava faltando uma coisa...

Foi até a bolsa e retirou a carta dele e começou a ler novamente...cada palavra era uma lembrança...como era profundo tudo àquilo...ela não imaginava que iria ser tão doída a separação nem muito menos, que ele significasse tanto para ela.

Vou responder a carta e quando tiver oportunidade a entrego pra ele – pensou ela. E assim, com a alma embebida na nostalgia e o coração revestido em ternura começou a escrever... Pela primeira vez estava deixando seu coração falar...

A viagem do Tom não lhe trouxe nenhuma perspectiva de emprego, pra dizer a verdade foi uma decepção total. O que ele encontrou não condizia com o que tanto haviam lhe dito, que era fácil encontrar emprego de engenheiro ali.

Paraíso ficava na rota do seu caminho de volta então iria aproveitar e fazer uma parada ali para ver a Mel, já iria completar dois meses desde o dia em que se despediram.

Durante a viagem não ousou pensar em outra coisa que não fosse nela. Vez por outra lhe dava um friozinho na barriga, ao pensar e se ela não tivesse nem aí com ele...será que ela gostou da carta ?será que ela estava sentindo falta dele? essas perguntas ficam martelando sua cabeça durante todo o percurso de volta.

Paraíso estava se aproximando, já se notava ao longe as primeiras casas. Tom se acomodou melhor na poltrona do ônibus, logo, logo estaria chegando, como iria ser... – pensava ele - será que ela estava em casa ou na faculdade? entretido em seus pensamentos nem viu que já estavam no trevo.

O ônibus contorna o trevo para entrar em Paraíso, agora faltava menos de 1.800 metros para chegar e ele vê-la novamente. O coração já batia em um ritmo acelerado, se fazendo notar pelo movimento da blusa em seu peito.

Desceu do ônibus rapidamente, já levando sua bolsa de mão. No seu peito já não cabia de tanta ansiedade, andou em passos rápidos, queria chegar logo. Com a mão trêmula de emoção tentava abrir o cadeado – ainda tinha a chave – o coração parecia sair pela boca...

Será que ela está aí?– pensou ele – e foi entrando rapidamente. A porta da sala estava fechada, o vitrô do quartinho da Mel estava entreaberto. Ele escutou barulho de torneira. Continuou, fazendo o caminho de tantas vezes, que iria dar junto da área de serviço da dona Iolanda. Deve ser a dona Iolanda – pensou ele - e sem fazer barulho continuou...

A Mel estava de costas lavando os talheres do almoço no tanque. Ele ficou ali parado feito uma estátua, olhando pra ela...Ela não percebeu sua chegada.

Oiiii.... – Disse ele, calmo e meio arrastado.

A Mel ao ouvir àquela voz virou de repente num gesto de espanto e alegria e sem se conter, deu um pequeno grito e do jeito que estava com as mãos ensaboadas, pulou no pescoço dele...Foi um abraço de alegria, de saudade, de ternura, de felicidade...

Foi na verdade, o primeiro abraço entre os dois aliás, o primeiro toque de carinho entre eles. O Tom sentiu algo molhar sua blusa perto da nuca, era o bombril que Mel estava lavando os talheres.

Foi um momento dos mais sublimes na vida dos dois, onde os atos puderam dizer muito mais que as palavras. Os momentos seguintes foram de verdadeira magia, onde puderam contar um pouco de si, das novidades, etc e tal.

A Mel não fez comentário algum sobre a carta que o Tom escreveu. Acho que ela não gostou, pois não disse nada – pensou ele.

Depois de conversarem por um bom tempo o Tom seguiu viagem. Na hora da despedida a Mel tinha um envelope nas mãos.

Toma isso, é pra você ler depois – disse ela lhe entregando o envelope. Ele pegou e o guardou no bolso.

Menino Sonhador
Enviado por Menino Sonhador em 26/01/2012
Reeditado em 31/07/2012
Código do texto: T3461902
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