O Ano de 1855
Segunda-feira, 31 de março de 1855
Lá vem a Sra Lourdes e sua filha Malva. As duas exibem seus belos vestidos, chapéus e sombrinhas. Vêm em direção a minha casa trazendo um grande embrulho.
Minha mãe sai ao encontro delas. São as Sras que mais frequentam a nossa pequenina loja de costura.
Começamos a costurar pra fora no ano passado, porque o que o meu pai e o meu irmão estavam ganhando no armazém não estava cobrindo nossas necessidades.
- Que belo tecido! Dará um belo vestido! - disse minha mãe com simplicidade e contente, porque costurando um vestido para Sras da sociedade ganharia um pouco mais e notoriedade para os seus serviços.
- Dona Lúcia, os nossos vestidos nunca poderiam ser feitos deste tecido. São para cortinas. - disse a Sra Malva com uma pitada de sarcasmo e olhar esnobe.
O tecido era de um azul cor de céu que reluzia aos meus olhos e me fazia imaginar um lindo vestido que nunca pude ter.
Meu pai e meu irmão trabalham para o Sr Theóphilo, esposo da Sra Lourdes, é pai da Sra Malva e do Sr Cristóvão que faz o meu coração bater tão disparado e me faz ficar tão nervosa, tão atrapalhada. Cada vez que ele vem buscar as encomendas da Sra sua mãe eu me escondo atrás da cortininha e fico a espiar suas feições falas e gestos.
Quando minha mãe está ocupada e sou obrigada a atendê-lo tremo feito vara-verde, gaguejo e abaixo tanto a cabeça que quase dá para escondê-la debaixo do balcão. Ele é sempre gentil e educado. Uma vez até tocou na minha mão sem querer quando lhe entregava o pacote. Ele pediu muitas desculpas, me assustei tanto com o toque que afastei bruscamente do balcão, tropecei no banquinho que estava atrás de mim e caí. Ele passou rapidamente pela portinha lateral e foi me acudir, segurou no meu braço e mão, olhei bem dentro dos seus olhos.
São os olhos castanhos mais lindos e mais brilhantes que eu já vi. Ele olhou fixamente para mim sorrindo, de repente a minha mãe abriu a cortininha e perguntou em alto tom:
-O que acontece aqui? Sr Crsitóvão o que faz abaixado atrás do balcão segurando a mão da minha filha? O que pensarão as pessoas, o que comentarão? Uma moça de família não deve ser tocada por um homem que não é nada seu, não é seu pai, seu irmão ou esposo.
- Sra minha mãe, ele só estava....-comentário em vão na tentativa de explicar o acontecido.
- Cale-se. - gritou muito nervosa.
- A Sra tem razão Dona Lúcia, me perdoe, mas a minha intenção era apenas de ajudar a Sra....
Ele ficou olhando para mim esperando que eu dissesse meu nome.
- Otília. - respondi. - O meu nome é Otília.
- Tem um lindo nome. - disse ele sorrindo para mim.
- Obrigada e as encomendas estão todas aqui e já estão pagas. - disse a minha mãe tomando a minha frente quando eu ia agradecer o elogio.
Ele entendeu o recado agradeceu educadamente e foi embora.
A mãe falou a noite inteira, disse que eu não o atenderia mais, que eu parasse de sonhar, que era imposível um compromisso entre nossas famílias, que herdeiros ricos só se casavam com herdeiras ricas ou que pelo menos tivesse um bom dote, ou família de tradição, e ainda me disse que contaria tudo para o pai se acaso ele voltasse na loja e eu me atrevesse a atendê-lo novamente.
Não consegui dormir, passei a noite muito confusa. Eu não quero perder estes pequenos momentos em que nos encontramos, quero pelo menos poder sonhar já que a minha mãe deixou bem claro que nunca passará disso. Ele já faz o meu coração bater mais forte à 3 anos, o vi pela primeira vez quando fui levar o almoço para o pai e o meu irmão.
O pai atendia o balcão do armazém e me pediu para entrar e deixar o almoço no depósito.
Entrei como fazia sempre e dei de cara com ele que estava todo sujo, com roupas simples, ajudava meu irmão na arrumação do estoque. Fiquei paralisada.
Ele ficou olhando pra mim e eu parei de respirar, não acreditava no que estava vendo. Um homem simples, esforçado, todo sujo de aparência bem diferente dos outros homens, com seus cabelos castanhos compridos na altura dos ombros, sem bigode e grandes olhos que sorriam para mim.
Voltei a respirar quando o pai entrou e apresentou o Sr Cristóvão num tom imperativo mostrando o meu lugar. Desde esse dia eu não o encaro mais, e toda vez que nos encontramos ele é gentil e educado e tento me fazer acreditar que ele só age assim porque tem muito apreço pela minha família, pelo menos é o que a minha mãe diz. Mas o meu coração me diz outra coisa, diz que ele corresponde aos meus sentimentos.
Sábado, 05 de abril de 1855
Na manhã de hoje ele voltou contrariando minha mãe que ao vê-lo atravessar a rua em direção a loja, me empurrou para trás da cortininha. Fiquei a observá-lo pela fenda.
Minha mãe foi um pouco rude e ele como sempre gentil. Pude ver os seus olhos percorrendo pela loja toda enquanto falava e parar ao passar pela cortina, achei que ele me via e de tão nervosa que fiquei quase cai no degrau ao me afastar. Quando o ouvi dizer que contava com a nossa presença na festa em que comemoraria o seu aniversário, não me contive e saí de trás da cortininha. Ele sorriu e me cumprimentou dizendo:
-Faço muito gosto de presença de toda família.
Minha mãe agradeceu em nome de meu pai e deixou claro que não iríamos.
Ele contou que ia ser uma festa simples, pequena, no terreiro mesmo, com boa comida e bebida, deliciosos doces feitos pelos escravos libertos que ele orgulhoso chamava de empregados. Também disse que estariam presente apenas a familia e os empregados da fazenda e alguns amigos especiais, a minha família estava entre os amigos especiais. Contou que sua mãe queria uma festa grandiosa, salão, muitas pessoas que ele nem conhecia. Ele não aceitou e ela disse que se não fosse uma festa do jeito dela, ela não apareceria. Insistiu mais uma vez pela nossa presença e se despediu com um sorriso maravilhoso.
Eu fiquei eufórica parecendo uma criança teimosa, insisti muito para que fôssemos.
Minha mãe nada respondeu, apenas se virou e entrou.
Esta tarde pareceu durar um ano, e quando chegou logo anoiteceu. Jantamos cedo como de costume, todos estavam silenciosos, percebi que não íriamos mesmo para a festa. Todos os meus sonhos se desfizeram. Sem nada dizer fui para o quarto e já me preparava para dormir quando minha mãe entrou e nas mãos trazia um lindo vestido azul.
- Mãe, o que é isto?
- Um vestido, ora! Eu fiz com os retalhos da cortina da Sra Lourdes. Não é tão bonito quanto os das Sras, mas não fica muito atrás. Se apronte, seu irmão vai levá-la para a festa e representar a família. Seria uma falta deixar de prestigiar o Sr Cristóvão que é tão bom e atencioso conosco.
Senti vontade de chorar, pulei nos braços dela, a abracei forte.
Chegamos e o Sr Cristóvão veio nos receber, me ajudou a descer da charrete e disse entusiasmado como eu estava bela. Para dizer a verdade esta foi a noite em toda a minha vida que me senti a mais bela de todas.
A noite foi maravilhosa, nossos olhares se encontraram o tempo todo. O céu estava estrelado e a brisa da noite soprava suave. Caminhei um pouco mais distante das pessoas e logo ouvi passos atrás de mim, meu coração já me avisava de quem eram.
- É uma bela festa Sr Cristóvão e a noite está maravilhosa.
- Não mais bela e nem mais maravilhosa do que a Sra, que trouxe luz e vida a esta festa. Fiquei aflito imaginando que não viesse.
Me virei olhei fixo para ele e não senti o chão sob meus pés, me pareceu que todos sumiram e só existia ele e eu. Que se aproximou mais pegou suavemente as minhas mãos e disse:
- Sempre gostei de trabalhar no armazém, mas desde a primeira vez em que a vi, ía mais feliz com mais ânimo sempre na intenção de encontrá-la novamente. Então passei a buscar as encomendas da Sra minha mãe acreditando que os olhares da Sra correspondem aos meus sentimentos, assim sendo, tomo a liberdade de pedí-la em casamento.
Parei de respirar de vez, meus ouvidos não acreditavam no que eu tinha acabado de ouvir.
Ele insistiu em uma resposta:
- Se estas preocupada com o Sr seu pai e a Sra sua mãe, já estão cientes do meu pedido. O fiz esta tarde, e ele me disse que o sim só poderia vir de você.
Sem pensar me joguei nos seus braços. Eu sei que não é correto, mas não me contive.
Segunda-feira, 31 de março de 1855
Lá vem a Sra Lourdes e sua filha Malva. As duas exibem seus belos vestidos, chapéus e sombrinhas. Vêm em direção a minha casa trazendo um grande embrulho.
Minha mãe sai ao encontro delas. São as Sras que mais frequentam a nossa pequenina loja de costura.
Começamos a costurar pra fora no ano passado, porque o que o meu pai e o meu irmão estavam ganhando no armazém não estava cobrindo nossas necessidades.
- Que belo tecido! Dará um belo vestido! - disse minha mãe com simplicidade e contente, porque costurando um vestido para Sras da sociedade ganharia um pouco mais e notoriedade para os seus serviços.
- Dona Lúcia, os nossos vestidos nunca poderiam ser feitos deste tecido. São para cortinas. - disse a Sra Malva com uma pitada de sarcasmo e olhar esnobe.
O tecido era de um azul cor de céu que reluzia aos meus olhos e me fazia imaginar um lindo vestido que nunca pude ter.
Meu pai e meu irmão trabalham para o Sr Theóphilo, esposo da Sra Lourdes, é pai da Sra Malva e do Sr Cristóvão que faz o meu coração bater tão disparado e me faz ficar tão nervosa, tão atrapalhada. Cada vez que ele vem buscar as encomendas da Sra sua mãe eu me escondo atrás da cortininha e fico a espiar suas feições falas e gestos.
Quando minha mãe está ocupada e sou obrigada a atendê-lo tremo feito vara-verde, gaguejo e abaixo tanto a cabeça que quase dá para escondê-la debaixo do balcão. Ele é sempre gentil e educado. Uma vez até tocou na minha mão sem querer quando lhe entregava o pacote. Ele pediu muitas desculpas, me assustei tanto com o toque que afastei bruscamente do balcão, tropecei no banquinho que estava atrás de mim e caí. Ele passou rapidamente pela portinha lateral e foi me acudir, segurou no meu braço e mão, olhei bem dentro dos seus olhos.
São os olhos castanhos mais lindos e mais brilhantes que eu já vi. Ele olhou fixamente para mim sorrindo, de repente a minha mãe abriu a cortininha e perguntou em alto tom:
-O que acontece aqui? Sr Crsitóvão o que faz abaixado atrás do balcão segurando a mão da minha filha? O que pensarão as pessoas, o que comentarão? Uma moça de família não deve ser tocada por um homem que não é nada seu, não é seu pai, seu irmão ou esposo.
- Sra minha mãe, ele só estava....-comentário em vão na tentativa de explicar o acontecido.
- Cale-se. - gritou muito nervosa.
- A Sra tem razão Dona Lúcia, me perdoe, mas a minha intenção era apenas de ajudar a Sra....
Ele ficou olhando para mim esperando que eu dissesse meu nome.
- Otília. - respondi. - O meu nome é Otília.
- Tem um lindo nome. - disse ele sorrindo para mim.
- Obrigada e as encomendas estão todas aqui e já estão pagas. - disse a minha mãe tomando a minha frente quando eu ia agradecer o elogio.
Ele entendeu o recado agradeceu educadamente e foi embora.
A mãe falou a noite inteira, disse que eu não o atenderia mais, que eu parasse de sonhar, que era imposível um compromisso entre nossas famílias, que herdeiros ricos só se casavam com herdeiras ricas ou que pelo menos tivesse um bom dote, ou família de tradição, e ainda me disse que contaria tudo para o pai se acaso ele voltasse na loja e eu me atrevesse a atendê-lo novamente.
Não consegui dormir, passei a noite muito confusa. Eu não quero perder estes pequenos momentos em que nos encontramos, quero pelo menos poder sonhar já que a minha mãe deixou bem claro que nunca passará disso. Ele já faz o meu coração bater mais forte à 3 anos, o vi pela primeira vez quando fui levar o almoço para o pai e o meu irmão.
O pai atendia o balcão do armazém e me pediu para entrar e deixar o almoço no depósito.
Entrei como fazia sempre e dei de cara com ele que estava todo sujo, com roupas simples, ajudava meu irmão na arrumação do estoque. Fiquei paralisada.
Ele ficou olhando pra mim e eu parei de respirar, não acreditava no que estava vendo. Um homem simples, esforçado, todo sujo de aparência bem diferente dos outros homens, com seus cabelos castanhos compridos na altura dos ombros, sem bigode e grandes olhos que sorriam para mim.
Voltei a respirar quando o pai entrou e apresentou o Sr Cristóvão num tom imperativo mostrando o meu lugar. Desde esse dia eu não o encaro mais, e toda vez que nos encontramos ele é gentil e educado e tento me fazer acreditar que ele só age assim porque tem muito apreço pela minha família, pelo menos é o que a minha mãe diz. Mas o meu coração me diz outra coisa, diz que ele corresponde aos meus sentimentos.
Sábado, 05 de abril de 1855
Na manhã de hoje ele voltou contrariando minha mãe que ao vê-lo atravessar a rua em direção a loja, me empurrou para trás da cortininha. Fiquei a observá-lo pela fenda.
Minha mãe foi um pouco rude e ele como sempre gentil. Pude ver os seus olhos percorrendo pela loja toda enquanto falava e parar ao passar pela cortina, achei que ele me via e de tão nervosa que fiquei quase cai no degrau ao me afastar. Quando o ouvi dizer que contava com a nossa presença na festa em que comemoraria o seu aniversário, não me contive e saí de trás da cortininha. Ele sorriu e me cumprimentou dizendo:
-Faço muito gosto de presença de toda família.
Minha mãe agradeceu em nome de meu pai e deixou claro que não iríamos.
Ele contou que ia ser uma festa simples, pequena, no terreiro mesmo, com boa comida e bebida, deliciosos doces feitos pelos escravos libertos que ele orgulhoso chamava de empregados. Também disse que estariam presente apenas a familia e os empregados da fazenda e alguns amigos especiais, a minha família estava entre os amigos especiais. Contou que sua mãe queria uma festa grandiosa, salão, muitas pessoas que ele nem conhecia. Ele não aceitou e ela disse que se não fosse uma festa do jeito dela, ela não apareceria. Insistiu mais uma vez pela nossa presença e se despediu com um sorriso maravilhoso.
Eu fiquei eufórica parecendo uma criança teimosa, insisti muito para que fôssemos.
Minha mãe nada respondeu, apenas se virou e entrou.
Esta tarde pareceu durar um ano, e quando chegou logo anoiteceu. Jantamos cedo como de costume, todos estavam silenciosos, percebi que não íriamos mesmo para a festa. Todos os meus sonhos se desfizeram. Sem nada dizer fui para o quarto e já me preparava para dormir quando minha mãe entrou e nas mãos trazia um lindo vestido azul.
- Mãe, o que é isto?
- Um vestido, ora! Eu fiz com os retalhos da cortina da Sra Lourdes. Não é tão bonito quanto os das Sras, mas não fica muito atrás. Se apronte, seu irmão vai levá-la para a festa e representar a família. Seria uma falta deixar de prestigiar o Sr Cristóvão que é tão bom e atencioso conosco.
Senti vontade de chorar, pulei nos braços dela, a abracei forte.
Chegamos e o Sr Cristóvão veio nos receber, me ajudou a descer da charrete e disse entusiasmado como eu estava bela. Para dizer a verdade esta foi a noite em toda a minha vida que me senti a mais bela de todas.
A noite foi maravilhosa, nossos olhares se encontraram o tempo todo. O céu estava estrelado e a brisa da noite soprava suave. Caminhei um pouco mais distante das pessoas e logo ouvi passos atrás de mim, meu coração já me avisava de quem eram.
- É uma bela festa Sr Cristóvão e a noite está maravilhosa.
- Não mais bela e nem mais maravilhosa do que a Sra, que trouxe luz e vida a esta festa. Fiquei aflito imaginando que não viesse.
Me virei olhei fixo para ele e não senti o chão sob meus pés, me pareceu que todos sumiram e só existia ele e eu. Que se aproximou mais pegou suavemente as minhas mãos e disse:
- Sempre gostei de trabalhar no armazém, mas desde a primeira vez em que a vi, ía mais feliz com mais ânimo sempre na intenção de encontrá-la novamente. Então passei a buscar as encomendas da Sra minha mãe acreditando que os olhares da Sra correspondem aos meus sentimentos, assim sendo, tomo a liberdade de pedí-la em casamento.
Parei de respirar de vez, meus ouvidos não acreditavam no que eu tinha acabado de ouvir.
Ele insistiu em uma resposta:
- Se estas preocupada com o Sr seu pai e a Sra sua mãe, já estão cientes do meu pedido. O fiz esta tarde, e ele me disse que o sim só poderia vir de você.
Sem pensar me joguei nos seus braços. Eu sei que não é correto, mas não me contive.