CONTO - É preciso ter fé

 
CONTO – É preciso ter fé – 25.12.2011
 
            Cresceram juntos. Estudavam no mesmo grupo escolar, sempre em séries semelhantes, nunca foram reprovados, pois a ordem era aprender, a fim de ser alguma coisa nessa vida. Seus pais eram colegas de trabalho, laboravam na mesma empresa, um exercendo cargo de escriturário, outro apenas um simples auxiliar de cozinha/refeições, todavia gente do bem.   

            Genaro, o burocrata, era o pai do Oscar, e casado com dona Odete, enquanto o Severino, mas conhecido por Biu, o do refeitório, genitor da Raquel, havia enviuvado há pouco tempo; sua esposa fora acometida de um câncer de cura ainda não conhecida, sendo tristonho o seu falecimento, magérrima, desfigurada, um choque para os seus amigos e vizinhos, que muito a admiravam. Desde esse dia não se via mais alegria na figura desse operário tão exemplar; fora sua primeira e única namorada...

            Eis que chega a época dos garotos prestarem o exame vestibular, porquanto terminados os cursos preparatórios. Ambos foram aprovados, ela no curso de medicina e ele no de engenharia de minas. O que era simples amizade, coleguismo, em face dos contatos diários e da boa educação de que eram portadores, transformara-se num grande amor, numa atração mútua e decerto abençoada pelo Senhor. Certamente daria em casamento, até por que os respectivos pais nunca deixaram de concordar desde o início do namoro até a efetivação do noivado e tampouco com o matrimônio, o qual somente se realizaria após as pertinentes formaturas.

            A festa dos formandos foi unificada para todos os cursos, a fim de congregar o maior número possível de pessoas e também reduzir as despesas com o evento, porquanto o custo de vida estava relativamente alto, sendo de boa política a poupança de recursos para se fazer um pé-de-meia pro futuro. Genaro tinha um coração do tamanho de um trem; prestou ajuda ao seu amigo e companheiro até que sua filha se formasse, ora na aquisição de livros, cursos extras, etc. A felicidade dos dois companheiros de trabalho era visível nos seus rostos.

            Raquel já havia conquistado um emprego bem remunerado, eis que se revelara uma médica de alta competência e invulgar capacidade de trabalho. O Oscar fizera um concurso para uma empresa de perfuração de poços de petróleo e fora aprovado numa belíssima colocação, ficando assim de remuneração garantida. Claro que ganhavam muito bem, daí eles marcaram a data da união, que fora bem concorrida, numa cerimônia de se tirar o chapéu. Mais uma vez seus pais ficaram radiantes de alegria e satisfação com o êxito dos seus filhos queridos.

            Pequeno detalhe, todavia, poderia causar dificuldades no relacionamento do casal apaixonado: Quinzenalmente o Oscar tinha de prestar serviços numa plataforma no mar, e só no décimo sexto dia é que regressava pra casa. O percurso de ida e volta era feito na base de helicóptero da própria firma. Sua Raquel dava um plantão por semana, mas isso não causava qualquer embaraço, até porque seu marido já estava acostumado. Entretanto ambos sentiam aquela ausência que parecia não mais acabar.

            Não há negar que essas idas e vindas se tornavam bastantes cansativas para o seu marido, que depois de algum tempo mostrava-se de certa forma deprimido, gerando cuidados e preocupações da doutora Raquel. Eles eram muito abertos e suas conversas bem francas falavam tudo o que lhes vinha à mente, mas nem mesmo ele sabia dizer o que se passava com a sua falta de ânimo. Quem sabe a ausência da companheira! A tristeza amargurava aquela mulher dedicada e amorosa, até mesmo em face de se achar grávida de seis meses de uma garota, que deveria ser linda tal qual ela.

            Por muita insistência ele concordara em ir ao médico clínico da família, o qual recomendou a feitura de alguns exames especializados, porquanto notara, em face de sua experiência, certa anomalia no estado de saúde de seu cliente. A empresa mantinha convênio com os principais laboratórios e serviços de diagnóstico da região e se fosse necessário pagava até viagens para centros mais adiantados do país e do exterior.

            Necessária se tornara uma licença para a realização das pesquisas, algumas mais complexas do que outras, mas ele se submetera a todas sem qualquer dificuldade. Os resultados foram satisfatórios, tanto que ele voltara ao trabalho após o período da licença. Mas a necessidade de continuar com as investigações era patente, mesmo porque o doutor Oscar vinha demonstrando sinais de perda de peso, que não deixa de ser uma preocupação para qualquer pessoa. Talvez pela alimentação desregrada, fora de hora. Para os médicos esse é um dado de real valor e pode até levar a diagnósticos precoces.

            Dentre os novos exames solicitados, um era primordial, qual seja avançada pesquisa na cabeça do engenheiro, tal de “Ressonância Magnética Nuclear”, que obtém imagens detalhadas no máximo possível a propósito do cérebro e até da medula. Tal exame ainda não era feito no país, o que levou o serviço médico da empresa a encaminhá-lo ao exterior, acompanhado de seu médico, quando poderia ter um resultado mais confiável do que uma simples desconfiança de um facultativo por melhor que fosse.

            Nessa altura a Raquel estava com mais de oito meses de gestação, e o nascimento da criança poderia ocorrer a qualquer momento. Enquanto isso, o resultado do exame fora positivo, ou seja, havia um tumor cancerígeno no cérebro do rapaz, em avançado estado e sem qualquer probabilidade de até mesmo uma cirurgia exitosa. Mas o médico que o acompanhara decidiu não lhe contar nada, alegando que a clínica que o atendera mandaria tudo devidamente diagnosticado para o seu consultório. Oscar engoliu esse papo, mas meio desconfiado.

            Ocorre que o referido doutor ligara para sua colega de profissão e esposa do paciente contando-lhe todo o histórico dos exames. Como médica ela tomara um choque muito forte, mas tentou superar toda a dor, em face de não haver prejuízo ao nascituro... De um lado ela orava pela recuperação de seu marido, e de outro para que Deus não permitisse que sua filhinha viesse a falecer precocemente: “Meu Senhor e meu Pai maior, permita-me ter esse rebento sem qualquer anomalia, assim como fora o nascimento do menino Jesus naquela manjedoura paupérrima, porém abençoada por Vós”... e o fizera com toda a fé que mantinha no seu peito.

            Marcaram o regresso para estar no país no dia de Natal, por coincidência no momento em que a futura mãe não mais suportou o trauma e entrara em trabalho de parto urgente. Na exata hora em que o Oscar e o médico adentraram o hospital a criança fora resgatada do ventre de sua mãe, bastante saudável para alegria de todos os presentes. Entretanto, o Oscar só teve mesmo tempo de ver a neném, beijar sua esposa, pois a emoção e a dor foram tão violentas que o fez entrar em estado de síncope e falecer repentinamente.
 
            E a menina Rebeca, pela fé, foi salva pelo Senhor.
Ansilgus
Em construção/revisão.

Imagem: GOOGLE

Qualquer semelhança é mere coincidência.

ansilgus
Enviado por ansilgus em 25/12/2011
Reeditado em 26/12/2011
Código do texto: T3406372
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