Véspera de Natal

O beijo é carinhoso e vai se desfazendo conforme as gotas da chuva voltam do chão.

Os lábios vão se separando, as pálpebras vão se abrindo, deixando a maneira de expressar conforto ser substituída pela maneira de expressar surpresa.

Ele volta alguns passos, pegando de volta o saxofone que subia do chão para a sua mão, misteriosamente.

Ela fecha a porta com força, faz um olhar mais forte, quase que com desespero, enquanto ele puxava ar do bocal do saxofone, se perguntando: “Por que não tocar algo que nunca toquei?”

Pegando firmemente o instrumento, ele brinca com o sax, girando um pouco para a direita, depois para a esquerda, para observar os encaixes de mão e os detalhes dourados. Logo após, faz uma expressão de pequena surpresa novamente, se dirige à caixa de veludo preta e fecha as fechaduras. Dá alguns passos de costas até a cama (não são precisos muitos, a cama fica praticamente do lado da caixa do sax), encosta as panturrilhas na frente dela (cama de casal), senta um tanto rapidamente, quase num impulso, apoiando as mãos no colchão. Enquanto ele se senta, ela desce as escadas correndo, num impulso maravilhosamente desesperado. Puxa a fita do sobretudo, que estava atirada no chão, amarra-a, abaixa e pega as sandálias.

A chuva pára de cair.

E televisão é ligada pelo controle remoto agora na mão do jovem rapaz, que coloca novamente o controle nos pés do colchão, deitando o corpo para trás. Deixando os olhos abertos por um tempo e logo após fechando-os, ele deixa os braços completamente abertos na cama bem-feita.

A porta da sala fica balançando um pouco, a jovem mulher pega algumas sacolas de papelão (muito bem-feitas, com tiras entrelaçadas) cheias de presentes e vai andando rapidamente em direção à tal porta, fechando-a também com força.

Uma respiração funda. Batimentos descompassados dos corações de ambos os apaixonados. É Natal, e a distância já os faz de humor totalmente acabado. Ela está fazendo as lágrimas voltarem aos olhos enquanto volta, ainda correndo, pelo gramado da casa, todo encoberto de neve. Tentou, a princípio, seguir o caminho tortuoso de pedras que lidera à calçada, mas corria muito, e não ligava para o certo do espaço, e sim para o tempo que não queria desperdiçar.

Uma respiração funda. É Natal, e a falta faz ele pressionar os olhos com força, fechá-los da maneira mais forçada o possível. Abrindo novamente os olhos, ele olha pro relógio, à sua esquerda, marcando 20h39min, virando o minuto para 20h38min. Olha para o teto novamente, dá uma pausada nos movimentos por alguns segundos, e então gira o corpo, ficando de costas para cima e com as pernas na lateral esquerda da cama.

A gélida neve vai descolando do rosto da jovem, subindo aos céus. A garota pára na calçada da casa e observa que aquela é a casa mais Natalina, sem nem precisar de tantos enfeites. Vai correndo pela rua, vira a esquina, os passos correm frenéticos pela neve, queimando os pés. Era muita saudade para ligar para qualquer coisa.

Ele se joga para cima e fica em pé, em frente com a lateral da cama. Passa a observar a neve fora da janela. Respira fundo uma vez. Agachando rapidamente, ele puxa com a ponta dos dedos uma pequena caixa preta debaixo da cama. Solta uma fita vermelha que está bem amarrada, abre a caixa sem pestanejar e se depara com uma rosa azul, num forro de algodão bem branco, junto com um pequeno saco de sementes. Uma para admirar agora, uma para fazer crescer.

As pessoas andam felizes pela rua, a jovem mulher agora acaba de pedir desculpas e então esbarra nesse grupo. Continua a correr, atravessando as ruas, só olhando para os lados no meio da ação.

O saco e a Rosa são retirados da caixa e colocados numa sacola de uma loja, que está dentro da mochila desse rapaz, que por sua vez está encostada na cama. Ele coloca os algodões numa caixinha transparente, numa gaveta aberta no criado mudo ao lado da cabeceira da cama. Fecha a gaveta. Fecha a caixinha preta e a coloca na mochila. Fecha a mochila. Senta encostado na lateral da cama.

A garota vai colocando as sandálias/sapatilhas conforme vai correndo pelas ruas. Correndo e correndo sem parar, vai ficando próxima a uma praça, em frente a um estabelecimento cheio de luzes de natal. Talvez um restaurante, talvez uma loja de árvores de Natal, não importa. O desespero parece diminuir um pouco.

O rapaz fecha os olhos novamente. Começa a acelerar a respiração. Coloca a camisa com um pouco de suor. Vai acelerando mais a respiração, pega a mochila por apenas uma das alças, mas não levanta a mão, que está jogada no chão. O suor vai saindo da camisa e caminhando suavemente ao seu corpo. De repente ele se joga em pé, puxando a mochila e encaixando-a em apenas um ombro, correndo em direção à porta, abrindo-a, e correndo novamente para sair de casa.

Ela chega à praça, senta-se num banco. E tem um súbito ápice de desespero. As lágrimas continuam subindo aos olhos, agora um pouco mais freqüentes. Ela quase que joga as sacolas ao lado do banco de madeira, põe a mão no rosto, fecha os olhos. As lágrimas vão cessando, até todas terem entrado novamente no canto do olho. O desespero vai passado conforme ela vai se esquecendo da saudade.

Ele chega na garagem de casa, pega seu carro, abre o portão, que vai levantando a neve do chão, e sai. Os pneus vão desfazendo as marcas na neve, o portão descendo, ele vai dirigindo de ré até uma loja, no centro da cidade, uma floricultura.

Ela pega o celular, passa os olhos da direita pra esquerda e lê “Eu Mais-Que-Te-Amo”. A mensagem é enviada ao satélite. O satélite entrega a mensagem para o celular dele, que está ligado enquanto a nota fiscal entra na máquina emissora.

Ele vai passando os dedos pelas teclas, digitando a mensagem que deveria ser entregue ao seu Amor. Sorri, entregando a flor e a semente à florista.

Ele refaz os passos que o levaram até aquele beijo.

“Feliz Natal.”

O beijo se refazia, ele a encarava com felicidade, sorria.

“Feliz! Feliz Natal!”