Ciúme

Recebeu um buquê de flores. Lindíssimas flores em uma caixa muito elegante, rosas colombianas vermelhas. As folhas de seda que acomodavam as flores crepitavam ao toque. Tudo muito fino e elegante. Um suntuoso laço de fita envolvia o arranjo. Abriu os braços, num grande abraço para acolher tão inebriante presente. Pediu ao mensageiro que lesse o cartão que acompanhava a entrega, já que suas mãos ocupadas não conseguiam alcançá-lo. O lacre soou um estalo e do envelope de papel adamascado, possivelmente suíço, foi retirado um cartão não menos pomposo. O jovem entregador leu a frase num fôlego só:

“_ Eu amo você.” T.S.

Após receber o pagamento que lhe cabia, o rapaz sumiu porta afora e quase simultaneamente, a porta se fechou atrás dele. Ela caminhou devagar ao encontro do aparador, seus olhos percorriam o embrulho e dele suspeitavam. O perfume demasiado de tão exuberantes rosas, faziam-na desequilibrar-se, sair pouco a pouco de seu eixo.

Meio cambaleante, pernas trêmulas, tentava desvencilhar-se das rosas, mas as rosas enredavam-na. Seu peito doía. Sentia-se desfalecer. A dor aumentava e percorria seu corpo. Seus braços pesavam, sua cabeça fervilhava, seu fôlego sumia aos poucos...

Subitamente, num ataque de fúria, usando o buquê como um bastão, começou a destruir tudo à sua volta. Seus movimentos intensos, bruscos e descontrolados, em pouco tempo, destruíram tudo à sua volta. Já não havia taças ou bebidas no pequeno bar. As fotos, espalhadas pela sala, pareciam despojos de guerra. As delicadas molduras das telas expostas nas paredes estavam aos pedaços, rotas. Os objetos de arte juntavam-se no chão formando uma colagem pós-moderna. Os móveis estavam riscados. Os tecidos rasgados. O poema mudo.

Seus braços e mãos sangravam em múltiplos ferimentos, como se tivesse atravessado um cercado de arame farpado. Mas, nada, nada doía mais que seu coração. E mesmo diante da destruição em sua volta, não conseguia parar de pensar em uma pequena palavra: traição. Toda a pompa daquele presente não era o jeito dele de amar, ela sabia. Aquele era o seu jeito de dizer que tudo estava acabado.

Suas lágrimas corriam ruidosamente. Sua garganta gritava desesperadamente. O silêncio se fez para ouvi-la. O tempo parou para contemplá-la. Ficou assim, deitada no tapete da sala a contemplar no teto os infinitos respingos de sangue, suor e bebida.

* * *

Meses depois, aquele mesmo entregador depositava flores, as mesmas flores, no túmulo dela.

Postado em 13/12/11, às 00:40, ouvindo "Someone like You" Adele

Esse texto é meio autoral, eu me sinto assim hj, traída. Queria destruir alguma coisa, fazer sangrar alguém mais que a mim mesma. Sangrei o papel...

Adelaide Paula
Enviado por Adelaide Paula em 13/12/2011
Código do texto: T3386091
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.