Nossa mal resolvida história de amor
Tomou as aspirinas de costume, acompanhadas de uma taça de wisk. Era inevitável tentar contê-la. Àquela altura da madrugada tentava desligar-se do brilho da noite, pensava em dormir o sono desejado a tempos.
Eu a observava a repetir os mesmos gestos rituais de todo fim de noite, fumar uns cigarros, beber uns drinks, ir deixando pela casa sapatos, roupas, jóias, que eu recolhia numa submissão serviçal. Diante do espelho, ela encarava a si mesma e ia esfregando no rosto aqueles cremes pastosos, formando uma máscara sobre a máscara que a própria vida lhe deu.
Seminua andava pela casa, bebia, fumava, bebia de novo. O rosto marcado pela maquiagem borrada deixava-a com um aspecto fantasmagórico. Eu tentava recordar a sua idade, trinta, trinta e cinco, parecia mais. Sempre mais. Entre um gole e outro, ela voltava-se para meu terno deposto no sofá e dizia algo incompreensível. Ria-se de algo. A língua não a obedecia, as palavras atropelavam-se. Patética, eu pensava. Vou deixá-la, planejava. E sempre lançava para o futuro o desfecho da nossa mal resolvida história de amor.
Ela enchia a banheira e as taças enquanto pedia para que eu ficasse junto dela, ouvindo-a, vendo-a. Escorregou e caiu de bruços no chão do banheiro. Corri para acudi-la, mas não me permitiu. Nua, suja, sangrando os joelhos, ria-se. Jogou-se na água quente e deixou-se estar. Ridícula, pensei. Nada atraente. Vou deixá-la, refleti. Fumou, bebeu, riu. Adormeceu. Adormeci.
Acordei com o sol refletindo uma estonteante luminosidade no espelho. Olhei-a mais uma vez e decretei: _ Vou deixá-la.
Enquanto em meus secretos pensamentos eu arquitetava a minha fuga, ela me deixou, às dez horas, de uma manhã ensolarada de domingo.