Talvez seja noite de sábado

“I’ve really been the best, the best of fools

But baby, since I’ve been loving you

I’m about to lose my worried mind”

Since I’ve Been Loving You – Led Zeppelin

É sempre noite quando os lobos saem pra caçar. Eles espreitam sua presa e, em bandos, atacam quando esta se encontra em seu estado mais indefeso. São ardilosos, ferozes. Mortais. Você tem que ter muita sorte para sair vivo de um ataque de lobos. E nunca conseguirá fazê-lo sem adquirir algumas cicatrizes. Em certos casos, não há nem mesmo como saber se aquilo que se arrasta através do deserto é mesmo uma pessoa ou apenas um pedaço de carne que ainda insiste em se agarrar à vida. Um verdadeiro trapo.

Posso dizer que hoje sou um trapo sobrevivente.

Também fui atacado por lobos. Na verdade, não foram lobos. Uma loba. Uma única e solitária loba.

E que fez um estrago digno de toda uma matilha.

Por meses me rodeou. Observou de longe, reconheceu o terreno. Com olhares de ternura e falsos sorrisos, atraíu minha atenção. Armou a armadilha. Eu segui alegremente até ela. E, quando olhei para trás, quando fiquei completamente exposto, fui atacado. Seus olhos, antes ternos e gentis, se tornaram ameaçadores. O sorriso de amizade, um de escárnio. E eu me assustei. Uma parte de mim quis correr naquele mesmo instante. Outra quis continuar, não acreditando (ou não querendo acreditar) que tudo aquilo era real.

Eu fui um tolo. Não quis acreditar.

Então, com uma monstruosidade que eu não acreditava possível, num rápido movimento de suas garras, fui atravessado, de modo que não pudesse me defender (não que eu pudesse realmente tentar me defender, sempre fui muito covarde para essas coisas); suas presas, cravando-se fundo em meu pescoço, tentavam arrancar minha cabeça; e, com a certeza de que estava no controle da situação, sem nunca desgrudar as presas de meu pescoço, esboçou novamente o sorriso de escárnio e, sussurrando em meu ouvido, insistiu que estava tudo certo, e que eu não tinha nada com o que me preocupar.

E, sem poder fazer nada, vi minha alma morrendo entre aquelas mãos que tanto quis segurar, entre aqueles lábios que tanto quis beijar.

Literalmente, morto pela falsa beleza de um sorriso.

E ao vê-la agora, deitada sozinha na cama, o cobertor cobrindo apenas parcialmente seu corpo, deixando exposto seu pequeno, mas belíssimo, seio nu, e parte de suas grossas e morenas coxas, seu rosto sereno no travesseiro, sorrindo para o alto, provavelmente sonhando com dias melhores.

Nesse momento, tive certeza de que, apesar de tudo, era linda. E isso tornava tudo mais difícil.

Mas também tive certeza de que, mesmo dormindo, aquele sorriso de felicidade em seu rosto escondia uma ponta de dissimulação. E isso deixava tudo ainda mais fácil.

Então, tomando cuidado para que não acordasse, estiquei os dois braços dela acima de sua cabeça e os amarrei na cabeceira da cama, utilizando um lenço que encontrara em seu armário. Era um lenço vermelho, de um tecido que parecia seda. Não parecia ser muito resistente, mas duvido que aquilo fosse demorar mais do que alguns minutos.

A cena que via, o corpo moreno e esbelto esticado na cama, as duas mãos amarradas e, mesmo assim, dormindo tranquilamente, aquilo certamente trazia lembranças. Se eram boas já não tinha tanta certeza. Mas trazia lembranças.

Aonde tinhamos mesmo nos conhecido? Fora num bar? Não, não podia ter sido. Eu não sou o tipo que chamava a atenção das mulheres em um bar. Não sou bonito, nem atlético, e muito menos extrovertido. Costumava mesmo era me sentar sozinho, em algum canto escondido, e me embebedar ao máximo, voltando para casa apenas quando já não estivesse mais pensando direito.

Eu sempre pensei demais.

Era inteligente e, como meus amigos costumavam dizer, sagaz. Costumava ficar quieto nas discussões mas, sempre que abria a boca, ou era para fazerem todos refletirem sobre algo ou então para fazê-los mijarem nas calças de tanto rir. Isso sempre me valera a alcunha de bom ouvinte, bom conselheiro; de alguém sensato, que pensava com claridade nas coisas e sempre conseguia enxergar por trás dos panos.

É, eu sabia mesmo fingir bem.

Agora me lembrava que haviamos nos conhecido na internet. Há tantos modos de conhecer pessoas na internet! Num fórum, talvez? Bem provável. Só não me lembro exatamente de qual tipo. Lembro-me que costumava postar sempre por lá. Dar minha opinião em todas as discussões. De algum modo, era meio que respeitado. Afinal, uma coisa à qual nunca pude reclamar era de que me faltava inteligência. Pelo menos aos olhos dos outros.

Talvez fosse essa dita inteligência que a tinha atraído. Certo dia ela me dissera que sim, mas tinha minhas dúvidas. Eu sempre tinha minhas dúvidas. Sobre tudo. E todos. Principalmente sobre mim mesmo.

E foi naquele momento que teve início minha ruína.

Ela ficou na espreita. Se aproximando aos poucos. Um comentário aqui, uma indireta ali. Um bate-papo mais demorado acolá. Uma cutucação mútua. Um jogo de vou-não-vou jogado com louvor por ambas as partes. Em pouco tempo já estávamos tendo longas conversas em particular. Ficávamos horas falando dos mais variados assuntos. Ela era tão inteligente, tão sensível, tão bem-humorada. E tão linda.

E eu a rodeando como uma abelha em face de uma bela planta; mal sabia que era uma planta carnívora.

Tudo ia tão bem que combinamos de nos encontrar. Num local neutro? Não, seria muito simples fugir. Correr loucamente para as colinas ao menor sinal de perigo. Não, a coisa não funcionaria daquele jeito. Ela precisava atrair-me mais fundo, colocar-me numa armadilha ao qual não conseguiria escapar tão facilmente.

Ela então me sugeriu que eu fosse até sua casa.

Eu aceitei. De imediato.

A noite havia sido magnífica. Pizzas, conversa, abraços, carícias. Até nos cansarmos de toda aquele encenação e irmos para o que realmente interessava.

O sexo era maravilhoso. Indenpendente de minha parca experiência, sabia que não iria ser daquele jeito com qualquer uma. Ela tinha um jeito de se mexer, de gemer, fazer caras e bocas, que conseguiriam levar qualquer homem à loucura.

Como uma prostituta de luxo.

Mas, para mim, a melhor parte ainda viria depois de tudo isso. Dormir. Finalmente, poder dormir. Ter alguém para abraçar e, nessa união de corpos, poder colocar todas as preocupações e frustrações de lado, e então ter um sono tranquilo. Mais do que o sexo, aquilo era algo de que eu sentia falta.

De que eu sentirei falta.

Falo isso porque não sou uma pessoa de muitos amores. Já se faziam anos desde que meu relacionamento anterior chegara ao fim, e mesmo assim ela foi a única mulher com quem estive em todo aquele tempo. Não só no sentido carnal do sexo, ou no sentido de carinhos (e até mesmo de uma suposta confiança), mas mesmo o ato de beijar alguém era algo do qual eu havia me esquecido. Pode parecer estranho que um estudante universitário tenha ficado todo esse tempo sem ter qualquer tipo de contato com a libido feminina. Mas, por mais absurdo que pudesse parecer, era a mais pura verdade. Uma verdade que eu teimava em não aceitar.

Ou talvez, como diria Sartre, “o inferno está nos outros”. Talvez estivesse mesmo. Sempre fora um bom amigo, um ótimo amigo, mas, aparentemente, não era uma boa mercadoria para namoro. Se ganhasse um dólar pra cada vez que escutasse a fatídica “mas você é como um irmão pra mim”, ou então “vamos ser apenas amigos”...nossa! Provavelmente problemas financeiros seriam algo que nunca me preocupariam.

Apesar de que, mesmo hoje, esse está longe de ser o maior dos meus problemas.

Um gemido me tira repentinamente de meus pensamentos. Ela estava acordando.

Apesar de claramente não entender o que estava acontecendo, o susto inicial em seu rosto durou pouco. Ela não gritou pedindo ajuda, e nem tentou se soltar. Mesmo se vendo nua, amarrada na cama e com um homem sentado à sua frente, um homem do qual ela fugira que nem o diabo da cruz, carregando uma arma em uma das mãos, mesmo assim ela manteve o controle. Ela sempre mantinha o controle. E isso sempre me invejara. Já recomposta do susto, ela então me dirige seu sorriso mais safado, dizendo numa voz mole e sedutora:

- Ai, gato, você podia pelo menos ter me acordado. Assim eu perdi metade da diversão!

- Bom dia pra você também, gata.

Ela havia acabado de acordar mas, mesmo com o cabelo todo despenteado e sem nenhuma maquiagem, estava linda. Ao contrário da maioria das mulheres que conheci, a beleza dela não precisava de mais nada. Era totalmente natural. E ela sabia disso. Então, mesmo amarrada, ela tentou me seduzir. E acho que, se eu já não soubesse até onde aquilo me levaria, poderia ter caído que nem um patinho. Qualquer homem cairia.

- E então, o que nós vamos fazer agora? – aquele sorriso safado ainda estava estampado em seu rosto. Ela agora estava sentada na cama, encostada na cabeceira, os braços amarrados atrás dela, seu esguio corpo esticado, os seios nus a mostra, balançando para cima e para baixo conforme ela respirava, numa dança hipnotizante. Suas pernas, antes cobertas, agora estavam quase completamente expostas, e o cobertor agora cobria apenas sua barriga, com uma das pontas caindo para esconder seu sexo desprotegido. Naquele instante, qualquer homem daria a vida para possuí-la. Qualquer homem mesmo.

Mas eu já não era mais um homem. Agora, era apenas a sombra de um. E, talvez apenas por isso, consegui resistir aos seus apelos bacantes.

Balancei a cabeça devagar, olhei fundo nos olhos dela, sem nem me esforçar para esconder toda a raiva, todo o fogo, todo o desejo de vingança que havia nos meus e, abrindo um largo sorriso, falei com a voz mais calma que possuia:

- Conversar gata. Apenas conversar.

E, com isso, eu havia finalmente conseguido o que queria. Seu sorriso sacana sumira repentinamente. Seu olhar não mais tentava me seduzir, mas evitava a todo custo voltar-se diretamente para mim. Seu corpo já não era mais um convite irrecusável para o sexo, mas uma cobra que tenta fugir desesperadamente de seu captor, o rabo de um rato que, na boca de seu amigo felino, debate-se convulsivamente entre os dentes da fera, num último vão esforço para manter sua vida. Um suor frio escorria por todo seu rosto, e eu já sabia o que aquilo tudo representava. Ela havia perdido o controle. E estava com medo.

Eu me deliciava com a situação.

Me levantei da cadeira em que estava sentado, aparentando uma calma que certamente não sentia. Vestia apenas uma calça jeans, os pés descalços, a barba por fazer e o torso completamente descoberto, deixando à mostra os poucos pelos de meu peito e a barriga proeminente. Com o revólver que carregava na mão direita, parecia a porra de um cowboy aposentado, desses que apareciam nos comerciais de cigarro e filmes dos anos 70 e que hoje apenas passam suas vidas sentados na frente de uma TV, bebendo cerveja, mudando de canal e passando o tempo que lhes resta de modo inútil até que a morte os encontre. Alguns esperavam meses, outros anos ou mesmo décadas. Alguns mais sortudos (ou não) ainda a estavam esperando.

Mas, para esse cowboy aqui, ela não deveria demorar mais do que alguns minutos.

- M....m....m....e.....des.....cu....lpa – ela gaguejava de tanto medo. Lágrimas brotavam de seus olhos e escorriam por todo seu rosto, deixando à mostra algumas pequenas rugas que se multiplicavam com o passar dos dias.

- Te desculpar? Mas desculpar pelo que? – disse, de modo irônico. Eu realmente não sei pelo que você está se desculpando.

Eu ando até o lado da cama, me esticando por sobre a cabeceira e olhando pela janela que fica em cima dela. Um carro que ocasionalmente passa, seguido pelo latido dos cachorros do vizinho, eram as únicas coisas que quebravam o silêncio quase místico daquela noite de lua cheia, em que os poucos raios pálidos que atravessavam a vidraça refletiam no cano prateado de meu revólver, fazendo-o brilhar sinistramente na penumbra daquele quarto. Como toda história de terror ruim que costuma ser contada em volta de uma fogueira, aquela também era uma noite de lua cheia.

Mas, nessa noite, a história teria um final diferente.

O homem que iria sobrepujar o lobo.

- Sabe, a vida é engraçada, - disse, enquanto olhava pela janela. Um dia você tem um grande amigo e, anos depois, a presença dele já não lhe significa mais nada. Não porque brigamos por algo, ou porque ficamos ofendidos. Simplesmente nos afastamos, sem motivo algum. A vida nos afasta. E, o que antes era afeição verdadeira, sem percebermos, acaba por se tornar apenas insignificância. E, o pior de tudo, é que não nós sentimos culpados por isso. É engraçado, mas não sentimos a menor culpa em olhar com desprezo para alguém que, há não muito tempo, dizíamos que amavámos de todo coração. Continuamos levando nossas vidas mesquinhas dia-a-dia, desprezando cada vez mais pessoas, e mordendo os lábios ao abrir sorrisos falsos toda vez que dizemos que nos importamos. Porque, na verdade, não nos importamos. Nem um pouquinho. É triste, mas é essa a verdade.

- Somos seres falsos. Mesquinhos. Egoístas. Sonhamos em viver para outro, mas nunca deixamos de olhar para nosso próprio umbigo. Nos enganamos diariamente, inventando histórias, procurando maneiras de jogar sobre os ombros de outro a culpa por nossos próprios defeitos. E, dia após dia, bancamos a vítima, nos fazendo de coitadinhos, tentando convencer a nós mesmos que não somos responsáveis por nosso próprio sofrimento. Afinal, são sempre os outros que não nos dão oportunidades, e não nós mesmos que somos incompetentes. Sempre os outros que são egoístas demais, e não nós que ficamos sentidos demais por todos pensarem em seus próprios problemas e ninguém querer resolver os nossos. Sempre os outros, sempre os outros, somente os outros, que não são bons o suficiente, e nunca nós, os impecáveis e intocáveis nós, perfeitos na face de Deus, que temos medo de nos relacionar com alguém.

Eu brincava com minha arma enquanto falava, gesticulando freneticamente com a mão que a segurava, enquanto me divertia como nunca observando o pavor de minha amada, minha amante, se retorcendo na cama, tentando de tudo para se livrar de suas amarras, ao mesmo tempo que tentava se segurar para não demonstrar o quão apavorada estava. Sem obter muito sucesso, devo observar. Para qualquer observador externo, a cena se encaixaria perfeitamente num filme B de serial killer. Tarantino bateria palmas, se curvaria, diante da poesia que havia em toda aquela violência.

Mas não haviam observadores externos, e nem um baixinho com cara de nerd sentado numa cadeira no canto do quarto para gritar “Corta! Está ótimo! Chega por hoje.” Não, não, não, não, N-Ã-O! Ainda não chega por hoje.

Sabe, é incrível como nunca deixamos de descobrir algo novo sobre nós mesmos, e isso chega a ser até espantoso. Às vezes, podemos até nos assustar ao descobrir um novo traço em alguém conhecido, alguma nova mania, algum novo vício. Mas, mesmo que conheçamos essa pessoa há anos, e mesmo que achamos que já sabíamos tudo que há para saber sobre ela, ainda assim, não nos assustamos tanto quanto quando descobrimos algo novo, mesmo que minúsculo e insignificante, sobre nós mesmos. Afinal, se há alguém que sabe o que se passa em nossas mentes, somos nós. Até que se prove o contrário. Somos obrigados a conviver com nós mesmos desde o momento em que nascemos, gostemos ou não. Às vezes gostamos tanto de quem somos que não conseguimos nem imaginar sermos outra pessoa, enquanto em outras nos sentimos presos, sem saída em um corpo e mente alienígena, obrigados a ser alguém que não é nosso eu, não diria verdadeiro, mas almejado. Mas, em qualquer um dos casos, sabemos exatamente como pensamos, sabemos bem como nossos sonhos foram desenvolvidos na infância apenas para serem massacrados durante uma fase de adolescência clichê, repulsiva e nojenta, até nosso cérebro e vontade se transformarem naquela massa gosmenta e cinza que fede à merda e vômito bilial que chamamos, na vida adulta, de razão e bom senso. E, apesar disso, nunca cessamos de descobrir novas coisas a cada dia. E isso sempre nos assusta pra caralho. Em meus devaneios, trancado no meu quarto, deitado sobre minha cama, cheirando a bourbon e chocolate barato, repassei essa cena em minha cabeça centenas, milhares, milhões de vezes. Mas, talvez pela quantidade de hollywoodianos ruins que me bombardearam desde aquela idade em que só sabia falar mamãe, tota-tóia e máquidonaldi, independente do cenário, do que eu falasse ou do que escutasse, sempre me via como um romântico. Um verdadeiro covarde, para o caso de você ser uma daquelas raras pessoas que ainda possui em “romântico” um adjetivo qualitativo positivo. Independente de qualquer palavra que eu pudesse imaginar, qualquer coisa que ela poderia usar para me ferir, me humilhar, me fazer cair no chão e chorar como uma criança que vê a mãe sendo estuprada por cinco meliantes e gemendo de tesão enquanto pede para que eles não parem nunca, eu nunca, nunca, teria a coragem necessária para apertar o gatilho.

Ou pelo menos era assim que eu me via.

Sabe, é até engraçado pensar em como eu não havia imaginado que ia ser assim. Afinal, viviam me dizendo que “na prática, a teoria é outra”, e eu sempre concordei com essa tese. Porque então achei que seria diferente também nesse caso? Sabe, às vezes eu consigo ser tão burro que até me espanto. Eu sempre imaginei que não teria coragem de puxar o gatilho, que daria as costas e iria embora, e remoer minhas mágoas até que elas me corroessem completamente e me transformassem num zumbi sem força de vontade. Agora, de frente para o problema, é assustador, e até um pouco engraçado, tudo bem, bastante engraçado, descobrir esse meu lado sádico. Perceber que eu sou capaz de olhar para todo aquele medo, aquele sofrimento, e saber que eu posso rir da situação. Que tudo o que aquela cena me provoca é uma sensação de alegria, de satisfação, de prazer. E saber que ela não precisa me dizer nada, que, de qualquer maneira, eu iria apertar aquele gatilho e não dar a mínima para isso. Mais ou menos do mesmo jeito que eu sempre agi quando descobria que algum conhecido morria. “Você sabia que sua prima morreu?” ”Sério? Que triste. E o coringão ontem, quanto foi?” No momento você pode achar isso até triste, mas com o tempo vai perceber como é engraçado. Sério.

Eu poderia enfiar uma bala na testa dela por algo tão imbecil quanto me perguntar que horas eram. É sério. Podem achar que eu sou um louco, cucko-cucko, que perdi a cabeça e que me deixei levar por minhas paranóias. Mas, você nunca ouviu sua namorada lhe falar que deveria ser mais impulsivo, mais sensível, que deveria se deixar levar pelo amor? Então. Perder a cabeça por amor. Não é isso tudo o que elas desejam que sejamos capazes de ser?

Vovó sempre me disse que devíamos ter cuidado com o que desejamos. Ela estava certa. Vovó nunca errava.

Poderia, mas não vou. Vê-la amarrada daquele jeito, totalmente à minha mercê, os lençóis que tentavam sem sucesso esconder seu corpo suado, só me faziam pensar em uma única coisa.

- Porra, você é mesmo muito gostosa!

- EU NÃO FIZ NADA!

- Aaaaand....we’ve got a winner! Bingo! Exactément isso! Você não fez NADA.

O show finalmente chegava ao seu ato principal.

Me afasto da cama, caminhando lentamente até a estante de livros que ficava ao lado da porta.

- Onde é que está? Querida, o que você sempre dizia mesmo? Algo sobre não voltar....isso! Bem aqui. 1984. Não sou muito fã do Orwell, toda essa história de “vamos dar as mãos e lutar por um mundo melhor” sempre me deu náuseas. Mas eu tenho um certo carinho por esse livro em especial, sabe? É engraçado, mas, no fim, eu voltei mesmo pelo livro.

Eu fico a admirar a capa por algum tempo, aqueles quatro números garrafais que me ajudaram a decidir meu futuro. O medo que aquela obra incutiu em mim, medo suficiente para que eu não conseguisse assistir a um certo programa televisivo que se utilizava da imagem do Grande Irmão de Orwell, apesar disso não ser algo que eu consideraria ruim. Quem foi disse que livros não podem salvar vidas? Esse, pelo menos, evitou que desperdiçasse minha inteligência. Não seria evitar esse tipo de desperdicío também um modo de salvar uma vida?

...

E, mirando em sua cabeça, eu aperto o gatilho.

Um grito é precedido pelo som oco do cão batendo no tambor vazio. Por debaixo de seus cabelos, molhados pelo suor frio do medo, seus olhos me fitavam com um misto de desespero e ódio,como se não pudesse acreditar que eu realmente tinha sido capaz de fazer aquilo e nunca fosse me perdoar por isso. E, por mais que tentasse manter uma postura séria e ameaçadora, não resisti e comecei a gargalhar.

- Você precisava ver sua cara! – gaguejei por entre a gargalhada, enquanto tentava retomar o fôlego. Um misto perfeito de “sou muito jovem pra morrer” e “esse filho da puta vai queimar no fogo do inferno”. Uma reação tão clichê que até a pior atriz de filme mudo teria vergonha! Desculpe, mas eu não consigo conter meu riso.

Eu continei a rir loucamente, desesperadamente, sem conseguir (ou nem ao menos tentar) me conter. Eu a humilhava intensamente, e nunca havia me divertido tanto em toda minha vida. Ela ficava cada vez mais nervosa a cada risada que dava, e quanto mais nervosa ficava, mais alto eu ria. E nem tentava me conter. Aquilo era muito prazeroso.

Cientistas dizem que alguém com muito ódio é capaz de feitos impossíveis. Algo a ver com a liberação de endofirnas e adrenalina. Não posso fazer uma afirmação categórica quanto a isso, pois sempre preferi estudar a biologia de outras formas, normalmente servindo de exemplo sobre os efeitos do sono no metabolismo humano durante as aulas. Mas, apesar disso, eu sempre acreditei na maioria das coisas que os cientistas diziam (pelo menos naquelas que eu não conseguia inventar uma história melhor para explicar), e não me espantei quando, como um cachorro raivoso que escapa de suas correntes ao tentar atacar um ameaçador invasor de camisa amarela, calça e boné azul e uma grande bolsa preta a tiracolo, ela forçou sua libertação, quebrando o mastro da cabeceira da cama aonde eu a havia amarrado, e saltou em minha direção, com as unhas em riste, como uma pantera atacando sua presa.

O mais engraçado é que o lenço continuou, intacto, amarrado em seu pulso. Quem diria que ter cupins na casa nem sempre é algo necessariamente ruim?

Num rápido movimento, levantei o revólver que carregava e o encostei em sua testa, o cano deixando a marca de um círculo perfeito. Ela parou a ofensiva com o susto, sentando-se novamente na cama. Continuava me olhando, impassiva, seus olhos puro ódio e desprezo.

- Você sabe que eu sou capaz de apertar esse gatilho, e eu tenho quase certeza de que dessa vez você não terá tanta sorte. Então porque você não fica aí quietinha e se acalma para podermos bater um papo de gente grande?

Ela rangeu os dentes e grunhiu em resposta, os olhos ainda cheios de ódio. Por um momento, parecia mais um bicho do que uma mulher. Pensei até que podia ter calculado mal os dias e tê-la pego na TPM. Mas, então, ela concordou com um movimento de cabeça, abaixando os braços que ainda ameaçavam me estrangular e se afastando de minha arma, indo se recostar na cabeceira, agora completamente destroçada, da cama.

Eu soltei um suspiro breve de alívio. Ainda bem que ela não estava na TPM.

Ela então abriu uma gaveta da cômoda ao lado da cama, retirando de lá um maço de cigarros e um isqueiro bic cor-de-rosa. Não me recordava se ela já fumava antes, mas sei que um cigarro é um ótimo aliviador para momentos de estresse. Sei bem disso, eu também não fumo. Ela tremia como um doente terminal de Parkinson, e demorou quase cinco minutos para conseguir levar um cigarro à boca e acendê-lo, não sem antes espalhar quase todo o maço praticamente cheio pelo lençol. Deu então duas tragadas bem fundas, que diminuíram o cigarro para além da metade. Ela então o apagou no abajur, e jogou a bituca para baixo da cama com a mão esquerda, enquanto com a direita já levava um segundo até a boca.

- E então, sobre o que você quer conversar? – disse enquanto acendia-o.

- Ah, não sei, faz tanto tempo que não nos falamos! Como foi seu dia?

Ela não pareceu nem um pouco surpresa com a pergunta. Talvez, naquele momento, mais nada a surpreendia.

Ou talvez ela realmente precisava de alguém pra poder compartilhar o dia ruim que teve. Quem sabe? Não se pode entender as mulheres.

- Ah, foi uma merda! Trabalhar que nem uma escrava o dia inteiro pra ganhar algumas poucas merrecas que mal pagam minhas contas, pegar busão lotado e nem ser bolinada por nenhum pedreiro, e ainda por cima chego em casa e, quando tento dormir, descubro que virei personagem de algum filme B de gangsteres.

- Filme B não, calma lá! Eu me inspirei nos melhores. Aqui é Poderoso Chefão e Scarface, baby.

- Então porque você está vestido como um cowboy maltrapilho e teve que usar minhas próprias echarpes pra me amarrar? Você faz alguma idéia de quanto elas custam?

- Provavelmente são as peças mais caras do Torra-Torra. Ou talvez não, não sei se você tem dinheiro pra fazer compras em lojas chiques.

- Pelo menos não sou eu que herdo uma arma do meu avô e não contente ainda roubo as roupas do defunto. Essa arma é de quando? Mil oitocentos e guaraná com rolha?

- 1848. Calibre .44, um Colt Dragoon usado na Guerra da Secessão. Tem muito mais estilo que um .38 qualquer e, depois de uns ajustes, fica tão bom quanto novo. E falando em novo, como vão os filhotes?

- Ignorando minha existência, como sempre.

- Eles tem pra quem puxar.

Ela apagou o segundo cigarro na parede atras de si, deixando a bituca cair em cima da cama, borrando o lençol com uma mancha preta que dificilmente sairá, mesmo o deixando de molho e fazendo várias lavagens. Estava visivelmente perdendo a paciência.

- Olha, por que você não deixa de papo furado? Eu tenho certeza que você não veio até aqui, me amarrou enquanto eu dormia e apontou a merda de uma arma de dois séculos na minha cara só pra saber da porra da minha vida, tá legal? O que você está procurando, afinal? Se quisesse somente saber sobre como foi meu dia, poderia ter telefonado.

- Claro! Eu poderia ter telefonado, sim. Por que eu não pensei nisso antes? Algo tão simples! Peraí, mas tem uma coisa...hã....tá coçando aqui...o que era mesmo...ah! Lembrei! Eu TELEFONEI! Várias vezes. Em todos os horários possíveis. Mas você atendia? Nananinanão. Nenhum sinal de vida. Nem por telefone, nem via internet. Então, como estava preocupado, eu resolvi dar uma passadinha e ver como você estava.

- E precisava entrar enquanto eu não estava aqui, se esconder embaixo da cama, esperar eu cair no sono e me amarrar com minhas próprias roupas? Custava tocar a campainha?

- Eu queria ter certeza de que você não iria me ignorar.

E acredito que fiz um bom trabalho nesse ponto. É difícil ignorar alguém que está lhe apontando uma arma quando se acorda amarrada na própria cama.

- E pra que carregar essa arma? Você sempre foi muito bom em machucar os outros com palavras.

- Eu a chamo de “dicionário”.

E era verdade.

Então me aproximei, apoiando o braço em sua coxa enquanto me inclinava na direção de seu rosto, deixando apenas alguns poucos centímetros entre nossos lábios.

- Eu apenas quero saber o PORQUÊ. Apenas isso.

Ela colocou a mão direita em meu peito e me empurrou. Não uma agressão, mas um pedido por espaço. Eu dei alguns passos para trás, dando a ela todo o espaço possível no quarto pequeno e apertado. Ela então levantou-se, gesticulando com a mão que segurava um cigarro ainda apagado, enquanto a outra mão repousava em sua cintura. Mesmo estando completamente nua, ela tinha um jeito, todo um porte, que não a deixava ser vulgar, mas sim muito sexy.

- Puxa gato, são tantos motivos! Poderia citar a diferença de idade, a distância, o emprego que consome tanto meu tempo; poderia dizer que o problema não é você, que sou eu que estou passando por uma fase meio confusa. Poderia usar tantas desculpas clichês agora pra tentar me justificar! Você tem certeza que quer fazer mesmo essa pergunta?

Aquilo me pegou totalmente desprevenido. Eu realmente não esperava aquela reação. Será que eu queria mesmo saber a resposta? Ou aquilo tudo era apenas um teatro para tentar colocar em alguém toda a culpa de uma frustração que eu sempre tive comigo mesmo? Mas, antes mesmo de chegar a um consenso, me vi murmurando as seguintes palavras, enquanto apertava cada vez mais forte o cabo de meu revólver.

- A...verdade...

Na hora percebi que havia feito merda, mas já era tarde. Então me preparei para o pior.

Mas nós nunca conseguimos nos preparar para o pior. O pior é sempre pior do que o pior que conseguimos imaginar.

- Você quer a verdade gato? Tudo bem. A verdade é que EU NÃO SEI! Eu não tenho como te explicar. Essa verdade, esse motivo específico, esse tal catalisador que você procura, a coisa que você pode apontar e dizer “então você é a culpada por tudo”, isso não existe. Nunca existiu! Eu não sei porque eu resolvi te ignorar. Simplesmente achei que esse seria o caminho mais fácil.

- Claro, porque ele não ia te trazer nenhum tipo de problema, certo?

- Tá bom gato, eu admito, não foi uma idéia muito inteligente. E nem a coisa certa a se fazer. Eu deveria ter sido honesta com você. Mas, o que falar para você, se não havia nada para dizer?

- Mas você sabia que eu sempre tive problemas com rejeição. Que a única coisa que me deixa realmente mal é ser ignorado. Sabia que inventar qualquer desculpa, por mais boba ou idiota que fosse, iria me magoar bem menos do que simplesmente sumir de minha vida. Se não há nada, por que então escolher justo o caminho que mais ia me machucar?

- Eu não sei. Talvez eu não conseguisse conversar com você sobre isso. Apesar de tudo, eu ainda tenho um carinho especial por você, gato. Tenho mesmo. Você é uma das melhores pessoas que eu já conheci. Mas eu também tenho um certo medo de você. Você é muito estranho. Muito instável. Num minuto você solta uma piada sobre meus filhos ou minha idade que me deixa extremamente ofendida, e no seguinte é capaz de atos de romantismo desses que a gente só vê em filmes. Não dá pra saber o que esperar de você. E eu já não tenho mais saco pra aguentar esse tipo de flutuação de humor. Eu passei por um duro processo de separação, num casamento que quase acabou com minha auto-estima. Tudo que eu quero agora é curtir os meus últimos dias de beleza.

- Girls just wanna have fun.

- Gato, eu odeio quando você faz essas citações em inglês.

Eu caí sentado na cama, o olhar ao longe. Ainda não havia conseguido digerir toda aquela informação. Ela se aproximou, olhando-me com pena. Eu estava em estado de choque, quase catatônico, e não foi nenhuma surpresa eu ter continuado completamente estático enquanto ela se abaixava, arrancava minha calça e colocava meu pênis em sua boca. Meu órgão crescia e pulsava a cada lambida e chupada que ela dava, mas aquilo era apenas uma reação automática de meu corpo, pois eu mesmo não sentia nada. Nem prazer, nem nojo. Tantas coisas se passavam por minha cabeça naquele instante que eu já não sabia o que sentir. Ela pegou minha mão esquerda e a levou até seu peito, fazendo com que acariciasse seus mamilos. Ela gemia de prazer, enquanto eu continuava ali, parado, olhando para o teto. Sem esboçar nenhum movimento autônomo e nem fazer nenhum ruído.

Eu não passava de um boneco inflável. Um consolo para uma noite caliente e solitária.

Ela me chupava cada vez com mais força, cada vez com mais tesão. Sua língua passeava por toda a extensão de meu pênis, primeiro circundando toda a cabeça, e então descendo vagarosamente até alcançar as bolas, e fazia todo o caminho de volta até a cabeça. Então o abocanhava gentilmente, fazendo-o sumir quase por completo em sua boca, e o fazia aparecer novamente, quase por completo, somente para fazê-lo sumir de novo, num movimento que era repetido em velocidade cada vez maior, até que se contentasse em abocanhar apenas a cabeça de meu membro e, com a mão direita, o punhetava em ritmo constante, enquanto sua língua passeava e dançava pelo pedaço que ainda estava dentro de sua boca. Com seu braço esquerdo, ela ainda conduzia a minha mão a brincar com seus peitos. Mesmo sem sentir nenhum prazer naquilo, sabia que meu corpo iria gozar a qualquer momento.

Então um sorriso de escárnio se formou nos meus lábios.

Eu olhei para baixo, com o sorriso no rosto, e olhei fundo nos olhos dela.

Então eu gozei.

E atirei.

A bala não pegou em cheio, mas mesmo assim fez um enorme rombo em seu pescoço. Caso tivesse acertado, acredito que a cabeça dela estaria rolando pelo chão do quarto naquele instante.

Ela foi ao chão, ainda viva. A bala fizera estrago suficiente em suas cordas vocais para impedi-la de gritar, mas não o suficiente para que ela morresse com o tiro. Suas duas mãos estavam em volta do pescoço, numa tentativa vã de parar o sangramento. Sua boca retorcida tentava gritar por socorro, e seus olhos me fitavam num último pedido de súplica. O sangue se espalhava no piso do quarto, misturando-se às gotas de esperma que encontrava pelo caminho, envolvendo-as como uma grande célula vermelha realizando uma fagocitose.

Em pouco tempo, seus olhos já não me diziam mais nada. Estava tudo terminado.

Peguei minhas botas e coloquei-as em cima da cama, afim de não sujá-las de sangue. Com um lenço, limpei os resquícios de esperma que havia em seu rosto, não para evitar de ser identificado, afinal havia esperma mais do que o suficiente para isso no chão e nos lençóis, mas porque eu achei que ela deveria estar com uma aparência digna quando encontrassem o corpo. Afinal, ela não era nenhuma puta.

Somente então abotoei minha calça, calcei as botas e vesti minha camisa, de um xadrez flanelado cinza escuro e bastante larga, o que facilitava bastante na tarefa de esconder a arma. Uma última olhada no corpo, um cumprimento com o chapéu e eu estava caindo fora dali. Mas não sem antes me certificar de trancar todas as portas e o portão. Afinal, nunca se sabe que tipo de maluco ou drogado pode tentar invadir uma residência nos dias de hoje, não é mesmo?

A polícia chegou ao local na manhã seguinte. Interrogaram os vizinhos, que juraram não terem visto nem escutado nada de anormal na noite anterior. Eles nunca vêem. Nunca escutam. Não quando todos vivem numa paranóia urbana tão grande que nos faz acreditar que todos à nossa volta podem ser potenciais traficantes ou assassinos.

Não há como culpá-los por estarem certos.

A bem da verdade, vizinho hoje em dia só serve pra juntar os amigos e fazer uma roda de samba varando a noite justamente no dia em que você precisa levantar cedo e descansado para uma prova importantíssima na escola, ou uma apresentação que irá alavancar sua carreira na empresa.

Apesar de haverem provas suficientes para encontrar o culpado, como a vítima era pobre e, apesar de possuir alguns contatos influentes, nenhum deles estava disposto a pagar “uma cervejinha” pra corporação, tudo que a polícia fez foi ligar para a família e dizer para virem buscar o corpo antes que começasse a feder, para logo em seguida arquivarem tudo que foi coletado naquela imensa pilha de “casos sem resolução”, que só é visitada sempre que um novato cheio de ambição chega querendo mostrar serviço. Ou quando alguém precisa acender a churrasqueira.

Devido à gravidade dos ferimentos e à falta de verba para se pagar um serviço funerário decente, o velório foi em caixão fechado, com apenas alguns poucos familiares e amigos presentes. Apesar de ninguém verbalizar nada, havia uma certa tensão nos olhares dos presentes que indicava que todos suspeitavam que, de alguma forma, o ex-marido tinha alguma parcela de culpa no acontecido, enquanto o mesmo apenas se lamentava por não ter tido tempo de fazer um “repeteco” dos tempos de casado. Ninguém fazia um boquete melhor do que ela.

Várias teorias sobre o caso rondaram por semanas os jornais mais sensacionalistas e os grupos de conspiradores da cidade, e várias teorias foram criadas, tornando aquele assassinato quase que uma lenda urbana.

Mas o que nem a polícia, nem os parentes, e nem mesmo o mais criativo dos conspiradores conseguiu explicar, era o porquê de uma cópia do “1984” de George Orwell ter sido deixada em cima do corpo.

RR Silva
Enviado por RR Silva em 07/12/2011
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